quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Turismo da desolação.

 
 
 
Ambroise Tézenas
Auschwitz I
 
 
 
Há uns tempos, almoçando com o amigo Ricardo Álvaro, falámos do turismo negro, a tradução possível para dark tourism, uma realidade que já mereceu a atenção da academia – e, claro, da indústria turismo, a maior do mundo. Que o ócio seja o maior negócio do mundo é coisa que causa espécie. A todos nós, turistas da vida efémera. Mas que o dark tourism vive e floresce, disso ninguém duvide. Sobre Auschwitz e o Holocausto, já escrevi um pouco, a propósito de uma exposição que vi em Cracóvia, no Museu de Arte Contemporânea. Em breve, espera-se, iremos ter um repositório do que se vai estudando em matéria de turismo negro (http://dark-tourism.org.uk/). Mas, enquanto isso não chega, há um guia online sobre os destinos tenebrosos mais em voga no mundo. De Portugal há pouca coisa: falam da Capela dos Ossos mas desviam logo para o Tarrafal, Cabo Verde.
         Vem tudo isto a propósito do trabalho de um fotógrafo suíço, Ambroise Tézenas, que publicou há pouco Tourisme de la désolation, sob a chancela das Actes Sud. Encontrei a referência num artigo da revista do El País e à distância de um clique o livro está no meio de nós. Como fotógrafo, Tézenas é uma desgraça. Vide o que vai regularmente divulgando no Instagram. Em contrapartida, o livro, apesar do seu claro «oportunismo» (tema da moda, piscadela ao noir), é um levantamento exaustivo. Lugares que desconhecia, como Ouradur-sur-Glane, aldeia-mártir da 2ª Guerra, que se conserva na plenitude da desolação. Pelo meio, casais e pais de família fazem fotografias de férias, com os filhos em primeiro plano. Tézenas foi também a locais ultra-conhecidos, dissecados à saciedade, como o cenário de Dallas em que teve lugar o assassinato de Kennedy. Longe dali, o Museu do Genocídio, no Cambodja, ou, noutro continente, os memoriais do Ruanda, com os crânios alinhados à maneira da nossa Capela dos Ossos. É impressionante ver grupos excursionistas entre os escombros dos edifícios vitimados pelo terramoto de Sichuan, na China, mas há (maus) gostos para tudo. Até para passar a noite, imagine-se, encarcerado numa prisão de alta segurança na Letónia. É verdade: os letões conservaram a Prisão de Karosta, que esteve em muito vigor de 1900 a 1997. Prisão militar, a única prisão militar da Europa aberta aos turistas, tem a triste fama de ser mais segura do que Alcatraz. Dali ninguém saiu vivo. Pois é possível pernoitar lá, enjaulado. E até entrar num jogo de simulação meio apalermado, em que os participantes fazem de espiões prisioneiros nas garras do comunismo.
 
Sichuan (China)
 
Prisão de Karosta (Letónia)
 
Prisão de Karosta (Letónia)

Prisão de Karosta (Letónia)
 
Museu do Genocídio de Tuol Seng (Cambodja)
 
Sichuan (China)
 
 
Sichuan (China)
 
Chernobyl (Ucrânia)
 
 
Chernobyl (Ucrânia)
 
Ouradour-sur-Glane

Memorial do genocídio de Murambi (Ruanda)


Ruanda


Museu da Resistência, Mleeta (Líbano)
 
Chernobyl (Ucrânia)

Dallas (local dos disparos de Lee H. Oswald)

Dallas (local do assassinato de JFK)


 
          Num roteiro destes, não poderia faltar Chernobyl, claro está. Mas, menos previsível, o Museu da Resistência em Mleeta, no Líbano, que recolhe os despojos dos combates dos islâmicos contra os seus inimigos. Doentio, nauseabundo, o certo é que o turismo da desolação existe, e tem farta clientela. O mundo é um lugar estranho.


António Araújo


       

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