impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 19 - BENNY
CARTER
Os cânones registam como sumo sacerdotes
do saxofone alto Johnny Hodges, que pontificava na orquestra de Duke Ellington,
e Charlie Parker, que virou do avesso o seu manuseio e lhe extraiu
possibilidades até aí inconcebíveis. Desmentindo a ideia de que após Parker
nada ficou por desbravar, outros vieram que sem deitar a casa abaixo deram ao
alto uma nova e distinta configuração: Lee Konitz, Julian “Cannonball”
Adderley, Sonny Stitt, são exemplos disso. E depois retumbou Ornette Coleman
recomeçando tudo outra vez.
Alheio às sucessivas vagas que encapelaram
o mar do jazz durante os anos 30, 40 e 50 – e já agora também dos 60 e 70 –
Benny Carter correu a sua carreira por essas décadas como um rio inelutável e
profundo. Tal placidez, afinal mais acreditada por outrem do que realmente
vivida, deveu-se não só à sua natural bonomia que o tornava se não amigo, no
mínimo simpático a toda a gente, mas sobretudo ao facto de ter dedicado pelo
menos metade da sua actividade aos arranjos – que eram quase sempre uma
delicada filigrana sonora a distribuir com subtileza a melodia pelos naipes
orquestrais – tarefa de ourives, minuciosa e guardada do público.
Foi na fundacional e seminal orquestra de
Fletcher Henderson, onde estacionou entre 1931 e 32, que Benny Carter se
revelou e foi aí também que se travou de amizades com Coleman Hawkins. Por ter
um estilo e uma abordagem em tudo contrária à de Johnny Hodges fazia falta ao
contentamento do público que se promovesse uma rivalidade entre eles, na qual
coube a Carter o papel do lírico fluente e distendido, em oposição à
agressividade e pujança de Hodges. Pouco dado a hostilidades, Carter admirava
Hodges e, sem o desafiar, prosseguiu o seu caminho – ou seja, em termos de
espectáculo, confirmou a competição.
Em 1935 Benny Carter partiu em digressão
pela Europa, talvez por ter recebido deslumbradas notícias de Coleman Hawkins
acerca da sua recepção em Londres para onde embarcara em 1934 e fora acolhido como
um príncipe. Um memorável encontro entre eles haveria de ser propiciado em 1937
pelas acérrimas leis rácicas da Alemanha nazi que deixaram Hawkins apeado na
fronteira, interditado de seguir rumo a Berlim com a orquestra Jack Hylton. Voltando
a penates a Paris, juntou-se a Benny Carter e ao fenomenal guitarrista Djando
Reinhardt gravando um punhado de standards, que foram superlativamente recebidos
pelos amadores europeus, talvez exagerados pelo sentimento de que tais
maravilhas estavam em vias de terminar dali a menos de dois anos.
Further Definitions
1961
(2012)
Impulse!
- 9567
Benny
Carter (saxofone alto), Coleman Hawkins (saxofone tenor), Phil Woods (saxofone
alto), Charlie Rouse (saxofone tenor), John Collins (guitarra), Dick Katz
(piano), Jimmy Garrison (contrabaixo), Jo Jones (bateria).
À invulgar longevidade de Benny Carter,
finado aos 95 anos, em 2003, correspondeu uma ainda mais inabitual prolongada
carreira, estendida ao longo de oito décadas, do princípio ao fim com igual
lucidez e vivacidade, tal como o prova a sua incontável discografia, claro está
com altos e baixos. Um desses vértices produziu-se em 1961, quando Carter, que
já ultrapassara o meio século de vida, convidou Hawkins, próximo dos 60 anos de
idade, a reconstituirem a formação – de molde pouco comum, com quatros
saxofones: dois altos e dois tenores, guitarra e secção rítmica: piano,
contrabaixo e bateria – e parte do repertório “daquelas noites” parisienses.
Bastante inesperado foi que o sarau entre
estes dois veteranos, que haviam começado a tocar juntos de 1928, tenha sido editado pela Impulse! que em 1961 blasonava um
catálogo de músicos escolhidos a dedo entre os mais rematadamente
vanguardistas. O sinal era claro e o resultado comprovou-o: Carter e Hawkins
não se dispuseram à rememoração dos “good old days”, conscientes de que só se
pode voltar ao lugar onde se foi feliz se houver a percepção de que tudo está
mudado. Ousaram, por isso, abrir “Further Definitions” com “Honeysuckle Rose”
precisamente um dos temas que fizera furor em 1937, e se o anódino John Collins
não faz sonhar com o Django de então, já os acólitos nos metais – no saxofone
alto um Phil Woods perfeitamente afirmado e no tenor um Charlie Rose bem rodado
pelos seus complicados trabalhos com Monk – não precisaram de saltos altos par
estarem à altura de Carter e Hawkins.
“Furhter Definitions” destaca-se porque
Benny Carter relembra que aquilo que é clássico não se proclama pela nostalgia
mas pela sua perene frescura e actualidade; ideia que cabe aos mais
experimentados e sábios fundamentar.
José Navarro de Andrade
Caro José Navarro Andrade,
ResponderEliminarAproveito este post para lhe dar uma vez mais os parabéns pelo excelente workshop de sábado passado e espero que dê continuidade à iniciativa. Na pergunta que lhe havia então colocado sobre um álbum do Miles Davis interpôs-se a minha ignorância jazzística: tratava-se de "Miles at the Fillmore: Miles Davis 1970 - Bootleg series vol. 3" e era de jazz de fusão (e não free jazz) que se tratava (penso). Em todo o caso, para mim foi uma experiência sonora penosa.
Muito obrigado pelas suas dicas discográficas sempre bem-vindas e sempre preciosas.
Muito cordialmente,
João Feteira