sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Portugal, 1968.

 
 



Saído em 1988, Salazar Blinks, do prolífico David R. Slavitt, é um livrinho muito fraquinho (apesar de louvado aqui). A acção desta sátira desenrola-se após Salazar ter caído da cadeira e o narrador, Carlos, é um poeta oposicionista que vive enclausurado nas proximidades do ex-Presidente do Conselho. O livro, como se referiu, é pouco ou mesmo nada conseguido. Ainda assim, foi traduzido no Brasil, com tradução de J. Pereira e o título Salazar Pisca! (Editora Record, s. d.). Publica-se um trecho dessa edição brasileira, adaptado para «português de Portugal». Apesar de o livro ser mediano, quiçá medíocre, é estranho que não tenha sido publicado entre nós, segundo creio. Para as desgraças romanescas que por cá se publicam sobre Salazar, o Estado Novo, a guerra colonial e afins…   
 
Salazar, 1968
 

 
Pegue em qualquer guia turístico de Portugal e verá um ensaio simplista – escrito ou por um sábio britânico ou por algum jornalista português querendo fazer alguns escudos – versando sobre o nosso carácter nacional. Invariavelmente, encontrará o mesmo tipo de palavras:
Siso e loucura: a primeira é alguma coisa como a prudência, e a última é excesso, uma característica dos quixotescos (muito embora Quixote fosse espanhol), sendo que as duas palavras presumivelmente estão em guerra dentro da alma portuguesa.
Saudade: esta palavra, também difícil de traduzir em qualquer outra língua, sugere o nosso melancólico anseio por glórias passadas. Os gregos também têm um pouco disto, mas tendem a ser mais joviais do que nós. Se, por suposição, encontrássemos um grego a trabalhar no seu restaurante ou numa pizzaria, ou repousando das suas tarefas como operário da construção civil na Austrália, mas, em qualquer dos casos, recitando poemas de Ésquilo e Sófocles e culpando-se por ter caído de tais alturas para as suas actuais e absolutamente lamentáveis condições, ele seria apto para aquela comparação. E deve existir uma palavra grega que signifique saudade (se há, não estou familiarizado com ela).
Sebastianismo: essa palavra é a vencedora, a maravilhosa, a que mais tem a ver com Salazar. É a crença secreta de que, de um modo ou doutro, os velhos tempos retornarão, que Sebastião, que não foi realmente visto sendo morto em Alcácer-Quibir em 1578, está escondido em algum lugar e pode a qualquer momento virar a esquina e entrar a galope no pátio do seu antigo palácio em Lisboa.
O pior de tudo é que estes escritores de ensaios publicados em guias turísticos estão certos. São estas as palavras e é este o carácter do nosso povo.
Suponho que outra palavra possa ser acrescentada:
Salazarismo: significa a crença lá fora, no país, de que Salazar pode voltar a qualquer momento ao seu gabinete e aos seus trabalhos. Ou, alternativamente, a convicção do próprio Salazar de que ainda está a governar o país.
 
David R. Slavitt
 
 
 
 
 

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