impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 11, # 12 - COUNT BASIE
Foto de Duncan Miller,1945
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Se
Al Capone acabou louco e carcomido pela sífilis nos calabouços de Alcatraz, já
Tom Pendergast, que ungiu e lubrificou os gonzos da política e da economia em
Kansas City durante a Depressão, teve honras funerárias assistidas por um dos seus
prosélitos mais diletos, o Presidente Harry Truman. Vilanias à parte, valha-lhe
ter feita da cidade um lugar suficientemente transgressivo e hedonista para
acolher o jazz, fiel amigo do crime organizado e do álcool ilegal.
Retido em Kansas
City, corria o ano de 1925, o jovem Bill Basie (ainda longe de ser titulado Conde)
descobriu que ali no meio da pradaria abundava emprego musical. Dez anos durou
o tirocínio e a progressão até ser cabeça de cartaz do doutro modo
indiferenciado Reno Club. Transmitidos radiofonicamente na região metropolitana
de Kansas City os concertos da orquestra de Basie só raiavam em onda curta deste
nenhures para o resto da nação. Mas tão extraordinária era sua música que captou
a atenção do emérito agente e produtor John Hammond, disposto a ir até “lá ao
fundo” determinado a convencer Basie a trasladar-se para Nova Iorque.
Só
que entretanto a Decca se atravessou, propondo que a orquestra viajasse em
carruagem pullman até aos estúdios de
gravação em Chicago, donde irromperia a tomar Nova Iorque de assalto. Um luxo
asiático que engodou Basie a subscrever um contrato de exclusividade de três
anos, para 24 faixas e 750 dólares ao ano, sem direitos de autor – estamos hoje
muito gratos por este ruinoso embuste …
Count Basie: The Best of Early Basie
1937-1939
(2003)
Universal
E516552
Count
Basie (piano); Lester Young, Hershel Evans, Chu Berry (saxophone tenor); Earl
Warren, C. Roberts (saxophone alto); J. Washington (saxophone barítono); Buck
Clayton, Harry “Sweets” Edison; S. Collins, K. George, J. Keys, E. Lewis, B.
Moore (trompete); Dicky Wells, Benny Morton, Eddie Durham, D. Minor (trombone);
Freddie Green (guitarra); Walter Page (contrabaixo); Jo Jones (bateria);
Jimmy
Rushing (voz)
Na
realidade, ao invés do triunfo, a aparição de Basie em 1937 na Big Apple foi
acolhida com a contumaz soberba da crítica local, acostumada à joalharia de
Ellington e ao cosmopolitismo de Benny Goodman e Fletcher Henderson. Reprovaram-lhe
os maus arranjos, o que era verdade, pois para uma banda forçada a actuar às
vezes mais de oito horas seguidas não havia trabalho de orquestração que
resistisse. Mas à medida que os discos iam saindo as reticências esfumaram-se e
a popularidade disparou.
A
orquestra de Count Basie consagrou-se como um formidável gerador de potência
dançante. Prescindindo da sedosa harmonia do clarinete, nas palhetas garria a
novidade de um dueto competitivo de tenores solistas – Herschel Evans e o prodigioso
Lester Young, que deste modo terminou com a invencibilidade de Coleman Hawkins
– postos em sentido por uma parelha de trompetistas de igual calibre: Buck
Clayton e Eddie Harris. E se algum destes quatro Vulcanos escorregasse, seria
atropelado pelo trombone de Eddie Durham. Mas o segredo da banda, a causa da
sua intrigante sinergia entre descontração e acutilância, estava na secção rítmica.
Embora Basie famosamente tocasse pouco e escrevesse ainda menos, dele se
gracejava que conseguia swingar com uma nota só. Bastava-lhe portanto um
punhado de compassos, senão um gesto de cabeça ou um relance daqueles seus
olhos de besugo, e num entendimento telepático com Jo Jones na bateria, Walter
Page no contrabaixo e Freddy Green na guitarra toda a formação vibrava como um
êmbolo.
O
swing de Count Basie fez sensação: era um tornado que levava tudo à frente e
para adoçar os corações lá estava a voz de Jimmy Rushing.
(O disco que se
recomenda é uma compilação de cerca de um terço do acervo da Decca. Quem tiver
uma carteira mais abonada e maior devoção ao jazz, faço o favor de se abalançar
à edição completa destas gravações.)
The Atomic Mr. Basie
1957
(2008)
AVID
Jazz AMSC 946
Count
Basie (piano), Neal Hefti (arranjos); Eddie “Lockjaw” Davis, Frank Foster
(saxophone tenor); Thad Jones, J. Newman, W. Culley, E. Young (trompete); Frank
Wess, M. Royal (saxofone alto); A. Grey, H. Coker, B. Powell (trombone);
Freddie Green (guitarra), Ed Jones (contrabaixo); Sonny Payne (bateria)
A
bomba atómica acabou com a guerra e o bebop com as grandes orquestras. Seja, esboçadamente,
porque o “G.I. Bill” criou uma vasta e buliçosa classe média, que sentiu na
truculência do bebop a expressão das suas inquietações: a ansiedade inerente ao
novo estatuto social, a insegurança gerada pela nascente Guerra Fria e a
recalcada angústia do “stress pós-traumática de guerra” (ainda a meio século de
ser diagnosticado). A isto acrescente-se que as regras do namoro haviam mudado:
o trabalho feminino capacitara as mulheres de que se podiam valer sozinhas – os
salões de baile perderam a sedução.
A orquestra
Count Basie foi das poucas que sobreviveu ao desbarato, e em 1957, qual Fénix
renascida e rebatizada de “The New Testament”, publicou o disco “E=MC²” que
depressa mudou para o título mais compreensível “The Atomic Mr. Basie”.
Por
via do ar dos tempos, a música agora era outra. Ou melhor: estava mais
aperfeiçoada, de modo a que, no essencial, ficasse na mesma. O responsável por tal
refinamento foi o arranjador Neil Hefti que tonificou a sonoridade da banda,
introduzindo-lhe um suplemento de dramatismo, por exemplo, nas bruscas
transições do pianíssimo para o fortíssimo. Burilada por Hefti a música de
Basie não elanguesceu nem deixou de ser irresistivelmente carnal, para se ouvir
com o corpo, a começar pelos pés. “Pat
your foot”, foi a resposta de Basie a um pernóstico jornalista que lhe
perguntou pelo “significado” das suas peças.
Não
foram estrelas no seu tempo nomes hoje considerados incontornáveis como Thad
Jones (trompete), Frank Wess (saxofone alto) Eddie “Lockjaw” Davis e Frank
Foster (saxofone tenor), mas foram eles quem reacendeu a labareda do swing,
sucedendo à velha guarda. E se as gravações de 1937-1939 nos podem hoje parecer
epocais, já a contemporaneidade de “The Atomic Mr. Basie” não sofreu uma
beliscadura – a estes galantes e subestimados talentos se deve a proeza.
O
ânimo de Basie nunca esmoreceu até ao fim, sendo que esse fim esticou-o ele ao
limite, ininterruptamente em digressões, mesmo quando só chegava ao piano de
cadeira de rodas – sonharia morrer em palco e calçado, como os bravos?
José Navarro de Andrade
Provavelmente não concorda mas acho que as gravações de orquestras como esta tornam-se por vezes de dificil audição.As grandes "massas musicais"ficam um pouco opacas e com dificil discriminação.Sei que a qualidade dos musicos leva a que seja melhor ouvir uma gravação discutivel deles do que uma excelente gravação do Ray Conif ou Andre Rieu(?)mas...
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