impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 21 - MARY LOU WILLIAMS
O
jazz é misógino, não há como escamotear essa falta.
Aplicando
uns rudimentos de sociologia poder-se-ia desculpá-lo alegando que no elevador
da ascensão social não cabem dois passageiros. Durante quase meio século o jazz
terá sido o único agente de promoção social dos indivíduos negros, enquanto artistas,
capaz de os reconhecer para além da limitação racial. Talvez um músico de uma orquestra
ganhasse menos do que um médico negro, mas se a profissão deste estava
circunscrita à sua comunidade racial, aquele lograva os aplausos de plateias
brancas. Foi ainda o jazz o único factor que, dos anos 20 à década de 50,
proporcionou alguma abastança económica a um negro, como foi o caso de Duke
Ellington. Tão árdua e selectiva foi esta afirmação que adicionar a
“inferioridade” de ser mulher à desvantagem de ser negro se mostrou obstáculo
intransponível. Em obediência à tradição de toda a música ocidental a elas
concedeu-se algum protagonismo no canto – quando não eram Musas estava-lhes
guardado o papel de Sereias.
Foi
preciso chegar ao séc. XXI para que fosse desmistificada a pretensa
masculinidade do saxofone com a proeminência de Ingrid Jensen, Tia Fuller, Sarah
Manning, Claire Daly, Grace Kelly. Na Critics Poll de 2015 da Down Beat Anat
Cohen é votada como a melhor clarinetista e Nicole Mitchell mereceu igual
distinção na categoria da flauta. Linda Ho e Esperanza Spalding destacam-se no contrabaixo,
também ele um instrumento muito pouco “feminino”. Há 20 anos seriam feitos
impensáveis. A diferença comprova-se se for reparado que em gerações anteriores
evidenciaram-se pouco menos do que Carla Bley (n. 1927), Alice Coltrane (n.
1936), e Geri Allen (n. 1957), todas pianistas.
Zodiac Suite
1945
(1995)
Smithsonian
Folkways Recordings - SFWCD 40810
Mary
Loiu Williams (piano).
Mary
Lou Williams foi uma excepção tão singular que, como reza o lugar-comum, só
confirmou a regra. Criada em Pittsburgh, em muito nova tirocinou com bandas
locais de boogie-woogie e syncopation, às voltas pelo rust belt, onde não
faltavam comunidades negras operárias a precisarem de entretenimento. Foi,
porém, na efervescente Kansas City da década de 30 que ela sublimou as suas
prendas de compositora e arranjadora, louvando-se com a eminência parda,
verdadeiramente responsável pelos predicados e êxito da orquestra de Andy Kirk.
Depois
de começar a produzir arranjos e composições para Duke Ellington que remédio
teve Mary Lou Williams senão mudar-se para o umbigo do mundo, ou seja, Nova
Iorque. Quando uma estação de rádio lhe deu um programa e popularidade enquanto
pianista, já o meio do jazz não condescendia com ela por ser mulher, tratando-a
como igual. Claro que teve de mostrar o dobro do talento para receber metade do
crédito além de demonstrar uma rara capacidade para se dar bem com qualquer
idioma do jazz que foi vivendo: do swing ao bebop e deste à avant-garde de
Cecyl Taylor, com todos não se fez rogada em tocar.
A
andorinha de um disco não faz a primavera de uma obra, mas “Zodiac Suite”, de
1945, é um perfeito condensando dos méritos de Mary Lou Williams.
José Navarro de Andrade
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