quinta-feira, 24 de setembro de 2015




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 32 - BILL EVANS



Fotografia de Roberto Polillo
 

Os quinze dias de actuações culminaram no concerto mágico de domingo, 25 de Junho de 1961. Fica por recordar que Verão fazia lá fora, se o Verão amável de um pequeno-almoço no Tiffany’s como o de Truman Capote, ou o Verão abafado e mórbido de Sylvia Plath em “Campânula de vidro”, ou, talvez, o verão lúbrico de “Some like it hot”. Mas entre os espectadores que se encafuaram no clima vedado do Clube Village Vanguard, talvez alguns, mais conscientes do momento histórico a que assistiam, tenham experimentado algo de sublime com a música de Bill Evans.
         Nenhuma biografia do pianista omite o distúrbio que corrompia a sua vida àquela data. Assim que despertava, dirigia-se à cabine telefónica da esquina – tinha água, luz e telefone cortado em casa – e de agenda na mão ligava ordenadamente a amigos e conhecidos até que alguém cedesse em emprestar-lhe dinheiro. Depois, ia comprar a dose do dia e, por vezes, injectava-se logo no táxi. De que servirá recontar esta infelicidade senão para através delas expor o mistério da condição humana: como é possível que de alguém com uma rotina diária tão abjecta como a de Bill Evans se tenham elevado autênticas epifanias musicais?
O jazz tem uma natureza expansiva e então a partir do bebop tornou-se mesmo prolixo. Como todas as conversas infindáveis, não há declaração que fique sem resposta ou enunciado que deixe por dizer todos os seus cambiantes. É então que surge alguém como Bill Evans, apto a estabelecer-se como o mais intimista dos músicos de jazz. Terá sido eventualmente esta possibilidade que sensibilizou os tímpanos atentos de Miles Davis e o convenceu à ousadia de o convidar para a sua formação, com escândalo sobretudo de John Coltrane a quem repugnava tocar ombro a ombro com caucasianos.
Apesar do seu aspecto de “engenheiro da IBM”, alto, alvo e magro, com óculos de massa e corte de cabelo asséptico, Bill Evans passava pelas gotas da chuva, recolhido numa cerrada timidez e só capaz de falar por murmúrios – uma índole introvertida que não limitou a enorme influência exercida pelo seu piano em todo o jazz vindouro. O próprio Miles confessou que com Evans o grupo deu em tocar de maneira diferente, acabando essa transformação por manar em “Kind of Blue”.
 
 

 
 
The Complete Village Vanguard Recordings, 1961
1961 (2011)
Riverside 949809
Bill Evans (piano), Scott LaFaro (contrabaixo), Paul Motian (bateria).
[originalmente destas sessões foram editados os álbuns “Sunday at the Village Vanguard” e “Waltz for Debbie”, qualquer um deles constituindo uma alternativa mais barata, porém mais curta do concerto]
 
 
Mas já nesse ano de 1959 o espírito de Bill Evans vogava noutra rosa-dos-ventos: o habitat dele era mesmo o trio de piano, célula intimista que permite ao piano ser mais afagado que percutido e cria a necessária atmosfera para que se expandam sem precipitação os meios-tons de que a sua música era pródiga.
É difícil não sentir a música de Bill Evans, tanto como não é fácil compreender porquê. O seu estilo será mais contido do que depurado, pois menos do que deitar fora a notas a mais, Evans toca notas de menos. E no entanto as suas frases não ficam entrecortadas nem interrompidas, suspendem-se no ar e no tempo de modo que sejam completadas pela emoção delas libertada. Ora isto perturba porque sobretudo comove – poucos terão dito tanto com tão pouco som. Por uma vez os fados inclinaram-se a favor de Bill Evans juntando-lhe Scott LaFaro no contrabaixo e Paul Motian na bateria. A dinâmica e o entendimento conseguidos por estas três almas roça o sobrenatural, criando um pathos perfeito. E assim se chegou à tarde de 25 de Junho de 1961. Uma sessão irrepetível, porque a esfera quebrou-se com a morte, dez dias depois, de Scott laFaro, num acidente de automóvel. Seis meses ficou Bill Evans sem conseguir tocar. A vida seguiu o pianista evoluiu, e poderemos imaginá-lo de vez em quando a pensar se aquilo terá sido apenas um sonho.
 
 
José Navarro de Andrade
 
 

4 comentários:

  1. Infortúnio e vida corrompida, serão os requisitos para a origem de verdadeiras epifanias musicais dos HOMENS do Jazz???? Mais um belo texto e preciosa informação. A aquisição aumenta. Parabéns( mais uma vez).

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  2. Continuamos nos pesos pesados.
    Vou colocar da Verve uma preciosidade.
    Até logo

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  3. Verdadeira jóia rara o Trio 64 - grande escolha.

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