quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Ignolância atlevida.

 
 
 
 




A Zon lançou recentemente uma campanha publicitária ao seu serviço Íris. Por toda a campanha aparecem uns senhores japoneses que, por se espantarem muito com os prodígios tecnológicos do serviço publicitado, deixam o consumidor descansado quanto à qualidade do mesmo. Para um europeu, ou pelo menos para um europeu ignorante, tudo o que é tecnologia de ponta vem do Japão ou de algum “tigre asiático” e, se um japonês se espanta com as maravilhas da legendagem do Íris Fibra é porque o Íris Fibra só pode ser genial. A receita é velha. Se uma dona-de-casa diz que o produto X é o super-herói da limpeza de fogões, é porque é. Quem melhor do que uma dona-de-casa para perceber de limpeza de fogões?
 
A publicidade lida portanto com estereótipos. Se é japonês garante tecnologia, se é dona-de-casa sabe de limpezas, se vive numa grande vivenda de subúrbio, tem uma mulher bonita e filhos loiros, tem de certeza um carro topo de gama cujo volante acaricia como provavelmente não acaricia a família. Lida também com receitas seguras e, se se tiver que fazer humor, nada como um estrangeiro com pronúncia, uma tirada machista ou uma piadola às sogras. Resulta sempre. Confesso que não sei nada sobre eficácia da publicidade e acho muito estranho que mecanismos tão básicos funcionem há décadas; mas aparentemente funcionam e com certeza nada mudará tão cedo.
 
O que era escusado era juntar o abuso de estereótipos com a ignorância (é verdade que andam frequentemente juntos). A coisa só pode dar asneira e, no caso da Zon, já deu. Não contentes com o estereótipo da tecnologia, os responsáveis pela campanha resolveram que era giríssimo juntar outro: o da troca do “r” pelo “l”. E assim temos uns cartazes fantásticos com um senhor japonês que nos diz “Aplovado” ou “Impledível”. Acontece que, levados certamente pelo humor genial que produziam, os autores da coisa não se deram conta de que quem troca “r” por “l” são os chineses e não os japoneses. Os japoneses, a fazerem, é exactamente o contrário. Evidentemente, a agência de publicidade não teve intenção de ofender ninguém. O designer que, numa exposição que vi há anos na Alemanha, desenhou um mapa dos descobrimentos no qual todas as rotas de todos os navegadores partiam de Madrid, também não teve e no entanto deu-me vontade de vandalizar a coisa.
 
Tomemos um exemplo tirado das legendas do próprio anuncio de televisão da Zon. O nome do produto, Íris, aprece nelas escrito como イリス(i ri su) no alfabeto katakana utilizado no Japão para os termos de origem não japonesa. Temos portanto um caractere para a sílaba “ri” que se lê mesmo “ri” e não “li”. Mais ainda, o que não existe mesmo é o som “l”. Para dar um exemplo, o nome Luís em japonês escrever-se-á qualquer coisa como ルイス (ru i su). As legendas foram encomendadas certamente a um falante de japonês e quem idealizou a campanha provavelmente não sabe ler katakana, mas bastava quem concebeu os cartazes ter ouvido os personagens do anúncio a falar para perceber que se ouvem vários “r” por entre as inúmeras palavras que certamente a maioria de nós não entende. Tinha-se evitado a asneira.
 
Nada disto deve incomodar muito os espíritos dos responsáveis pela campanha, tanto na agência como na Zon. Nem os dos transeuntes que vêm um japonês num cartaz a falar com pronúncia de chinês, como se fosse tudo a mesma coisa. Não é grave. É só bastante boçal e parvo.


Pode ver o anúncio televisivo aqui: http://www.youtube.com/watch?v=QPXZcfSFjDM
 
 
 
João Tinoco


Nota: Já agora, não será possível trocar o "impledível" por "impeldível"? Mantém-se a gracinha mas poupam-nos ao menos o disparate ortográfico.


 

4 comentários:

  1. BRAVO! Disse tudo, João.

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  2. Subscrevo por completo. O anúncio (os anúncios, aliás: cartazes, televisão e o mais que se verá) roça, aliás, o insulto.
    Quando se junta a ignorância à boçalidade, isso é... Zon. Mas podia ser qualquer marca. Ia dar ao mesmo.

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  3. Os anúncios são lamentáveis. Acresce ao ridículo o facto de a Meo também ter uns anúncios com a mesma ideia base (camónes esmagados com a nossa fantástica tecnologia), mas com Americanos. Andam-se a copiar uns aos outros?

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  4. Acho ainda bastante estúpido dizer que são os chineses, e não os japoneses que trocam os r pelos l..
    Generalização estereotipada, mais uma...

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