Director do Instituto Alemão de Lisboa,
entre 1969 e 1976, Curt Meyer-Clason (1910-2012) deixou-nos Diários Portugueses, um livro notável,
com não menos notáveis tradução, notas e posfácio de João Barrento. O primeiro
encontro com Ruben A. e outros vultos da cultura portuguesa da época, retratos de
Lisboa no período final da ditadura, as turbulências da revolução, reflexões
densas e cortantes, de extrema lucidez, sobre Portugal e o seu povo, Diários Portugueses é, muito
provavelmente, o melhor livro que na segunda metade do século XX um estrangeiro
escreveu sobre o nosso país.
Europa
A Europa é para os Portugueses o outro,
que por um lado se deseja a partir da distância, e pelo qual, por outro lado,
se quer ser reconhecido, admirado, cortejado. A Europa é acima de tudo a
França, ou seja, Paris, é este o único critério para aquilo que vale a pena
imitar. Todos querem enfeitar-se de Europa (leia-se: Paris), mas ao mesmo tempo
permanecer português, ou seja: uma ilha, protegida de todo o contágio
perturbador pelo mar, pelos Pirinéus, pelo voltar de costas a Espanha.
Solitário, ensimesmado, fruindo uma
arcaica forma de nostalgia, a saudade, uma nostalgia de ave migratória, mas sem
objectivo nem tempo, um voo para o indefinido, para, a partir dessa altura e
ânsia do longe abraçar com piedade e ternura o próprio Eu que se arrasta lá em
baixo, na margem do Atlântico; um abraço completado por braços de mulher,
filha, esposa, mãe ou amada numa figura una e indistinta. E sempre cultivando a
imobilidade, ruminando sem parar o passado grandioso, recorrendo a ele contra a
mesquinhez desprezível do presente, reagindo de forma sensível aos apelos do
exterior. Sobretudo não se comprometer, não se prender a obrigações, a
dependências que possam perturbar a contemplação de si, a representação de si,
a dramatização de si. Em suma: há uma vontade de ser coisa antiga, duração num
passado que exclui o presente, o ultrapassa e o supera, assim rodeando todos os
desafios e confrontações com o que os outros fazem; nada de comparações, nós
somos nós, os Lusíadas que fomos e seremos.
Há qualquer coisa de narcísico e fanée, de imaturo e demodé, de insatisfeito e blasé neste modo genuíno e saudável de
ser português que se dá a ver em belas figuras de homem, corpos quentes de
mulheres com olhares húmidos como em tempos romanos, escondidos e desejáveis e
disponíveis como corças a pastar. Um modo de ser português que de modo nenhum
quer renunciar a si ou dispersar-se, para se conservar da forma mais íntima.
Nada de aventuras, nada de mudanças, nada de novidades ou recomeços!
O último ministro dos Negócios
Estrangeiros, Franco Nogueira, exige que se deixe a Europa, que durante séculos
não quis saber de Portugal, entregue aos seus problemas e à sua decadência, e
que se volte a olhar definitivamente para África.
Curt Meyer-Clason
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