Exposição do Mundo Português, 1940
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Com a devida vénia,
reproduz-se um texto de Walter Edward Lucas, saído no PM Daily em 4 de Dezembro de 1940. Jornalista, Walter Lucas foi
correspondente em Lisboa do The Times e director
do Anglo-Portuguese News. A
publicação de quatro artigos sobre Portugal valeu-lhe ser expulso do país. A
história do processo de expulsão de Lucas e os seus artigos (incluindo este,
hoje divulgado) foram traduzidos e publicados no excepcional blogue Aterrem em Portugal!,
de Carlos Guerreiro, a partir do qual foi feito um interessantíssimo livro com
o mesmo nome. Parabéns, Carlos Guerreiro, por este notável projecto.
O último elo livre entre a Europa e as Américas.
Portugal torna-se campo de batalhas secretas de
propaganda.
Lisboa: Diz-se que Lisboa é a única
cidade na Europa onde uma pessoa pode ser atropelada por um carro no passeio.
Não nos devemos também esquecer disto ao passarmos pela rua do arsenal ou ao
descermos a R. de S. Pedro de Alcântara onde os salva vidas dos eléctricos
quais roçam, como o carro de Bodicea, pelos tornozelos dos peões.
Há também outras singularidades nesta
linda cidade que se aglomera sobre as suas sete colinas nas margens do Tejo.
Carros puxados a mulas e bois passam fazendo barulho pelos sítios em que se
encontram lojas da moda. Peixeiras, transportando à cabeça as canastras
gotejantes, gritam os seus agudos pregões tanto pelas ruas dos ricos como dos
pobres. Burricos, muito carregados com cabazes cheios de hortaliça, vagueiam
pacientemente por entre o tráfico enquanto os seus donos regateiam e discutem
com os fregueses.
Durante todo o dia e quase até ao romper
da manhã, os cafés do Rossio e por toda a parte da cidade estão cheios dos seus
frequentadores que não se cansam de discutir. Rapazitos, velhos andrajosos,
rufiões roucos e de barba por fazer metem à cara de quem passa os bilhetes da
lotaria. Automóveis buzinando fortemente e produzindo sons ásperos passam a
toda a pressa pelas ruas mais estreitas de tal modo que, diz-se, o sr. Malcom
Campell afirmou que guiar em Lisboa era coisa muito perigosa para ele.
Lisboa é uma cidade de barulho, de barulho tão insistente que os ruídos de Nova Iorque ou de Londres, comparados com ele, parecem o silêncio da morte.
Lisboa é uma cidade de barulho, de barulho tão insistente que os ruídos de Nova Iorque ou de Londres, comparados com ele, parecem o silêncio da morte.
Exposição do Mundo Português, 1940
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Duas Revoluções por mês
Antes de 1926 pouco acontecia em Lisboa
além das revoluções de 15 em 15 dias. Desde 1926 e depois da subida ao poder do
dr. Salazar quási não tem havido perturbações desta natureza para quebrar a
monotonia dos dias calmos. O Ditador de Portugal trocou o matraquear das metralhadoras
e o estampido ocasional dos canhões de um forte ou de um barco de guerra surto
no Tejo pela música de bandas ou pela marcha de disciplinados Legionários e
Filiados da Mocidade.
Há outras transformações notáveis entre
aquele tempo e o dia de hoje. As ruas pavimentadas de pedras foram substituídas
em muitos pontos por estradas alcatroadas; às disputas de deputados rivais
sucedeu o aplauso bem ginasticado da Assembleia Nacional. Os bairros pobres que
se formaram no decurso séculos foram substituídos por estradas novas e outras
coisas agradáveis à comunidade.
Estas coisas são ainda novas em Portugal
e uma caus de orgulho e admiração para os portugueses. Mas ainda hoje muitos
dos mais velhos se sentam no cafés e conspiram em voz alta, enquanto os mais
novos, lembrando o grande passado de Portugal, olham em frente com esperança
para o futuro do seu país.
Durante os últimos catorze anos tem
havido uma corrente íntima ou interior de expectativa. Portugal tem estado a
readquirir gradualmente a sua dignidade nacional, muito embora mantena ainda
velhos costumes do seu povo.
Com a rapidez de um tufão tudo isto
mudou em Maio deste ano. Desde esta data Portugal, e especialmente Lisboa, tem
estado a tomar com espantosa rapidez um vulto internacional de tal ordem que
hoje, quatro meses depois, apresenta-se como qualquer coisa de extraordinário
na Europa - É como um parente pobre que de um momento para outro se viu
visitado por todos os seus primos ricos, alguns dos quais viessem pedir migalhas
da sua mesa frugal.
A
tragédia da Europa trouxe às ruas de Lisboa uma excitação passageira embora
real, e ao seu povo uma enorme prosperidade. O avanço constante das legiões
nazis deu a Portugal uma posição proeminente no mapa diplomático.
Assim como aquela Bloody Mary de
Inglaterra, que tinha Calais impressa sobre o coração, muitos polacos, checos,
alemães, holandeses, belgas e franceses gravarão o nome de Portugal na sua
memória.
Depois dos caminhos cortados pelas
bombas e das cidades sem luz dos Países Baixos e da França e da fome de
Espanha, este país pacífico e sorridente e a comparativa quantidade de ruas
iluminadas devem ter-lhes parecido terra de promissão.
Exposição do Mundo Português, 1940
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Uma torrente de miséria
Era uma vista extraordinária e patética
a da fronteira portuguesa. A corrente humana juntava-se ali como se junta a
água numa represa. As filas de carros, bicicletas, de peões e comboios
carregados de gente estendiam-se pelas estradas do lado espanhol por milhas de
comprimento.
Portugal encontrava-se pela primeira vez
em face de um dos seus principais problemas de guerra. Como é que se devia
fazer face a esta repentina invasão? A massa humana era constituída por todas
as camadas sociais e continha toda a espécie de desventurados.
Havia Rolls Royce e Cadillacs cujos
donos traziam consigo as suas recheadas bolsas. Automóveis microscópicos de
todas as marcas, muitíssimo carregados de seres e bagagens, transportavam
pessoas cujos magros pecúlios já tinham sido gastos.
Refugiados a pé e de comboio, que tinham
passado meses a fugir dum país atacado para outro e somente ouviam o passo
implacável do inimigo atrás de si, eram quais fracas e enlameadas sombras do
que tinham sido.
Era um problema de uma magnitude tal que
nenhuma caridade individual podia resolver. Era um problema de repercussões
internacionais que pôs todos os ministérios dos aliados em Portugal a trabalhar
durante horas extraordinárias e que mudou todo o aspecto de Lisboa.
Os restos do naufrágio da guerra tinham
sido arrastados para esta última e calma fortaleza da paz na Europa ocidental e
a ameaça da guerra avançou muitas léguas na direcção da costa que quási olha o
Continente Americano.
As causas que forçaram estes refugiados
a transpor rapidamente a fronteira foram as mesmas que rapidamente fizeram com
que Portugal ocupasse uma posição proeminente no mapa da Europa. Os próprios
portugueses ficaram surpreendidos e não pouco perplexos quando o interesse
internacional se debruçou sobre eles.
Por toda a parte os estrangeiros que se
tinham acostumado a endereçar cartas para «Lisboa, Portugal, Espanha» começaram
a pegar nos seus Atlas e a estudar a geografia deste país rapidamente tornado
importante. Ali encontraram eles uma unidade nacional na orla mais ocidental do
continente europeu, possuindo o único grande porto atlântico que não está nas
mãos dos alemães.
O último elo existente
Lisboa é, de facto, tanto por mar como
pelo ar, o último elo existente entre a Europa e as Américas. Tornou-se a
garganta de passagem de todos os refugiados que tentam salvar-se, de todo o
correio que sai ou entra na Europa, das chegadas e partidas de diplomatas e
generais, propagandistas e homens de negócios. É também uma das poucas fendas
na muralha do bloqueio inglês. É teatro de inúmeras hostilidades secretas que
não deixam de ser ásperas pelo facto de não derramarem sangue.
Foi em 1240 que se fundou Portugal e
desde então manteve intacta a sua unidade nacional, à excepção de sessenta anos
sob o domínio de Espanha, de 1580 a 1640. Isto faz de Portugal a unidade
nacional mais antiga da Europa.
Decorrido um século após a fundação de
Portugal, os portugueses foram, durante dois séculos os líderes do mundo europeu.
Os seus homens de ciência prepararam o caminho e os grandes marinheiros e
capitães abriram horizontes novos à Europa e deram novo curso às energias das
gentes europeias. Antes de Colombo ter concebido a sua viagem à India e que o
levou à América por engano, os irmãos Côrte-Real tinham já deixado vestígios em
Maryland.
Exposição do Mundo Português, 1940
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Época Áurea
Além dos grandes descobridores, centenas
de outros exploradores, aventureiros e padres portugueses penetraram no
interior dos continentes africano e americano abrindo vias de comércio e estabelecendo
a cultura portuguesa.
Foi uma idade áurea de progresso mas que
para os portugueses terminou quási tão rapidamente como havia começado. O
esforço físico violento destas façanhas esgotou o pequeno povo enquanto as
grandes riquezas das conquistas minaram as forças morais e intelectuais dos
seus dirigentes.
O facho que caiu das mãos enervadas dos
portugueses foi apanhado pelos holandeses, pelos franceses e ingleses, e assim
se formou o mundo que nós hoje vemos.
Pelos fins do século XVII, Portugal
tinha deixado de ser uma grande potência. No oriente apenas alguns farrapos
ficaram do rico manto do Império. A África continuou abandonada.
Foi somente no Brasil, onde as riquezas
podiam ser facilmente adquiridas, que os portugueses mostraram alguma
vitalidade. Mas no decorrer dos tempos mesmo o Brasil se separou da Mãe-Pátria
e os portugueses foram atirados principalmente para Moçambique e Angola.
Portugal sofre de uma recordação
exagerada do seu grande passado. É simplesmente natural uma vez que o contraste
entre os dias de D. João II e os registos da história mais recente é de ordem a
encorajar a mentalidade que vive no passado. Isto parece, porém, um pouco
ridículo aos olhos anglo-saxónicos.
As Festas Centenárias deste ano gritadas
em altissonantes elogios próprios. Não contentes com a sua contribuição, todas
as espécies de outras realizações foram juntas à lista de maneira que os
portugueses surgem como uma espécie de super-homens.
Entretanto por detrás das fronteiras
granadas e bombas estão abrindo um caminho por onde, se for necessário,
marcharão as legiões conquistadoras. Contra estas o orgulho de Portugal deve
desaparecer uma vez que o seu poder de resistência é menor do que o da maior
parte dos outros países pequenos da Europa.
Portugal está hoje tanto sem defesa como
tem estado durante os últimos duzentos anos da sua história. Não tem nada que
pudesse opor às forças mecanizadas da guerra moderna. Não tendo nenhuma
indústria própria, o seu equipamento tem sido adquirido em países que têm armas
disponíveis. Como é natural, antes da guerra a Alemanha era o principal agente
no mercado português de armamento. Câmbios estrangeiros eram valiosos para ela.
A maneira mais fácil de as obter era impingir espingardas, canhões, aviões e
equipamentos de segunda e terceira mão ao mais fraco dos pequenos Estados europeus.
O exército português que podia contar
quinhentos mil homens está armado com espingardas de um velho modelo alemão.
Para a defesa do país contra ataques aéreos há uma bateria de canhões
antiaéreos fornecida pela Inglaterra e alguns aeroplanos alemães antiquados.
As suas baterias de costa são
constituídos por canhões comprados à Inglaterra depois da guerra sul-africana.
Campos de aviação, quer militares quer civis, são muito poucos.
Hoje, como no passado, a única protecção
que Portugal poderia esperar contra a invasão das suas fronteiras terrestres
deve vir da Inglaterra. A certeza desta protecção tem sido a âncora da política
externa de Portugal quase sem interrupção desde há mais de quinhentos anos para
cá.
É significativo que enquanto há um
ministro da Guerra português e um Ministério da Guerra, não há nenhum secretário
da Marinha posto que o Império Colonial de Portugal dependa do mar no que diz
respeito à sua segurança. O almirantado português está em Whitehall.
(Walter Lucas)
[texto originalmente publicado no blogue Aterrem em Portugal!]
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