terça-feira, 10 de março de 2015

Coração das trevas.

 
 




 
 
 
Chamem-lhe demagogia, voyeurismo, o que quiserem. Mas, se estas imagens não fossem captadas – e mostradas – o mundo não saberia quem era esta mãe e a sua filha. O fotógrafo, Ebrahim Noroozi, nasceu em 1980 em Teerão, e com estas imagens ganhou o World Press Photo de 2013. Na altura, a mulher, Somayeh Mehri, tinha 29 anos, e a sua filha, Rana Afghanipour, três anos de idade. Beijam-se porque, segundo dizem, desde a tragédia nunca mais ninguém as beijou.
         Vivem em Bam, no sul do Irão. Amir, o marido de Somayeh, agredia-a frequentemente, trancava-a, deixando-a fechada, em cativeiro. Um dia, Somayeh não suportou mais, como muitas mulheres vítimas da violência quotidiana. Lá e cá, em toda a parte. Somayeh pediu o divórcio, o marido ameaçou-a. Uma noite, derramou ácido sobre a mulher e a filha, quando estas dormiam. Somayeh ficou cega, o corpo em chaga, com cicatrizes irreversíveis. Rana perdeu um dos olhos. O pai de Somayeh teve de vender as suas terras para pagar as operações da filha e da neta. Os vizinhos da aldeia ajudaram a custear as despesas médicas. Talvez seja a única coisa boa numa história horrível – mas que deve ser mostrada, por mais que nos custe vê-la.


António Araújo



      P.S. – já depois de escrito e publicado este texto, ao olhar de novo, vezes sem conta, para as fotografias, reparei que a minha insensibilidade tinha deixado passar ao lado o essencial. Sendo horríveis, estas imagens são também de uma extraordinária beleza, ao mostrarem o amor de uma mãe e de uma filha  –  e quão indestrutível é esse amor. Fotografias como estas deviam ser mostradas a todos os que teimam em apedrejar as mães solteiras e a olhá-las de soslaio.



15 comentários:

  1. Tem toda a razão no escreve no seu post scriptum. Existe, de facto, uma infinita beleza, ainda que dura e desafiante, na forma como estas fotografias representam e documentam a relação de amor entre aquelas duas pessoas.

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  2. Última fotografia: O Sorriso... . A excepção à regra do Pequeno Principe "o essencial não é invisível aos olhos." Esta fotografia torna visível o coração, a vida. Bela. Infinitamente humana. Excepcional fotografia, obrigado Tóni. G

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  3. Obrigado, apesar da tristeza por sentir que, mesmo que de todo este horror se encontre o amor, termos também a confrontação com toda a monstruosidade que um ser humano consegue perpetrar.

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  4. Caro Malomil,

    Venho aqui fazer um acto de contrição apos ter lidos alguns comentarios do post anterior.

    Repare que vi este post e gostei, como gostei de tantos outros. O facto de eu não deixar sistematicamente um comentario não significa de maneira nenhuma que não aprecie o post. Apenas significa que não tenho nada de interessante para dizer (o que não é de forma nenhuma incompativel com o facto de gostar do post).

    Presumo que existam centenas de leitores como eu.

    Repare também que, com vergonha minha, me demorei nos comentarios sobre a questão (que pessoalmente julgo menos interessante) de saber onde é que a Dra Rafaela Varela almoça quando é convidada por jornalistas. Da mesma maneira, não resisti e fui ver as imagens do acidente de helicopetro na Argentina, ou do 1689° golo do Ronaldo, ou ainda da mesma maneira, não pude deixar de ficar a ouvir o que a porteira tinha a dizer sobre a vizinha do 5° esq., etc.

    Significara isto que valorizo mexericos mais do que os interessantes assuntos evocados neste blogue ? Julgo que não...

    Vivemos uma época confusa. Num esforço aparentemente louvavel, os nossos meios de comunicação levam-nos cada vez mais perto das pessoas, e isso tera provavelmente lados positivos. Não esqueçamos no entanto que o unico sitio que as pessoas visitam absolutamente todos os dias, faça sol, faça chuva, não é necessariamente aquele em que elas se engrandecem...

    Resumindo : escusa de vir com desculpas esfarrapadas e queira por favor prosseguir com os posts espectaculares que tem publicado, e acredite que o silêncio dos seus admiradores, e eles são muitos, não tem rigorosamente nada a ver com indiferença...

    Um abraço

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    1. Caro João Viegas


      agradeço muito as suas palavras. E compreendo perfeitamente que o facto de se deixar ou não um comentário não significa indiferença.

      Naturalmente, as pessoas comentam aquilo que é mais polémico ou controverso. Peço apenas que compreenda (o que não significa que concorde comigo, como é evidente) a minha perplexidade por não haver reacção, por exemplo, a um «post» que publiquei e que divulga, pela primeira vez, um caso de corte de cabeças de africanos ou a este «post» que retrata ou ilustra uma situação de violência de uma brutalidade que muito me impressionou. Confesso-lhe que hesitei sobre se deveria publicar estas imagens e que o World Press Photo se está a tornar um pouco uma insuportável «câmara dos horrores». Mas, tendo publicado algo tão «forte», achei que isso iria merecer reacções, inclusivamente de reprovação e condenação por ter divulgado estas imagens. Foi só isso, nada mais. Não se tratava, de modo algum, de um queixume ou de um «apelo a comentários».

      Agradeço muito a sua mensagem, como sempre elevada e construtiva (apesar de exagerada nos elogios a este blogue...)

      Um abraço


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    2. Obrigado pela resposta.

      Lembro-me muito bem do post que refere (sobre as atrocidades em Africa), por ser um dos que pus de parte para ler com mais calma e com mais atenção. Pode às vezes suceder que a ausência de comentarios tenha a ver com isso mesmo : o facto de alguns posts terem substância que se presta menos a reacções imediatas. Falo por mim, naturalmente.

      Seja como for, saiba que ha por ai loucos perigosos como eu, que lêem os textos que v. aqui publica e que voltam, por vezes varios meses mais tarde , e ainda mandam a outros potenciais leitores (os posts sobre os estudantes na Bulgaria, o post sobre o hospicio em Minas Gerais, o post sobre M. Gautherot, tantos outros...).

      E julgo que sou muito longe de ser um caso isolado.

      Abraço

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  5. A expressão :São lágrimas de crocodilo aplica-se ao comentario do AA como uma luva.Coloca o post e depois acha que se dá muita atenção a este e não a outro que tera maior relevo ou beleza.Tera de concordar que é um argumento demasiado vulgar que é o de lamentar que o povo não naõ faça uma escolha culturalmente mais refinada quando confrontado com suas opções oferecidas pela mesma entidade neste caso os posts .Melhor será admitir como bem diz o João Viegas que ha horas para tudo principalmente num blog generalista.Quando uma vez quiseram denegrir junto a Lenin Rosa de Luxemburgo por ter emitido certas opiniões pouco conformes ao seu estatuto revolucionario ele teve este comentario a meu ver extraordinario:Uma Aguia pode voar muito baixo mas uma galinha jamais voará muito alto...Continue que vai bem.

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  6. Olá Pai, só queria provar que sigo fielmente o blogue. Continue a escrever e eu continuarei a ler.

    Um beijo

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  7. Eu também cá ando, como um reloginho. Nem imagina o valor que o sr. António Araújo tem para mim. O Malomil, ao contrário de blogues políticos talvez não propicie tanto o comentário trauliteiro, escrito sem pensamento nem reflexão, mas pode ter a certeza que quem o segue gosta muito.
    Gosto muito das histórias, muitos parabéns pelo blogue é muito obrigado.

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  8. Enquanto sentir compaixao pelas Somayeh deste mundo, enquanto conseguir chorar ao ver fotografias e histórias como esta, acreditarei em mim e acreditarei na humanidade. Terei a certeza absoluta que nunca seria capaz de tamanha maldade, e se acreditar nisso para mim, também acreditarei nisso para os outros.

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  9. Não creia caro Julio que por se comover por tudo e por nada esteja á partida livre de cometer atos "de tamanha maldade".Muitos dos torcionários como dizia o Chico:Torturavam enquanto as lágrimas de pena corriam pelo rosto.Muitos dos torcionários de ontem ,hoje e amanhã são pessoas assim como eu e você.Eu sei que é assustador ter de admitir mas não admitir não torna ninguém imune.

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  10. Vamos todos morrer, ao menos que tenhamos dignidade e alguma bondade em vida.

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  11. Vamos todos morrer, ao menos que tenhamos dignidade e alguma bondade em vida.

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  12. Pois e a vida é mesmo assim e não fica cá ninguem hoje uns amanhã outros é como o casamento...

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