segunda-feira, 9 de março de 2015

Restaurante Tágide, uma opção de classe.

 
 
Cantina Operária Rosa Luxemburgo (Lisboa oriental)
 
 
 
Quando, numa jornada épica, o jovem Martim tosquiou a historiadora Raquel Varela, esta ainda procurou entalar o miúdo perguntando-lhe se sabia que os trabalhadores na China ganhavam dois dólares por dia e que, em Portugal, os trabalhadores dos têxteis ganham o salário mínimo nacional, o que, dizia ela, segundo a ONU «não é suficiente para viver».
 
         Não é o tipo de argumentação que eu goste e pratique. Mas, como vimos, é o tipo de argumentação que Raquel Varela gosta e pratica. E que é a seguinte: abri o Diário de Notícias do passado sábado, dia 7 de Março. Nas centrais, vi que o centenário jornal convidara a historiadora-comentadora para um almoço. A convidada, que escolheu o local, optou pelo popular restaurante Tágide. Porquê? «Porque gosta do espaço e, principalmente, adora a vista do rio Tejo que se observa daquelas janelas». Segundo o entrevistador, o Tágide começou por ser frequentado pela «alta burguesia»; mais tarde, «superou a democratização com uma clientela popular após a Revolução de Abril»; mas «regressou logo que pôde ao estilo chique e discreto». É esse o estilo de Raquel Varela, chique e discreto. Foi esse o restaurante que escolheu para almoçar com o Diário de Notícias.  

 
         À mesa, a conversa decorreu amena, com a doutora universitária a confessar que, por causa do instrutivo programa Barca do Inferno, «há pessoas na lavandaria e no refeitório que me vêm dizer que nunca se interessaram por política até este programa.»
        
       Com modéstia, acrescenta: «acho que sou porta-voz de um pensamento que não tem outros espaços, e que quem quiser ouvir as ideias que expresso, que têm que ver com um conjunto de pessoas com quem trabalho, não tem outros espaços na televisão nem as escuta noutras pessoas».
       
       Prossegue a humildade: «Os meus artigos, onde consigo sustentar melhor as ideias, são lidos no jornal, no blogue e no Facebook frequentemente por 80 a cem mil pessoas. E tenho vídeos que já foram vistos por meio milhão de pessoas.»

 
         Depois remata, ao poste: «Nos últimos anos fiz três/quatro debates por semana pelo país. Parece que ando em presidência aberta.»

 
         Terminado o elegante repasto, apresenta-se a conta: 110,90 euros (cento e dez euros e noventa cêntimos). O Tágide, de facto, não é barato, não é para o povo, o povo que passa fome. Para mais, no momento da escolha da ementa, os convivas recusaram a austeridade, essa ideia perigosa. E, como informa o D.N., então veio à mesa:
         - 1 couvert
         - 1 entrada vieiras
         - 1 entrada mil folhas
         - 1 lombo de porco
         - 1 magret de pato
         - 1 fruta
         - 1 leite-creme
         - 1 vinho Quinta do Couquinho
         - 2 cafés
 
         Tudo somado, 110 euros. Se usarmos o tipo de argumentação de Raquel Varela, o almoço custou, mais coisa menos coisa, 55 dias de trabalho de um trabalhador chinês. E corresponde a cerca de 1/5 do salário mínimo nacional, que, segundo a ONU, «não é suficiente para viver». Mas é suficiente para a doutora Raquel Varela viver, e bem.
 
 

25 comentários:

  1. Pois, como alguém dizia, não é para quem quer, é para quem pode. Viva a classe operária (no refeitório e na lavandaria)!

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  2. Atendendo a que o que ela criticou no Martin foi comprar produtos feitos por trabalhadores mal pagos, o que seria relevante como analogia seria se ela fosse comer a um restaurante com trabalhadores mal pago (até pode ser que os trabalhadores do Tágide sejam mal pagos, mas não vejo nenhuma referencia a isso no post)

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  3. Não simpatizando com a personagem descrita no post, confesso que ficar a saber o que a senhora comeu ao almoço, não era o que esperava deste blogue. Como diz o comentador Miguel Madeira, seria grave se o almoço tivesse lugar num restaurante que explora os empregados, não devendo ser o caso deste.
    Com certeza que Raquel Varela, tal como Odete Santos, não é contra os luxos, Mas como Odete, acredita que estes devem ser para todos.

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    1. É o DN que informa mas não li no DN, li no blogue Malomil. Acredito que o senhor não estava escondido atrás do arbusto.

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  4. Eu bem que tento meter um link para este artigo no facebook dela, mas ela apaga... LOL

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  5. Um tiro fora do alvo, acontece a todos...
    É pior quando se queria muito acertar... Como é o caso, a julgar pelos antecedentes
    Mal por mal, antes a Raquel, Mil vezes.

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    1. «Não se pode pregar contra o capitalismo selvagem e ter por moral uma vida de luxos exuberantes que nos diferenciem do outro»

      Isabel Moreira

      http://www.publico.pt/portugal/jornal/para-o-meu-pai-que-se-chama-adriano-moreira-25195691

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  6. Desta vez o excelente blog falhou o alvo.
    Primeiro, quem pagou o almoço foi o DN, problema deles.
    Até o acho razoável, já comi em sítios bem piores mais caro.
    Segundo e aqui é uma pergunta, o que é fez o jovem Martim até hoje das muitas e variadas maravilhas que anunciou do negócio de pintalgar uma frase numas camisolas ?
    Já sem perguntar porque é que o escolheram para ir ao Prós & Prós ou seja de quem aquela esperança é familiar?
    Para terminar, eis uma deputada com quem gostaria de almoçar, mesmo sendo eu a pagar, desde que se falasse de tudo menos de Portugal ou de política.

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  7. De facto, o melhor blog português hoje falhou o alvo. Então uma pessoa por denunciar as injustiças e a pobreza também que se sujeitar a esse estado? Na minha opinião, são precisamente as pessoas que têm maior facilidade de acesso à cultura, aos bons restaurantes, às boas habitações, etc., que estão, rectius, deveriam estar, mais conscientes das desigualdades sociais. O que é de criticar são as pessoas que passeiam em bons restaurantes, que não se importam de gastar 100 ou 200 euros numa refeição, e que depois acham que aqueles que ganham 500 euros por mês são suficientemente bem pagos...

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário, e pela sua opinião, bem como pelas palavras (imerecidas) que dedica a este blogue. Alguns comentários, apenas:

      1 - o DN pagou, isso não está nem nunca esteve em causa. O ponto é estre: quem escolheu o restaurante foi a entrevistada. Podia ter escolhido outro local, escolheu este, em que uma refeição para duas pessoas custa 110 euros. O equivalente a 55 dias de trabalho de um operário chinês.

      2 - Como digo mais do que uma vez, não é o tipo de argumento que eu use e pratique. Mas foi o tipo de argumento que Raquel Varela usou para contestar um «adversário».

      3 - Uma pessoa que denuncia a pobreza não tem, como é óbvio, de viver na pobreza. É um pouco mais subtil: quem usa a pobreza como argumento para atacar comportamentos alheios (no caso, de um jovem que criou uma empresa) deve ser mais coerente nos comportamentos próprios, e nas escolhas que faz. A menos que, como já chegou aqui a ser dito por um leitor, se considere que mais vale ir a um restaurante caro, pois aí os salários são mais elevados...

      4 - Mas, enfim, talvez tudo se resuma a uma outra frase, também modesta, da própria historiadora: «a esquerda tem de ler mais Marx e menos resumos de Marx» (https://raquelcardeiravarela.wordpress.com/)

      5 - Aproveito para esclarecer o leitor Fado Alexandrino que a drª Raquel Varela (ainda) não é deputada. Mas merece sê-lo, sem dúvida.

      Cordialmente,

      A.A.


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    2. Muito obrigado.
      Que palermice, confundi-a com Isabel Moreira.
      Um erro de paralaxe.
      Tenho ideia que o fenomenal Martim criou coisíssima nenhuma, foi tudo um "casting" seguindo de um "flop".

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    3. Meu caro Fado Alexandrino,

      Muito obrigado pelo seu comentário.

      Não sei o que aconteceu ao Martim, possivelmente a empresa foi um «flop». Não sei o que aconteceu. Sei, isso sim, o que na altura disseram pessoas como Daniel Oliveira, que não pode ser qualificado como uma personalidade de direita, conservadora, liberal, ou o que quiserem:

      http://expresso.sapo.pt/martim-neves-raquel-varela-e-o-pronto-a-vestir-da-luta-de-classes=f808599


      O que acho espantoso, neste caso, é, por ex., uma pessoa lamentar o fim dos pequenos restaurantes devido ao IVA de 23%, aqui:

      https://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2015/02/13/amanha-vai-ser-outro-dia-mas-ate-la/

      E, depois, ser convidada para um almoço e escolher... um restaurante de luxo.

      Acho que há aqui um problema de coerência, até de coerência ideológica, mas certamente o erro é meu.

      Agradeço muito o seu comentário - este e os que tem feito no Malomil.

      Cordialmente, com a estima do

      A.A.




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  8. Já agora, só um acrescento: não é a primeira vez que Raquel Varela usa a pobreza alheia para atacar os adversários. Neste caso, um ataque contra Isabel Jonet, do Banco ALimentar Contra a Fome.

    http://5dias.net/2012/11/08/a-comida-nao-e-uma-arma/

    Este texto sobre os portugueses famintos terá sido escrito à mesa de um restaurante de luxo?

    Uma vez mais, insisto: não é um tipo de argumentação que eu use e pratique. Mas é o tipo de argumentação que Raquel Varela usa - mas não pratica.

    A.A.

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    1. Como leitora assidua do seu blogue sei que não é o tipo de argumentação que pratica, e por isso o meu (nosso) desagrado. Confesso que ao ler a ementa escarrapachada no post me lembrei do pequeno almoço de José Socrates no correio da manhã.

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    2. Obrigado, Tum Tum.

      Como calcula, eu não tinha meios de saber qual a ementa do almoço, limitei-me a transcrever o que estava no jornal.

      Mas sabe o que me entristece? Na blogosfera, em 99% dos casos, só as coisas conflituosas, polémicas e caceteiras têm sucesso e leitores, e merecem comentário, já viu?

      Há dias, publiquei aqui um texto lindíssimo da Luísa Costa Gomes, não teve um único comentário (positivo ou negativo, não importa). Há umas horas, publiquei umas fotografias de uma mãe e de uma filha iranianas desfiguradas com uma violência brutal. Ninguém disse nada.

      Sem querer parecer pretensioso, acho que a blogosfera, sobretudo a portuguesa, está demasiado dominada pela politiquice e pelo caceteirismo ou, noutro registo, pelo confessionalismo umbiguista.

      Não era nada disso o que eu queria fazer, e raramente consigo ou sou capaz de fazer o que verdadeiramente queria.

      Cordialmente,

      A.A.



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    3. Muito obrigado pela amabilidade do seu comentário à minha intervenção..
      Nem sempre um texto "obriga" a uma resposta.
      Ontem como hoje, voltei a ler e ver o texto sobre a mãe e a filha e nada se pode escrever.
      O que é que há a acrescentar ao que escreveu?
      Quando está tudo dito, só seria barulho desnecessário.
      E isto aplica-se à maioria dos textos que aqui são apresentados para nosso deleite e instrução.

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  9. Dâmaso Salcede no feminino: arrivismo deslumbrado, atrevimento bacoco, os bitaites que a " moda oblige".
    Tudo "très chic", diria o modelo original...

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  10. Muito bom como sempre.
    O anónimo das 18:55 também acertou na "mouche".

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  11. Então epu digo o que nenhuma Raquel ousa dizer: a Varela é uma porca fascista.

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  12. Corrijo: a Raquel é uma porca fascista que acabará vice-reitora. Ou isso ou assistente operacional na escola 2+3 da Baixa da Banheira.

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  13. A mim os pobrezinhos também me dão uma tremenda pena, 'tadinhos. Se tivesse a inteligência da Dr.ª Varela, nos intervalos do trabalho assoberbado lá do Instituto, também escrevia um livrinho sobre o povo, essa gente pobre.

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  14. "Cantina Operária Rosa Luxemburgo"

    HAHAHAHAHAHAHHAHAHAHHAHAHAH

    Adorei o sentido de humor!

    A Raquel Varela é uma perfeita encarnação da esquerdinha caviar. O António Costa do PS é outro, esse ainda recentemente foi visto a encher a pança no Rota das Cedas. Claro que isto são pessoas que sabem muito bem o que é a pobreza e o que é sobreviver com 500€ por mês...

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