terça-feira, 17 de setembro de 2013

Rio de Janeiro Madrugada 1957






Fotografia de João Pina







 

que importa já passou nada restou

 daquelas noites mornas e sem normas

pelas ruelas sujas paredes descascadas

da Lapa atrás dos Arcos prostitutas



mendigos tabuleiros angu com torresmo

travestis drogados acuados grasnando

de saltos altos seios postiços línguas

masturbando clientes colados aos postes



garotos de programa na Galeria Alasca

mostrando pênis rijos como mercadorias

vendedores de amendoim torradinho

lá vem o camburão arrasando quarteirão



sexo ali na praia ali mesmo luzes

refletidas corpos nus fricção orgasmo

curra sofreguidão susto prostração

que a noite é longa e os sonhos aguçados



um intelectual na porta do boteco cisma

um resto de samba-canção desnaturado

o bonde trepida os marinheiros urinam

e as igrejas dormem e os ratos assustados



os jornais da madrugada pesam nas calçadas

os bêbedos os malandros os vendedores de rua

os casais que saem dos cabarés suados

e o velho que dorme no banco de praça



e as luzes da avenida reverberando

e as colunas mortas e as portas fechadas

os anúncios luminosos as hospedarias

e os sobrados envergonhados sonolentos



não há lua sob um céu de chumbo

o bolso vazio o coração esfacelado

um desempregado com fome na parada

esperando o ónibus para o subúrbio



fantasias noctívagas os preconceitos suspensos

desejos absconsos e sua cumplicidade

classes sociais aproximando-se promíscuas

antes que o dia enquadre as criaturas

 

Chácara Irecé, 2005

António Miranda
 
aqui 



 

Obrigado, António Miranda.

O autor irá participar no "Raias Poéticas", encontro de arte e pensamento realizado anualmente em Vila Nova de Familicão (Portugal), que reúne escritores e artistas da América Latina, África e Portugal.
 
 
 


1 comentário:

  1. gosto tanto dessa fotografia que tenho uma igual na sala!!
    João Pina. Grande fotógrafo...

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