quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Eco e os unicórnios.

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Caricatura de David Levine
 
 
 
- O que é a semiótica em que se especializou?
 - É a forma moderna da filosofia. A semiótica é a melhor maneira de enfrentar a viragem que está no coração do séc. XX, a que se chamou a mudança linguística (linguistic turn). Simplificando: como atribuir o significado copo à palavra copo? Os filósofos analíticos, dominantes no mundo anglo-saxão, tentaram responder eliminando o mental, purificando a língua, de tal modo que ela só comportava os termos que correspondiam
Exatamente aos objetos ou às situações exteriores que eles designavam. Como se as palavras fossem etiquetas. A semiótica enfrenta de modo diverso o problema. Ela interessa-se menos pela referência ao mundo exterior do que à sua significação. Tomemos um unicórnio. Para um filósofo analítico, reflectir sobre os unicórnios não tem qualquer interesse: eles não existem. Para um semiótico, os unicórnios são de uma  importância capital porque eles fazem parte do nosso mobiliário mental. O facto que eu possa pensar os unicórnios, como o facto que eu possa pensar Deus ou o Pai Goriot (personagem de Balzac) constitui um aspeto fundamental da nossa vida cultural, moral e ética que não se pode eliminar. Querendo imitar as ciências duras, a filosofia analítica interessa-se pela linguagem de laboratório que ninguém fala. As pessoas normais nunca se perguntam se o rei de França era calvo ou se a neve é branca. Elas fazem discursos mais complexos e mais interessantes: elas falam de coisas que «não existem».”
 
                 Umberto Eco, entrevistado em Philosophie Magazine, Paris, nº 66, Dezembro de 2012/Janeiro de 2013.
 
                                                                                         Trad. de J. Medina


1 comentário:

  1. "Para um filósofo analítico, reflectir sobre os unicórnios não tem qualquer interesse: eles não existem."

    Isto é completamente falso. Goodman, por exemplo, deu-se até ao cuidado sublinhar o valor instrumental dos unicórnios.
    Embora desonesta, chega a ser engraçada a recorrência com que os “continentais” deitam mão destas patranhas.


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