As cidades de Atenas e Roma na formação
da civilização europeia:
mito, cultura e política
“Nos Europaei”.
Francis Bacon (1561-1626), 1623
1.
A Europa como mito
“Étranger, ce taureau qu’au sein des
mers profondes
D’un pied léger et sûr tu vois
feindre les ondes (…)
Il nage aux bords crétois. Une
jeune beauté
Dont
le vent fait voler l’écharpe obéissante
Sur
ses flancs est assise, et d’une main tremblante
Tient
sa corne d’ivoire et, les pleurs dans
les yeux,
Apelle ses parents, ses compagnons de
jeux (..)
L’art
a rendu l’airain fluide et frémissant,
Ce
taureau, c’est un dieu: c’est Jupiter lui-même.”
André Chénier, “Sur un groupe de Jupiter
et d’Europe”.
A Europa, como mito,
pertence à lenda grega de uma princesa fenícia, uma mulher de cabelos doirados,
filha de Agenor, rei de Tiro, na costa de Sídon, onde é hoje o Líbano. A princesa
Europa passeava junto ao mar com algumas amigas, quando Zeus, o rei dos deuses
da mitologia prega, a viu, apaixonando-se por ela, e de imediato se transformou
num touro de imaculada brancura. Vindo a jovem acariciá-lo, acabaria por trepar
para a sua garupa, aproveitando o animal o ensejo para a raptar, levando-a às
costas para a ilha de Creta através do curto espaço do mar que separava a
Fenícia da Grécia. Chegados a Creta, Zeus retomou a sua forma humana e uniu-se
à princesa raptada, donde nasceram três filhos, Minos, Radamanto e Sarpeidon. Minos,
rei de Creta, casaria com Pasifé (Pasiphae), que se apaixonou por um touro, que
aliás não lhe retribuía a paixão, o que levou a rainha adúltera a disfarçar-se
de bezerra para se poder unir ao animal, acasalamento contra natura de que resultou o nascimento dum monstro sanguinário,
o Minotauro. Este teve de ser encerrado, a pedido de Minos num edifício sem
saída, o labirinto inventado pelo arquitecto Dédalo, exigindo a besta de cabeça
taurina e corpo humano sete raparigas e sete rapazes de Atenas, como tributo
anual. Para o matar, Teseu, filho de Egeu, rei de Atenas, aceitou ser um dos jovens
sacrificados ao Minotauro, embora precavendo-se com um fio dado por Ariana, estratagema
que lhe permitiu sair da prisão labiríntica, depois de matar o Minotauro.
Não deixa de ser curioso
esta relação tão íntima da vida cretense com a raça taurina, desde os murais do
palácio onde vemos mulheres que saltam por cima de touros bravos. Note-se, de
passagem, que alguma da mitologia grega gira em torno da ilha de Creta, famosa desde
a idade do bronze da civilização minóica, estudada por Sir Arthur Evans em
Cnossos, nos começos do séc. XX, pois sãos diversos os mitos em torno de Minos,
do labirinto e do monstro Minotauro – do seu arquitecto Dédalo e do seu filho
Ícaro, que escaparam ambos daquele envergando asas. Todavia, Ícaro, filho do
“grande arquitecto” (Os Lusíadas, canto IV, 104), voaria tão alto que o sol derreteu
a cera que unia as asas, provocando a sua caída e morte no mar icariano.[1]
Quanto ao mito do rapto
da princesa fenícia Europa, ele foi objecto de infindáveis tratamentos nas
artes e nas letras, desde os poemas Metamorfoses
de Ovídio, André Chénier e Leconte de Lisle aos frescos de Pompeia e aos óleos de Martin de
Vos, Rubens, Ticiano, Rembrandt, Boucher e Moreau, e ainda à ópera de Milhaud L’Enlèvement d’Europe.
Em suma, a princesa
fenícia acabaria por dar o seu nome, antes de mais, à Grécia e, depois, a todo
um continente que iria do Bósforo ao Atlântico, do Cabo Norte ao Cabo de São
Vicente, assim como o seu raptor designaria no céu a constelação do Touro. Quanto
à Grécia, esta, na sua parte continental, foi sempre considerada como sendo a
Europa, embora fosse tomada também como a parte ocidental da Ásia Menor (ou
Médio Oriente), até porque, como o sublinha o estudioso Richard Buxton,[2] a primitiva mitologia helénica fazia pouca
distinção inicial entre “Gregos” e “Bárbaros”, até que as guerras com os
persas, no séc.V, modificariam essa atitude, como mais adiante veremos. Quanto
às nem sempre fixas fronteiras tradicionais entre a Europa e a Ásia, esses dois
dos cinco continente da terra incluíam, para leste do Bósforo, as regiões
eslavas até ao rio Don. Ao longo do séc.XV o continente europeu alargaria a sua
extensão até às margens do Volga ou às montanhas dos Urais. Neste sentido, a Rússia
tem sido entendida sobretudo como um país asiático, como também havemos de
referir adiante.
2.
Os “Barbaroi”
Convém recordar que, para
os Gregos, os povos a leste do território helénico, contra os quais tantas
guerras travaram, sobretudo contra os Persas, povo indo-europeu instalado desde
o século VIII a.C. a norte do golfo Pérsico, eram bárbaros (barbaroi), o que dava a esses orientais uma
dimensão claramente negativa, como sendo inimigos desprovidos de verdadeira
civilização, e que tinham falhado as várias tentativas de submeterem os helenos
nas Guerras médicas, no tempo de Dario I (século V a.C.), embora tivessem
conseguido anexar todas as cidades gregas da Ásia, no território da actual
Turquia. Contudo, esta permanente ameaça dos persas desfez-se para os Gregos
com as vitórias de Salamina (480
a .C.) e com as conquistas de Alexandre o Grande (século IV
a.C.) que conseguiu aniquilar o império persa, a que se seguiria, algum tempo
volvido, a ocupação do seu território pelos romanos. Para os gregos, eram barbaroi não só os persas mas todos os
povos orientais cuja língua lhes parecia incompreensível, como os egípcios, os
caldeus, bem como os romanos.
Todavia, na sua peça Os Persas (472 a .C.), Ésquilo mostrava o
desastre persa em Salamina, em 476
a .C., na qual os gregos derrotaram Xerxes, cuja grande
frota foi desbaratada nessa batalha decisiva. A peça não era, porém, feita contra
os vencidos, mas contra a hybris (desmedida)
de Dario, vencido pelos gregos na batalha de Maratona (490 a .C.), verdadeiro responsável
por uma política agressiva que conduzira ao descalabro do poderio aqueménida, servindo
sobretudo, para o público helénico, como uma lição moral, pondo-o em guarda
contra a tirania, ao mesmo tempo que nas palavras do coro persa ressoavam
acentos dolorosos para exprimir a dor dos vencidos. Com o posterior domínio do
mundo mediterrânico pelos romanos – que os gregos tinham considerado também
como bárbaros –, o termo perdeu o seu
carácter xenófobo para designar, agora, os povos que não participavam na Romanitas. Note-se que, para os romanos,
os germânicos que invadiriam o império no seu final tinham olhos azuis que os
impressionavam como funestos, pois a cor cerúlea (azul do céu) lhes era
desagradável e tida como aziaga. Foi preciso uma mudança cultural das simpatias
cromáticas ocidentais, durante a Idade Média cristã, para que o azul ganhasse
valor e dignidade, figurando essa cor no manto de Nossa Senhora.[3]
No século das Luzes, o
pensador francês Montesquieu (1689-1755), autor das Cartas persas e do tratado de política De l´Esprit des Lois (1748), tipificava os regimes políticos em três
formas, a Monarquia, a República a o Despotismo, fazendo-os depender, respectivamente,
da honra, da virtude e do medo,
considerando que ao último sistema pertenciam os impérios asiáticos, como o
persa, o chinês, o indiano e o japonês, em suma, a países da Ásia, já que todos
esses regimes eram essencialmente despóticos, ou seja, baseados no medo. Quanto à República (livro II, cap.
II e livro III, cap. III), fundava-se esta numa organização igualitária das
relações entre os membros da colectividade, ou seja, na qual o povo em corpo ou
em parte dele tinha o poder soberano, não significando isso que nela todos os
homens seriam virtuosos, mas que podiam sê-lo. Já a monarquia se baseava na
diferenciação e na desigualdade, na “honra”(livro III, cap.V II), pois só um governa e tem o
poder soberano, enquanto o despotismo asiático, sendo a lei sem regra, em que a
igualdade só se estabelecia no medo (L’Esprit
des Lois, livro II, cap. I e livro III, cap. IX). O governo republicano,
acrescentava, podia assumir duas formas diferentes, a democracia e a
aristocracia.
Estas considerações do
grande pensador político da Gironda marcaria de forma muito clara – e na
sequência das convicções reflexivas tantos dos gregos como dos romanos – a noção de que a Europa seria o continente
onde não existiam regimes fundados no medo,
o que levava o filósofo iluminista a declarar que “a constituição de Roma e a
de Atenas eram muito sensatas (sages)”, considerando ainda que seria
“ainda uma lei fundamental da democracia que só o povo faça leis”(livro II,
cap. II). Já Hobbes, no século anterior, achava que o medo era o sentimento
humano político mais natural, sendo o Estado – ou o Leviatã como lhe chamava, com inspiração bíblica - formado com base
nele. Todavia, Montesquieu, não sendo pessimista como o era o teorizador
político inglês, tinha uma convicção liberal arreigadamente europeísta,
pensando que o despotismo era intrinsecamente asiático – convicção que nós
europeus, hoje ainda, facilmente aceitamos, pensando sobretudo, por exemplo, na
passagem do antigo Leviatã czarista para a actual Rússia de Putin, ou nas sete
décadas de regime ditatorial soviético[4] –,
assim como, na sua teorização sobre a influência do clima nas formas de
governo, insistia que o poderio asiático, ligado por natureza aos grandes
impérios, “deve ser sempre despótico na Ásia”, enquanto que, na Europa, a
medíocre extensão dos seus estados formara nelas um “génio da liberdade que torna
cada parte muito difícil de ser subjugada e submetida a uma potência estrangeira”.
E concluía que “reina na Ásia um espírito de servidão que nunca a
abandonou”(…), não sendo possível encontrar uma só característica que marque
uma alma livre: ali só se verá o heroísmo da servidão.” (livro XVII, cap. 7).
Se pensarmos no destino
histórico da Rússia, desde o primeiro czar, Ivan, o Terrível (1530-1584) – que
nos custa crer que foi contemporâneo da rainha Isabel I da Inglaterra
(1533-1603) – até ao derradeiro dos czares, Nicolau II, assassinado em
16/17-VII-1918, passando pela queda da realeza e a efémera revolução
democrática chefiada por Kerensky (1881-1971)[5] e a
instauração da ditadura bolchevista (Outubro/Novembro de 1917), durante a qual
Lenine mandou executar o czar e fechou a duma, instaurando um regime que,
sobretudo a partir de Estaline (falecido em 1953), levaria ao apogeu o sistema
despótico soviético que só teve equivalente na dureza e inclemência dos métodos
de terror utilizado e de genocídios cometidos, nos anos 30-40, ao de Hitler na
Alemanha do Reich milenar que só duraria doze anos.[6] Um
punhado de grandes escritores russos dessa época sombria – Zamiatin, Platonov,
Bulgakov, Vassili Grossman, Siniavsky,[7]
Soljenitsine, Pasternak – deixaria desse verdadeiro Behemoth russo os
depoimentos mais impressionantes do que foi a dolorosa passagem da Utopia
bolchevista à atroz Distopia soviética, com os seu Gulag e as suas
arbitrariedades sob as formas mais implacáveis de um regime despótico, não
podemos deixar de observar que, mesmo quando este chegou ao fim, em 1991, com
Gorbatchev, não se instaurou ali a democracia num país que jamais a conhecera
em séculos da sua existência histórica, antes se resvalou para a restauração
dos métodos que tinham caracterizado os despotismos anteriores, desse os czares
a um antigo funcionário dos serviços da KGB, a omnipotente polícia política,
Vladimir Putin. Em suma, não se pode deixar de evocar o liberal Montesquieu
quando comparamos os regimes europeus e os asiáticos.
A Europa, entendida como
uma específica formação histórico-cultural, assim como civilização política e
institucional, tem, antes de mais, como pólos duas grandes cidades territorialmente
expansivas e colonizadoras que foram, também, duas formas de estado, acabando
uma delas, a do império romano, por gerar a primeira configuração da Europa
como um todo continental e de governação político-jurídica. Roma foi, assim, o
primeiro império realmente europeu, progressivamente alargado do Próximo
Oriente às costas do oceano atlântico, as ilhas britânicas e uma parte da
Germânia, fazendo do Mediterrâneo o mare
nostrum (também designado poro mare
internum) ao longo do qual, foi estabelecendo o seu poderio e o uso do
latim, fonte de diversas línguas novilatinas, entre as quais aquela que o poeta
brasileiro Olavo Bilac evocava como a “última flor do Lácio”, o português.
Nessa nebulosa histórica,
a Grécia surge como um preâmbulo da futura civilização europeia, sobretudo
graças à invenção que nela se fez do regime democrático que, alguns séculos
mais tarde, seria o cimento essencial do poder numa Europa unida. Convém, pois,
começar por referir a invenção grega da democracia (demokratia) – palavra que não figura nos dicionários de Latim – como
um dos elementos fundamentais da civilização da Hélade para a afirmação dum fortíssimo
e essencial veio europeu a que podemos dar o nome de greco-romano, sobretudo se
atendermos que Roma, no seu desenvolvimento como potência imperial, sobretudo
depois de ter derrotado Cartago nas guerras púnicas (sécs.I-II a.C.), que
dominara o comércio do Mediterrâneo durante séculos, se afirmou como a grande e
duradoura potência unificadora do espaço europeu.[8]
Roma, ao integrar Atenas e o seu património
político e cultural na sua realidade, fez dos atenienses um dos elementos
fundamentais da herança que a Europa moderna acolheria como basilares da sua
genética. Das três variantes históricas da Grécia – a Grécia arcaica (ou Grécia
antiga, do século VIII a.C. ao fim do séc.VI a.C.), a Grécia clássica (que se
estende do século V a.C. ao fim das Guerras Médicas, em 479 a .C., e que corresponde
ao apogeu da civilização grega) e a Grécia helenística (que vai do século IV a.C.
à conquista romana do reinos helenísticos saídos do império de Alexandre o
Grande, no século I a.C.) –, o período que mais nos interessa é a Atenas do
tempo de Péricles (século V a.C.), com a sua capital situada na Ática, em cuja Acrópole (cidade alta) Fídias foi o escultor
principal do Parténon, assim como da monumental estátua da deusa Atena e os
grandes dramaturgos Sófocles, Ésquilo e Eurípedes escreveram as suas peças,
cidade rodeada de montanhas e adversária de Esparta tanto como dos Persas com
os quais travou guerras incessantes e, ao final, vitoriosas para os gregos,
desde Maratona a Salamina.
A Grécia foi dominada por
uma poderosa aristocracia desde a tirania moderada de Pisístrato (600-527 a .C.), que ensaiou a
primeira democracia social, ao mesmo tempo que iniciava a expansão helénica.
Mas foram as reformas de Clístenes (508 a .C.) que de facto estabeleceram a
democracia, ainda que esta se mantivesse sempre bastante limitada: havia apenas
1/12 de cidadãos activos na Atenas do século V a.C. no meio de 200.000 escravos
e 70.000 estrangeiros desprovidos de quaisquer direitos políticos. Nos séculos
VII e VI a.C., Dracon, Sólon, Pisístrato e Clístenes tornaram o regime
democrático na Grécia uma realidade. Nesse período de apogeu ateniense, que
duraria até à conquista macedónica, o governo de Péricles (492-429 a .C.) levaria esse sistema
democrático ao seu auge, atingindo Atenas a hegemonia como cidade-estado dominante
da Hélade, assim como com o máximo do seu poderio económico e militar,
eliminando os persas do mar Egeu e implantando colónias helénicas no território
da actual Turquia (uma delas fora Tróia, ou Ilion, hoje Hissarlik – que
significa fortaleza –, a 6 km do Helesponto
(Dardanelos), cujos vestígios o
alemão Heinrich Schliemann (1822-1890) [9] escavaria
no século XIX, descobrindo desde 1871 nove camadas arqueológicas sobrepostas,
sendo uma delas a da cidade devastada cerca de 1184 a .C. – data fixada por
Eratóstenes para a queda de Tróia, quando se supõe que esta teria ocorrido
durante o sécs.XII ou XIII, urbe que Homero (séc. VIII a.C.) cantara na Ilíada, narrando na Odisseia o regresso ao lar, em Ítaca, de Ulisses, o astuto grego
que ajudara a conquistar a cidade através do famoso estratagema do cavalo de
pau, um dos poemas lendários que, como
veremos adiante, serviria a Virgílio para filiar a romanidade do império de Augusto
num grupo de fugitivos da famosa cidade cercada e tomada por causa do rapto de
Helena, mulher de Menelau, rei de Micenas, raptada por Páris, o filho de Príamo,
rei troiano.
Com a democracia grega,
os cidadãos eram todos iguais diante da lei – termo designando pela palavra isonomia –, completada pela isotimia (acesso de todos às funções
públicas, conferidas não segundo o nascimento mas por eleição ou sorteio) e idegoria (direito de todos à palavra
diante dos tribunais e assembleia do povo. Esse sistema politico democrático,
que teve o seu auge no do século V a.C., era, desse modo, a primeira forma
histórica de uma democracia directa, ainda que nem todos os habitantes de Atenas
participassem nele, já que as mulheres, os escravos e os estrangeiros residentes
(metecos) estavam excluídos desses
direitos nas leis escritas feitas para as pequenas cidades. Este sistema
democrático que regia a polis grega
estava concebido para cidades pequenas (como mais tarde sucederia com a democracia
helvética dos tempos modernos, estabelecida e reconhecida desde 1499). Além
disso, a democracia ateniense custava caro, já que era preciso pagar, desde
Péricles, os salários indemnizações de presença na assembleia popular (a eccclesia), a qual tudo decidia, tanto a
guerra como a paz, votando o orçamento, julgando os crimes de Estado e formando
um tribunal para muitos outros crimes, além de eleger estrategos (chefes militares) e tesoureiros, sendo as suas sentenças
sem apelo.
A existência da escravatura
era, deste modo, essencial o funcionamento deste sistema democrático helénico,
na medida em que só assim os homens livres se permitiam consagrar-se à vida
pública. Péricles fez mesmo votar leis limitando o número de cidadãos, donde
resultou que em 400.000 habitantes, na Ática, só 40.000 fossem verdadeiros cidadãos
masculinos e adultos, dos quais só uns 5 a 6.000 tinham assento nas assembleias do
povo. As grandes obras artísticas públicas no tempo de Péricles - como a
construção do magnífico Parténon na Acrópole de Atenas, com o seu friso de figuras
e cavalos de estilo dórico, esculpido por Fídias em mármore pentélico[10], e
as festas organizadas para agradar ao povo, o que fazia o regime democrático depender
do financiamento que lhe era assegurado pelos aliados de Atenas (a Confederação
ateniense ou de Delos) –, pelo que a democracia grega foi perdendo apoio. Em
suma, a democracia ateniense foi sobretudo o governo de uma minoria, dum demos de alguns milhares de cidadãos
livres, mas na qual uma classe de escravos e aliados mais ou menos submissos não
participava, o que permitia oferecer-se um grande nível artístico e o luxo de
se governar a si mesma. E jamais a democracia ateniense considerou estabelecer
a igualdade entre todos os homens ou entre todas as cidades.
(continua)
João Medina
[1] Camões incluiria, na fala amargamente profética do
Velho do Restelo (Lusíadas, IV, 94 e
ss), ao considerar que a nossa aventura marítima se comparava ao voo fatal de
Ícaro.
[2] Veja-se Richard Buxton, The Complete World of Greek Mythology, Londres, Thames &
Hudson, 2007, ilustr., p.98. Esta obra é excepcional
como tratado de mitologia e ainda pela alta qualidade das suas ilustrações.
Buxton sublinha a importância do sexo no comportamento do deuses gregos, dizendo
que “um dos mais impressionantes modos nos quais terrível poder dos deuses se
exprimiu através do sexo” (p.94), dando exemplos das muitas formas dessa
verdadeira pan-sexualidade mitológica (pp.94-101), sem esquecer a
homossexualidade do próprio Zeus, apaixonado por Ganimedes, jovem príncipe
troiano, a ponto de, transformado em águia, o raptar, levando-o para o no
Olimpo e fazendo dele o copeiro dos deuses, o que lhe garantia a imortalidade e
a juventude eterna (pp.99-100)..
[3] Sobre a história das cores, veja-se a obra inovadora
de Michel Pastoreau, entrevistado por Dominique Simonnet, Paris, Éditions du
Panama, 2014, maxime pp.14-26 (o
azul).
[4] Vide:–Hélène Carrère d’Encausse, La Russie inachevée, Paris, Fayard, 2000. -La Russie des Tsars. D’Ivan le Terrible à Vladimir
Poutine, dir. de Emmanuel Hecht, Paris, Perrin, 2016, maxime pp.391-413 (Putine). -Vladimir Fedorovski, De Raspoutine à Poutine, Les Hommes d l’Ombre,
Paris, Perrin, 2001.
[5] Veja-se o testemunho de Alexandre Kerenski
(1881-1970) no seu livro La Russie au Tournant de l’Histoire, Paris, Plon,
1967, e 447-584 (queda do governo de Kerternski e tomada do poder pelos
bolchevistas).
[6] Veja-se o Dictionnaire
du Communisme dirigido por Stéphane Courtois, Paris, Larousse, 2007,
ilustr. com fotos e mapas, maxime pp.338-349
(Lenine e o leninismo) e 529 -544 (Estaline)..
[7] Sobre estes dois importantes romancistas russos,
veja-se o estudo que lhes dedicámos no nosso livro Auschwitz
e Moscovo. O Silêncio de Deus em Auschwitz, Lisboa, Caleidoscópio, 2006,
ilustr., maxime pp.83-103 (Grossman)
e 109-121 (Siniavsky).
[8] Veja-se a obra fundamental de Paul Veyne L’Empire gréco-romain, Paris, Le Grand
Livre du Mois, 2005, ilustr., maxime
pp.163-257 (a identidade grega contra e
com Roma, “colaboração” e vocação superior).
[9] Vejam-se os seguintes
estudos: -David A. Traill, Schliemann’s
of Troy: Treasure and Deceit, Nova
Iorque, St.-Martins, 1996, ilustr.. -Catherine Moorehead, Lost and Found. The 9.000 Treasures of Troy. Heinrich Schliemann and
the Gold that got away, Nova Iorque, Viking, 1996. Sobre a Guerra de Tróia ver: - Quinto de Esmirna, The War of Troy. What Homer didn’t tell, trad. e notas de Frederick
M. Combellack. Nova Iorque, Barnes and Noble, 1996. -Moses I. Finley, On a perdu la Guerre de Troie, Paris,
Les Belles Lettres, 1995. – Stéphane Foucart, La Guerre de Troie a-t-elle eu Lieu? Enquête sur
un Mythe, Paris, La Librairie Vuibert ,
2014.
[10] O Parténon seria comprado ao governo turco em 1801-2
por Lord Elgin, embaixador inglês na Turquia, e transportado nas sua quase
totalidade, para o British Museum, em Londres, o que indignou Lord Byron, que
lhe vibrou uma violenta crítica no seu poema Childe Harold’s Pilgrimage, de 1812 (recorde-se que o poeta inglês
morreria em 1824, perto de Missolonghi, combatendo pela libertação da Grécia
das mãos do império otomano). Veja-se a obra de Roderick Bewton, Byron’s War. Romantic Rebellion, Greek
Revoluition, Cambridge, N.Iorque, Cambridge Universitry Press, 2013, maxime pp.211-263 (os cem dias de Byron
em Missolonghi, onde morreria), ilustr. com mapas e imagens,
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