Angra do Heroísmo. Carta militar, 1959
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Edouard Henri Georges Toudouze (1877-1972)
foi um prolífico escritor e historiador bretão, que assinou os seus livros com vários
nomes, entre os quais tão-só Georges Toudouze. Na sua vasta produção literária,
a qual não parece ter deixado grande rasto, encontra-se a série «Cinq jeunes filles», que deram lugar a treze romances
para adolescentes. Um deles passa-se nos Açores – ou melhor, nos mares em seu
redor – e foi originalmente publicado em 1959, com ilustrações de Henri Faivre,
sendo editado entre nós dez anos depois, com tradução de Maria de Barros, com a
chancela da Editorial Verbo. O livro, naturalmente, não descreve ao pormenor o
arquipélago dos Açores, sendo apenas revelador, quanto muito, de um certo olhar
«inocente» e vagamente informativo sobre um destino tido por «exótico».
-
Comandante, sabes o que é aquela coisa que se avista com pouca nitidez ao lume
da água?
Martiale,
que, de compasso em punho, trabalhava sobre um mapa do Atlântico, onde ia
traçando a rota, levantou a cabeça e olhou para Marguerite Trévarec, que tinha
aparecido na escada interior:
- Com certeza;
estive a observá-la há pouco com o binóculo: é a Terceira – isto é, a
«terceira» ilha dos Açores, como o próprio nome indica. Vamos passá-la por
estibordo para recuperarmos o mais possível o tempo perdido com a calmaria…
- É habitada, a
Terceira?
- É, como todas as
outras ilhas.
- O que quero dizer
é se tem vida comercial? Lojas? Coisas que se possam comprar?
Martiale pousou o compasso e o lápis:
- Por que são essas
perguntas, Gait?
- É que, como
comissário de bordo e, portanto, responsável pela alimentação, devo informar-te
de que o nível da despensa desce a olhos vistos.
- Mas nós
enchemo-la antes de largar de Gibraltar!
- Pois é,
comandante: mais um dia de navegação e serei obrigada a recorrer às conservas
com feijão-verde.
- É impossível.
Tinhas calculado que os géneros frescos nos chegavam, sem tocarmos terra, até…
- Porque fiz as
contas para cinco estômagos e sem prever estes dias de calmaria: afinal somos
seis, e durante estes três dias não deixámos de comer três vezes por dia, sem
contar que só o «pendura» come e bebe tanto como nós as cinco juntas. Não é um
homem vulgar, esse fenómeno… É um esfomeado ambulante, a quem o ar do mar ainda
aguçou mais o apetite. Serve-se três de tudo o que se lhe dá – aliás com a
carinhosa cumplicidade da Paulette, desvanecida com o seu antigo companheiro no
jantar no Lion. Eu já nada posso
fazer e só vejo duas soluções: ou deitamos ao mar o Jean Hardy, antes que ele
acabe com as reservas, ou fazemos uma escala de duas horas na Terceira, para
comprar géneros frescos… Que achas?
-
Terceira… umm… menos comprida do que S. Miguel e mais larga… umm… inacessível,
excepto a leste pela Praia, e a sul pela baía dominada pelo vulcão do monte
Brasil… Campos de feijão-verde…
- Muito obrigada…
feijão-verde tenho de sobra - interrompeu Gait.
- Criação de bois…
trigo… milho… frutas…
- Está a crescer-me
água na boca: peço uma escala de duas horas.
- Concedida. Vamos
acostar ao molhe da cidade: Angra do Heroísmo.
- Bonito nome… mas
o que interessa é encontrar bons bifes…
Martiale fechou o livro, enrolou o mapa
e subiu para o convés com Marguerite.
- Vira dois graus
para norte e aponta para aquela ilha - ordena Martiale a
Geneviéve, a timoneira,
- O quê? Estamos
atrasadas e ainda vamos a terra?
Marie-Antoinette, que não esperava esta
alteração de rota, manifestou a mesma surpresa. Mas Martiale explica:
- Reabastecimento
exigido pela Gait. Duas horas no porto de Angra: depois procuraremos recuperar…
Georges
Toudouze
Boa tarde. Já acompanho o seu blog há algum tempo e quero apenas agradecer-lhe por tudo aquilo que já aprendi ao lê-lo e desejar que continue por muito mais tempo. As histórias que partilha, sobretudo, sobre Portugal (e resto do mundo) dos anos 30 e 40 são deliciosas. Obrigado.
ResponderEliminarCumprimentos.
Muito obrigado por tão simpáticas palavras, um incentivo para continuar na busca destes textos de estrangeiros sobre Portugal, uns mais conhecidos, outros menos.
ResponderEliminarCordialmente,
António Araújo