impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 97 - WILLIAM PARKER
Fotografia de Peter Gannushkin
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Muitos anos na crisálida se manteve
William Parker, assimilando e acompanhando como se observasse o voto de
silêncio de um catecúmeno, para enfim despontar em resplendorosa borboleta na
primeira década do séc. XXI. Se aos 40 anos de idade John Coltrane tinha tudo
feito e morreu, Parker demorou 48 anos até repentinamente ser um dos músicos
mais polinizadores do jazz à sua volta. Um caso raro e excêntrico de
frutificação tardia, num género historicamente drástico no qual ou se irrompe
de maneira prematura, prestes a abalar os caboucos, ou se resiste à entropia do
tempo, adquirindo a veneranda espessura de um patriarca.
Começar a meio foi então a sina de
William Parker. Durante décadas habitou nos arrabaldes das vanguardas –
atributo que se foi gentrificando e academizando – a levantar pontes entre
gerações com uma discrição de engenheiro e, tal como cabe a um contrabaixista,
a ser amparo de mãe dos audazes da boca de cena. Fiel ao preclaro Cecil Taylor
na segunda metade dos anos 80 ao longo de uma dúzia de registos e um sem número
de concertos, com ele Parker instruiu-se muito e aprendeu ainda a ignorar como
vácua a polémica acerca da influência da tradição europeia – ou seja o leite da
Escola de Dramstadt em que medrou a “música contemporânea” – sobre a música
negra americana.
Cheio
como um ovo, William Parker partiu a casca na alvorada do novo século e depois
de ter sido sombra de muitas luzes, passou a irradiar brilho próprio e voraz,
gravando como se não houvesse amanhã. E assim foi que a sua voz musical solevou
entre a dos seus companheiros de bandeira Mathew Shipp (mais precoce) e David
S. Ware (predecessora) com quem desbravava veredas abandonadas nos sertões do
jazz.
O’Neal’s
Porch
2002
AUM Fidelity - UM 022
William Parker (contrabaixo), Hamid
Drake (bateria), Lewis Barnes (trompete), Rob Brown (saxofone alto)
Se
houve para quem “O’Neal’s Porch” eclodisse qual relâmpago na estrada de
Damasco, aos atentos a obra surgiu como aquele momento perfeito de síntese e
corolário dos trabalhos anteriores, no mesmo passo em que preconiza novos
compósitos, muito pouco experimentados, com os materiais de sempre.
Um
dos benefícios da maturidade é privilegiar o que é belo e prazenteiro, em
virtude de os desenganos da vida terem sobejamente demonstrado que são
qualidades raras e delicadas. Com a veterania também vem alguma urgência: o
horizonte começa a fixar-se e, às vezes a fixar-nos. “O’Neal’s Porch” é, assim,
uma obra de júbilo e recreio que cita, desmonta, refaz, corta e cola, com o
entusiasmo de quem tem um brinquedo novo.
É
premissa deste quarteto que todos sigam linhas paralelas o que só dá certo se
todos se ouvirem atentamente. A bateria de Hamid Drake bate o ritmo mas não se
coíbe de se expandir como num solo – é a sua marca d’água – o que lhe permite
fornecer constantemente ideias novas e instantâneas aos sopros. É Drake quem na
verdade estimula o contrabaixo de Parker, o qual vai cerzindo e alinhando as costuras
desta música, ambos chamando atrás de si o saxofone alto e o trompete
respectivamente de Rob Brown e Leiws Barnes. Ou seja: o reverso da ordem
natural das coisas. O tema de abertura dobra grade vénia a Ornette Coleman com
direito a citação e tudo – quem sai aos seus não degenera.
José Navarro de Andrade
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