Fotografia de Onésimo Teotónio de Almeida
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...Novo
convite da Sonja, desta vez para jantar. Contrapropus levarmos nós lagosta cozida
do Robinson’s Whorf (serviço eficiente e quase ao preço da pizza – isto é
Maine) e ela ofereceria o resto. Antes disso iríamos a um aperitivo num bem
simples mas gostoso bar que, por sugestão dela, tínhamos descoberto na Linekin
Bay. Ficou então assente. E foi mesmo ainda no tal bar que uma longa tirada de
lembranças do tempo do marido, Langdon Gilkey, começou a jorrar em catadupa da
memória da Sonja. Sobretudo a propósito daqueles loucos anos sessenta na
Chicago Divinity School (como nos EUA chamam as faculdades de Teologia),
recuando até aos tempos do seu primeiro encontro com Langdon num barco
proveniente da Holanda, rumo os States. Ela na pujança dos 20 anos, no entanto
saída já de um relacionamento amoroso que azedara. Deu com os olhos em Langdon,
quase o dobro da sua idade, aproximou-se, ouviu-o falar e prometeu a si
própria: Vou casar com este homem!
Mal sabia ele, porém apercebeu-se depressa e deixou-se mesmo levar passando ao
ataque, que ela subitamente travou: Só
depois de ver os papéis desse divórcio que me apregoas! Não quero estar no meio
do casamento de ninguém.
Fotografia de Onésimo Teotónio de Almeida
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Pouco
tempo depois da chegada aos States, Langdon mostrou-lhe os papéis e, dali ao
casamento de ambos, foi um ápice. Ele brilhante, todavia conservador e algo
fechado na sua teologia. Foi ela que o fez olhar à volta para o mundo moderno
em que o século estava a desaguar. Instigou-o a concorrer a uma bolsa da
Fulbright para leccionar um semestre no Japão a fim de compreender melhor
outros modos de expressão religiosa. Foram e, quando voltaram, ele era outro,
bem mais aberto e sobretudo imensamente mais receptivo às explorações que ela
por si ia tentando por tudo quanto era experiência religiosa e mística fora do
mundo protestante em que ele crescera e se formara. Fascinada com a cultura
japonesa, de regresso aos States serrou os pés ao mobiliário todo transformando
o ambiente num espaço oriental, onde o casal e os filhos bem como todos os
convidados tinham de se sentar no chão para tomarem as suas refeições. Mas a
casa esteve sempre aberta aos amigos durante mais de 30 anos em que a Sonja
aceitou ser a mulher do grande scholar Langdon Weber Gilkey,
que trazia para o seu Departamento, e depois para jantares e convívios em família,
celebridades do tempo como Mircea Eliade. Algumas dessas figuras ficaram mesmo muito
próximas do casal. Sonja desbobinou pormenores pessoais: a mulher de Mircea (escapou-se-me
o nome) gostava de usar roupa transparente e saias de couro preto; uma longa
história sobre a paixão da vida de Mircea quer ser ela a contar um dia por
escrito. Ah! Ele escrevia assustadoras
novelas de terror.
Paul Tillich
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Paul
Tillich era um dos convivas habituais. Achava-o demasiado convencido e com a
pretensão de estar informadíssimo acerca do mundo da alta cultura,
particularmente a música. Um dia ficou muito desapontado quando ela lhe mencionou
Webern (com n) e ele desconhecia o
compositor. Mulherengo, pelo menos bem lá no íntimo, despia uma mulher com os
olhos. Outro que tal nesse capítulo era o teólogo católico Hans Küng, que por
ser muito de esquerda e perseguido por Roma, mais precisamente para a
Congregação para a Doutrina da Fé liderada por Ratzinger, fora proibido de
ensinar em universidades católicas. Os professores da Divinity School
apoiaram-no e convidaram-no a leccionar em Chicago uma temporada. Mas isso foi
já nos anos 80. Küng, fisicamente atleta, aparecia lá em casa de shorts e os seus olhos devoradores
faziam as mulheres sentirem-se apreciadas. Outro grande teólogo católico
da altura habitué em Chicago e na
residência do casal era Edward Schillebeeckx, o dominicano belga famoso pela
sua teologia de esquerda. De Harvard, vinha Harvey Cox, o autor do best-seller The Secular City. Vindo de Tübingen, aparecia para conferências
outro teólogo protestante também superstar
na altura: Jürgen Moltmann. Com frequência convidavam Paul Ricoeur. Ele e a
mulher eram muito queridos, sobretudo ela. O casal tinha um filho que virou
pastor (de ovelhas!) e os pais apoiaram-no na sua decisão. Ah! E havia uma
teóloga verdadeiramente louca, pelo menos excêntrica, entre os colegas de
Lagdon na Divinity School, uma tal (omito o nome), que dormia com todos os
estudantes porventura interessados e tinha a casa decorada com esculturas de
pénis. Eram aqueles loucos anos 60 -
comentava a Sonja como quem diz águas passadas.
Feito
parvo e calado, eu escutava-a. Excepto essa ninfomaníaca, todos os outros nomes
faziam parte do Who’s Who dos meus
anos de Teologia no Seminário de Angra e eram os nossos gurus, quer descobertos
por nós e lidos em directo, via por exemplo o ICI (Informations Catholiques
Internationales e a Concilium ), quer
veiculados por professores como o Dr. Cunha de Oliveira (que até tinha
semelhanças com Hans Küng, no brilho, pujança física e fogosidade). Hans Küng,
bem gostaria eu de o ter conhecido. Aliás, numa passagem por Tübingen,
encontrei-lhe o nome na lista telefónica e estive vai não vai para telefonar.
Em vez disso, acabei indo alugar um barquinho e remar no Neckar. Agora ali de
repente, pela boca da Sonja, aquela espantosa lista de superestrelas parecia a selecção
mundial dos craques das ideias religiosas da minha década de 60. Ah! Paul
Ricoeur, só o ouvi uma vez, uma década mais tarde, na Brown, trazido pelo
Departamento de Filosofia.
Quem
havia de dizer que a aparição da Sonja na casa de Juniper Point, no Maine, há dois anos, viria
desembocar nesse monólogo. Ela joyceanamente transformada em Molly Bloom, num
jantar a três a prolongar-se noite dentro, sob uma lua quase cheia - uma blue
moon - a iluminar o cenário envolvente, traçando uma estrada de luz sobre o
mar. E, já que tudo isto redundou num regresso aos anos 60, subitamente
ocorreu-me um verso que nessa altura escrevinhei num acampamento na Caloura,
deslumbrado com a luz do lua sobre o mar do sul (no meu Pico da Pedra, no norte
e longe da costa, não dava para se apreciar a lua reflectida no oceano). Desses
verselhos só me lembro que algures eu onde eu falava numa estrada de luz,
subitamente me ocorreu riscar o “z” e substituí-lo por “a”.
..Voltei a passear-me por essa alameda de lua prateada nesse dessacralizador ou humanizante regresso a um universo longínquo e próximo.
Onésimo
Teotónio Almeida
Se o Domingos Amaral soubesse o Hans Kung tmb teria entrado no seu Verão Quente! Eheheh
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