impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 32 - BILL
EVANS
Fotografia de Roberto Polillo |
Os quinze dias de actuações culminaram
no concerto mágico de domingo, 25 de Junho de 1961. Fica por recordar que Verão
fazia lá fora, se o Verão amável de um pequeno-almoço no Tiffany’s como o de
Truman Capote, ou o Verão abafado e mórbido de Sylvia Plath em “Campânula de
vidro”, ou, talvez, o verão lúbrico de “Some like it hot”. Mas entre os espectadores
que se encafuaram no clima vedado do Clube Village Vanguard, talvez alguns,
mais conscientes do momento histórico a que assistiam, tenham experimentado
algo de sublime com a música de Bill Evans.
Nenhuma
biografia do pianista omite o distúrbio que corrompia a sua vida àquela data. Assim
que despertava, dirigia-se à cabine telefónica da esquina – tinha água, luz e
telefone cortado em casa – e de agenda na mão ligava ordenadamente a amigos e
conhecidos até que alguém cedesse em emprestar-lhe dinheiro. Depois, ia comprar
a dose do dia e, por vezes, injectava-se logo no táxi. De que servirá recontar esta
infelicidade senão para através delas expor o mistério da condição humana: como
é possível que de alguém com uma rotina diária tão abjecta como a de Bill Evans
se tenham elevado autênticas epifanias musicais?
O jazz tem uma natureza expansiva e
então a partir do bebop tornou-se mesmo prolixo. Como todas as conversas
infindáveis, não há declaração que fique sem resposta ou enunciado que deixe
por dizer todos os seus cambiantes. É então que surge alguém como Bill Evans, apto
a estabelecer-se como o mais intimista dos músicos de jazz. Terá sido
eventualmente esta possibilidade que sensibilizou os tímpanos atentos de Miles
Davis e o convenceu à ousadia de o convidar para a sua formação, com escândalo
sobretudo de John Coltrane a quem repugnava tocar ombro a ombro com
caucasianos.
Apesar do seu aspecto de “engenheiro da
IBM”, alto, alvo e magro, com óculos de massa e corte de cabelo asséptico, Bill
Evans passava pelas gotas da chuva, recolhido numa cerrada timidez e só capaz
de falar por murmúrios – uma índole introvertida que não limitou a enorme influência
exercida pelo seu piano em todo o jazz vindouro. O próprio Miles confessou que
com Evans o grupo deu em tocar de maneira diferente, acabando essa
transformação por manar em “Kind of Blue”.
The
Complete Village Vanguard Recordings, 1961
1961
(2011)
Riverside
949809
Bill
Evans (piano), Scott LaFaro (contrabaixo), Paul Motian (bateria).
[originalmente
destas sessões foram editados os álbuns “Sunday at the Village Vanguard” e
“Waltz for Debbie”, qualquer um deles constituindo uma alternativa mais barata,
porém mais curta do concerto]
Mas já nesse ano de 1959 o espírito de
Bill Evans vogava noutra rosa-dos-ventos: o habitat dele era mesmo o trio de
piano, célula intimista que permite ao piano ser mais afagado que percutido e
cria a necessária atmosfera para que se expandam sem precipitação os meios-tons
de que a sua música era pródiga.
É difícil não sentir a música de Bill Evans,
tanto como não é fácil compreender porquê. O seu estilo será mais contido do
que depurado, pois menos do que deitar fora a notas a mais, Evans toca notas de
menos. E no entanto as suas frases não ficam entrecortadas nem interrompidas,
suspendem-se no ar e no tempo de modo que sejam completadas pela emoção delas
libertada. Ora isto perturba porque sobretudo comove – poucos terão dito tanto
com tão pouco som. Por uma vez os fados inclinaram-se a favor de Bill Evans
juntando-lhe Scott LaFaro no contrabaixo e Paul Motian na bateria. A dinâmica e
o entendimento conseguidos por estas três almas roça o sobrenatural, criando um
pathos perfeito. E assim se chegou à tarde de 25 de Junho de 1961. Uma sessão
irrepetível, porque a esfera quebrou-se com a morte, dez dias depois, de Scott
laFaro, num acidente de automóvel. Seis meses ficou Bill Evans sem conseguir
tocar. A vida seguiu o pianista evoluiu, e poderemos imaginá-lo de vez em
quando a pensar se aquilo terá sido apenas um sonho.
José Navarro de Andrade
Infortúnio e vida corrompida, serão os requisitos para a origem de verdadeiras epifanias musicais dos HOMENS do Jazz???? Mais um belo texto e preciosa informação. A aquisição aumenta. Parabéns( mais uma vez).
ResponderEliminarObrigado.
ResponderEliminarContinuamos nos pesos pesados.
ResponderEliminarVou colocar da Verve uma preciosidade.
Até logo
Verdadeira jóia rara o Trio 64 - grande escolha.
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