Ambroise Tézenas
Auschwitz I
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Há
uns tempos, almoçando com o amigo Ricardo Álvaro, falámos do turismo negro, a tradução possível para dark tourism, uma realidade que já
mereceu a atenção da academia – e, claro, da indústria turismo, a maior do
mundo. Que o ócio seja o maior negócio do mundo é coisa que causa espécie. A
todos nós, turistas da vida efémera. Mas que o dark tourism vive e floresce, disso ninguém duvide. Sobre Auschwitz
e o Holocausto, já escrevi um pouco, a propósito de uma exposição que vi em
Cracóvia, no Museu de Arte Contemporânea. Em breve, espera-se, iremos ter um
repositório do que se vai estudando em matéria de turismo negro (http://dark-tourism.org.uk/).
Mas, enquanto isso não chega, há um guia online
sobre os destinos tenebrosos mais em voga no mundo. De Portugal há pouca coisa:
falam da Capela dos Ossos mas desviam logo para o Tarrafal, Cabo Verde.
Vem tudo isto a propósito do trabalho de
um fotógrafo suíço, Ambroise Tézenas, que publicou há pouco Tourisme de la désolation, sob a
chancela das Actes Sud. Encontrei a referência num artigo da revista do El País e à distância de um clique o
livro está no meio de nós. Como fotógrafo, Tézenas é uma desgraça. Vide o que
vai regularmente divulgando no Instagram. Em contrapartida, o livro, apesar do
seu claro «oportunismo» (tema da moda, piscadela ao noir), é um levantamento exaustivo. Lugares que desconhecia, como
Ouradur-sur-Glane, aldeia-mártir da 2ª Guerra, que se conserva na plenitude da desolação.
Pelo meio, casais e pais de família fazem fotografias de férias, com os filhos
em primeiro plano. Tézenas foi também a locais ultra-conhecidos, dissecados à
saciedade, como o cenário de Dallas em que teve lugar o assassinato de Kennedy.
Longe dali, o Museu do Genocídio, no Cambodja, ou, noutro continente, os
memoriais do Ruanda, com os crânios alinhados à maneira da nossa Capela dos
Ossos. É impressionante ver grupos excursionistas entre os escombros dos
edifícios vitimados pelo terramoto de Sichuan, na China, mas há (maus) gostos para
tudo. Até para passar a noite, imagine-se, encarcerado numa prisão de alta
segurança na Letónia. É verdade: os letões conservaram a Prisão de Karosta, que
esteve em muito vigor de 1900 a 1997. Prisão militar, a única prisão militar da
Europa aberta aos turistas, tem a triste fama de ser mais segura do que Alcatraz.
Dali ninguém saiu vivo. Pois é possível pernoitar lá, enjaulado. E até entrar num
jogo de simulação meio apalermado, em que os participantes fazem de
espiões prisioneiros nas garras do comunismo.
Sichuan (China)
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Prisão de Karosta (Letónia)
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Prisão de Karosta (Letónia)
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Prisão de Karosta (Letónia)
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Museu do Genocídio de Tuol Seng (Cambodja)
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Sichuan (China)
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Sichuan (China)
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Chernobyl (Ucrânia)
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Chernobyl (Ucrânia)
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Ouradour-sur-Glane
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Memorial do genocídio de Murambi (Ruanda)
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Ruanda
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Museu da Resistência, Mleeta (Líbano)
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Chernobyl (Ucrânia)
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Num roteiro destes, não poderia faltar
Chernobyl, claro está. Mas, menos previsível, o Museu da Resistência em Mleeta,
no Líbano, que recolhe os despojos dos combates dos islâmicos contra os seus
inimigos. Doentio, nauseabundo, o certo é que o turismo da desolação existe, e
tem farta clientela. O mundo é um lugar estranho.
António Araújo
Um circo.
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