quinta-feira, 26 de março de 2015





impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 11, # 12 - COUNT BASIE

 
 

Foto de Duncan Miller,1945
 
 

Se Al Capone acabou louco e carcomido pela sífilis nos calabouços de Alcatraz,  já Tom Pendergast, que ungiu e lubrificou os gonzos da política e da economia em Kansas City durante a Depressão, teve honras funerárias assistidas por um dos seus prosélitos mais diletos, o Presidente Harry Truman. Vilanias à parte, valha-lhe ter feita da cidade um lugar suficientemente transgressivo e hedonista para acolher o jazz, fiel amigo do crime organizado e do álcool ilegal.
Retido em Kansas City, corria o ano de 1925, o jovem Bill Basie (ainda longe de ser titulado Conde) descobriu que ali no meio da pradaria abundava emprego musical. Dez anos durou o tirocínio e a progressão até ser cabeça de cartaz do doutro modo indiferenciado Reno Club. Transmitidos radiofonicamente na região metropolitana de Kansas City os concertos da orquestra de Basie só raiavam em onda curta deste nenhures para o resto da nação. Mas tão extraordinária era sua música que captou a atenção do emérito agente e produtor John Hammond, disposto a ir até “lá ao fundo” determinado a convencer Basie a trasladar-se para Nova Iorque.
Só que entretanto a Decca se atravessou, propondo que a orquestra viajasse em carruagem pullman até aos estúdios de gravação em Chicago, donde irromperia a tomar Nova Iorque de assalto. Um luxo asiático que engodou Basie a subscrever um contrato de exclusividade de três anos, para 24 faixas e 750 dólares ao ano, sem direitos de autor – estamos hoje muito gratos por este ruinoso embuste …
 


 
Count Basie: The Best of Early Basie
1937-1939 (2003)
Universal E516552
Count Basie (piano); Lester Young, Hershel Evans, Chu Berry (saxophone tenor); Earl Warren, C. Roberts (saxophone alto); J. Washington (saxophone barítono); Buck Clayton, Harry “Sweets” Edison; S. Collins, K. George, J. Keys, E. Lewis, B. Moore (trompete); Dicky Wells, Benny Morton, Eddie Durham, D. Minor (trombone); Freddie Green (guitarra); Walter Page (contrabaixo); Jo Jones (bateria);
Jimmy Rushing (voz)
 
 
Na realidade, ao invés do triunfo, a aparição de Basie em 1937 na Big Apple foi acolhida com a contumaz soberba da crítica local, acostumada à joalharia de Ellington e ao cosmopolitismo de Benny Goodman e Fletcher Henderson. Reprovaram-lhe os maus arranjos, o que era verdade, pois para uma banda forçada a actuar às vezes mais de oito horas seguidas não havia trabalho de orquestração que resistisse. Mas à medida que os discos iam saindo as reticências esfumaram-se e a popularidade disparou.
A orquestra de Count Basie consagrou-se como um formidável gerador de potência dançante. Prescindindo da sedosa harmonia do clarinete, nas palhetas garria a novidade de um dueto competitivo de tenores solistas – Herschel Evans e o prodigioso Lester Young, que deste modo terminou com a invencibilidade de Coleman Hawkins – postos em sentido por uma parelha de trompetistas de igual calibre: Buck Clayton e Eddie Harris. E se algum destes quatro Vulcanos escorregasse, seria atropelado pelo trombone de Eddie Durham. Mas o segredo da banda, a causa da sua intrigante sinergia entre descontração e acutilância, estava na secção rítmica. Embora Basie famosamente tocasse pouco e escrevesse ainda menos, dele se gracejava que conseguia swingar com uma nota só. Bastava-lhe portanto um punhado de compassos, senão um gesto de cabeça ou um relance daqueles seus olhos de besugo, e num entendimento telepático com Jo Jones na bateria, Walter Page no contrabaixo e Freddy Green na guitarra toda a formação vibrava como um êmbolo.
O swing de Count Basie fez sensação: era um tornado que levava tudo à frente e para adoçar os corações lá estava a voz de Jimmy Rushing.
(O disco que se recomenda é uma compilação de cerca de um terço do acervo da Decca. Quem tiver uma carteira mais abonada e maior devoção ao jazz, faço o favor de se abalançar à edição completa destas gravações.)
 


 
The Atomic Mr. Basie
1957 (2008)
AVID Jazz AMSC 946
Count Basie (piano), Neal Hefti (arranjos); Eddie “Lockjaw” Davis, Frank Foster (saxophone tenor); Thad Jones, J. Newman, W. Culley, E. Young (trompete); Frank Wess, M. Royal (saxofone alto); A. Grey, H. Coker, B. Powell (trombone); Freddie Green (guitarra), Ed Jones (contrabaixo); Sonny Payne (bateria)
 
 
A bomba atómica acabou com a guerra e o bebop com as grandes orquestras. Seja, esboçadamente, porque o “G.I. Bill” criou uma vasta e buliçosa classe média, que sentiu na truculência do bebop a expressão das suas inquietações: a ansiedade inerente ao novo estatuto social, a insegurança gerada pela nascente Guerra Fria e a recalcada angústia do “stress pós-traumática de guerra” (ainda a meio século de ser diagnosticado). A isto acrescente-se que as regras do namoro haviam mudado: o trabalho feminino capacitara as mulheres de que se podiam valer sozinhas – os salões de baile perderam a sedução.
A orquestra Count Basie foi das poucas que sobreviveu ao desbarato, e em 1957, qual Fénix renascida e rebatizada de “The New Testament”, publicou o disco “E=MC²” que depressa mudou para o título mais compreensível “The Atomic Mr. Basie”.
Por via do ar dos tempos, a música agora era outra. Ou melhor: estava mais aperfeiçoada, de modo a que, no essencial, ficasse na mesma. O responsável por tal refinamento foi o arranjador Neil Hefti que tonificou a sonoridade da banda, introduzindo-lhe um suplemento de dramatismo, por exemplo, nas bruscas transições do pianíssimo para o fortíssimo. Burilada por Hefti a música de Basie não elanguesceu nem deixou de ser irresistivelmente carnal, para se ouvir com o corpo, a começar pelos pés. “Pat your foot”, foi a resposta de Basie a um pernóstico jornalista que lhe perguntou pelo “significado” das suas peças.
Não foram estrelas no seu tempo nomes hoje considerados incontornáveis como Thad Jones (trompete), Frank Wess (saxofone alto) Eddie “Lockjaw” Davis e Frank Foster (saxofone tenor), mas foram eles quem reacendeu a labareda do swing, sucedendo à velha guarda. E se as gravações de 1937-1939 nos podem hoje parecer epocais, já a contemporaneidade de “The Atomic Mr. Basie” não sofreu uma beliscadura – a estes galantes e subestimados talentos se deve a proeza.
O ânimo de Basie nunca esmoreceu até ao fim, sendo que esse fim esticou-o ele ao limite, ininterruptamente em digressões, mesmo quando só chegava ao piano de cadeira de rodas – sonharia morrer em palco e calçado, como os bravos?
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 

1 comentário:

  1. Provavelmente não concorda mas acho que as gravações de orquestras como esta tornam-se por vezes de dificil audição.As grandes "massas musicais"ficam um pouco opacas e com dificil discriminação.Sei que a qualidade dos musicos leva a que seja melhor ouvir uma gravação discutivel deles do que uma excelente gravação do Ray Conif ou Andre Rieu(?)mas...

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