Saído
em 1988, Salazar Blinks, do prolífico
David R. Slavitt, é um livrinho muito fraquinho (apesar de louvado aqui). A acção desta sátira desenrola-se após Salazar
ter caído da cadeira e o narrador, Carlos, é um poeta oposicionista que vive
enclausurado nas proximidades do ex-Presidente do Conselho. O livro, como se
referiu, é pouco ou mesmo nada conseguido. Ainda assim, foi traduzido no
Brasil, com tradução de J. Pereira e o título Salazar Pisca! (Editora Record, s. d.). Publica-se um
trecho dessa edição brasileira, adaptado para «português de Portugal». Apesar
de o livro ser mediano, quiçá medíocre, é estranho que não tenha sido publicado
entre nós, segundo creio. Para as desgraças romanescas que por cá se publicam
sobre Salazar, o Estado Novo, a guerra colonial e afins…
Pegue
em qualquer guia turístico de Portugal e verá um ensaio simplista – escrito ou por
um sábio britânico ou por algum jornalista português querendo fazer alguns
escudos – versando sobre o nosso carácter nacional. Invariavelmente, encontrará
o mesmo tipo de palavras:
Siso e loucura: a primeira é alguma coisa como a
prudência, e a última é excesso, uma característica dos quixotescos (muito
embora Quixote fosse espanhol), sendo que as duas palavras presumivelmente
estão em guerra dentro da alma portuguesa.
Saudade: esta palavra, também difícil de
traduzir em qualquer outra língua, sugere o nosso melancólico anseio por
glórias passadas. Os gregos também têm um pouco disto, mas tendem a ser mais
joviais do que nós. Se, por suposição, encontrássemos um grego a trabalhar no
seu restaurante ou numa pizzaria, ou repousando das suas tarefas como operário
da construção civil na Austrália, mas, em qualquer dos casos, recitando poemas de
Ésquilo e Sófocles e culpando-se por ter caído de tais alturas para as suas
actuais e absolutamente lamentáveis condições, ele seria apto para aquela
comparação. E deve existir uma palavra grega que signifique saudade (se há, não estou familiarizado
com ela).
Sebastianismo:
essa palavra é a vencedora, a maravilhosa, a que mais tem a ver com Salazar. É
a crença secreta de que, de um modo ou doutro, os velhos tempos retornarão, que
Sebastião, que não foi realmente visto sendo morto em Alcácer-Quibir em 1578,
está escondido em algum lugar e pode a qualquer momento virar a esquina e
entrar a galope no pátio do seu antigo palácio em Lisboa.
O
pior de tudo é que estes escritores de ensaios publicados em guias turísticos
estão certos. São estas as palavras e é este o carácter do nosso povo.
Suponho
que outra palavra possa ser acrescentada:
Salazarismo: significa a crença lá fora, no país, de
que Salazar pode voltar a qualquer momento ao seu gabinete e aos seus
trabalhos. Ou, alternativamente, a convicção do próprio Salazar de que ainda
está a governar o país.
David R. Slavitt
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