sábado, 30 de outubro de 2021

Hora de Inverno.


 

Perante a minha surpresa com a velocidade do pôr-do-sol em Salvador da Bahia, um verdadeiro ocaso em fast-forward, uma amiga nativa dizia-me que ali o sol não se punha. Suicidava-se.

Anda lá perto a sensação que dá o entardecer na passagem à hora de Inverno: o dia que se vai num repente, um tombo do astro a que falta, hélas, o mesmo astral.

Para consolar os espíritos, saia então Le Soir, de Mel Bonis.

Compositora formidável de fim de século, não só compôs a rodos como conseguiu que lhe publicassem as partituras -- feito propriamente extraordinário quando não eram assinadas por um homem. Quase tão extraordinário como o melodrama da história desta mulher, que bem podia ter inspirado Os Maias do Eça. Casada com um homem 50 anos mais velho, apaixona-se por alguém da sua idade, com quem terá um filho que manterá secreto durante 25 anos. É esse jovem que, convidado para uma soirée-concerto na casa da mãe, cuja identidade, porém, ele desconhecia, calha apaixonar-se pela filha “legítima” de Mel – sua meia-irmã. Outro amor recíproco, portentoso e agora catastrófico de impossível, que deixou toda a gente de rastos com o desgosto.

Mas ide em paz enquanto há castanhas, bom Inverno e boa sorte.



 

Manuela Ivone Cunha





terça-feira, 26 de outubro de 2021

ALCORA, a aliança “ímpia” entre o Portugal “multirracial” e o Apartheid.



 

 

Nos últimos anos a bibliografia sobre o Exercício ALCORA tem-se vindo a ampliar graças às investigações nos arquivos que conservam documentação sobre a guerra colonial. Avulta dentre a bibliografia o trabalho de Vicente de Paiva Brandão, ALCORA, a derradeira tentativa de manter o Ultramar Português, Casa das Letras, 2020. Tudo terá começado com a tese de doutoramento do autor a que se deu um alindamento posterior. Reconheça-se que há singularidades na pesquisa de Paiva Brandão, percorreu arquivos nacionais e estrangeiros, procedeu a História Oral e recolheu opiniões de intervenientes que acompanharam o desenvolvimento deste protocolo.

Dá-nos em primeiro lugar uma síntese da História da África do Sul, que nos poderá ajudar a compreender a essência do poder branco e a perceção que o país do Apartheid possuía sobre a importância crucial de ter o respaldo do Império Português. O autor dá-nos neste ponto uma evolução do pensamento sul-africano ao longo do período que se iniciou com a descolonização do continente africano e das iniciativas tomadas para a aproximação com o Estado Novo, impunha-se, na lógia de Pretória, uma defesa mútua dos valores da civilização ocidental.

A política de Salazar era, por um lado, recetiva à cooperação mas, por outro lado, reticente quanto às ambições hegemónicas da África do Sul e ao risco de aparecer na comunidade internacional como parceiro de uma política racista, como o autor observa: “No caso português, duas ordens de razões justificavam que se procurasse discrição: primeiro, tal colaboração existia e era uma mais-valia para as forças lusas que não convinha publicitar; por outro lado, a Lisboa não interessava a colagem a Pretória, pois esta revia-se no sistema do Apartheid, doutrina que colidia com o multirracialismo veiculado por Portugal. Também no que dizia respeito à Rodésia, o executivo luso pautava-se pela prudência, devido às desavenças entre Ian Smith e o governo de Londres, agravadas após a Declaração Unilateral de Independência daquele território em relação ao Reino Unido. Este hábil jogo diplomático prolongou-se durante o consulado de Salazar, mas com Marcello Caetano, com a agudização das incursões da Frelimo, sobretudo na província sul-africana de Tete, e a crescente atividade da SWAPO no Sudoeste Africano, em associação com movimentos de libertação angolanos, levou ao estabelecimento, em outubro de 1970, de um convénio ultrassecreto cujo título nos dossiês é de Exercício ALCORA. Vai-se formalizar o compromisso das autoridades dos três países em definirem estratégias e planos concertados para combater inimigos mortais”.

Em 1964, a Rodésia do Norte tornou-se na República da Zâmbia, avolumaram-se as críticas ao domínio branco, a Rodésia do Sul, em novembro de 1965, declara unilateralmente a independência face à Grã-Bretanha, surge um novo aliado para combater a subversão dos independentistas, haverá bloqueio por parte da Grã-Bretanha, graças ao porto da Beira, Salazar facilitará os abastecimentos essenciais do governo do domínio branco de Ian Smith.

Como se disse acima, Marcello Caetano foi convencido a uma nova abordagem militar, 1970 é o ano da Operação Mar Verde, dirigida contra a Guiné-Conacri e a Operação Nó Górdio no Norte de Moçambique, com a primeira agravou-se o isolamento diplomático de Portugal, com a segunda a FRELIMO que deixara as suas bases às moscas foi avançando para o Tete.

O autor dá-nos conta do que foi a política de aproximação da África do Sul a certos países africanos, tudo se agudizou em termos de política externa: falência no diálogo com os estados africanos, incluindo Madagáscar; esfriamento das relações com o Botswana; afastamento e hostilidade do Lesoto; manteve-se alguma cooperação com o Malawi, Maurícias e Suazilândia e algum relacionamento com a Zâmbia. É de utilidade o enunciado sobre a diplomacia bilateral, se bem que esta matéria apareça estranhamente repetida noutros pontos do livro. O entendimento entre a África do Sul e o Estado Novo fez parte da estratégia militar sul-africana logo na década de 1950 e o autor dá um bom quadro destas diligências; entretanto todo o cenário da subversão se alterara com os três teatros de guerra nas colónias portuguesas e assim chegamos a outubro de 1970 em que o Exercício ALCORA reuniu Portugal, a África do Sul e a Rodésia, todos os convites endereçados pela África do Sul às antigas potências coloniais não obtiveram resposta. Portugal tinha recursos limitados e aceitou apoio externo dentro da combinação trilateral, o apoio em meios aéreos foi muito bem-vindo.

E dá-se uma descrição do suporte, logo no Sudeste de Angola com os helicópteros Alouette III e a colocação de combustível no Sudeste angolano. O autor observa que esta cooperação iniciara-se já em 1968, agora intensificava-se, o protocolo tinha um objetivo muito elástico: “Investigar os processos e meios de conseguir um esforço coordenado tripartido entre Portugal, a República da África do Sul e a Rodésia, tendo em vista fazer face à ameaça mútua contra os seus territórios na África Austral”. Dava-se ênfase ao aspeto militar, estabeleceram-se modos organizacionais envolvendo também a contrainformação, telecomunicações, unidades de reserva e até reconhecimento e fotografia aérea. Este último aspeto era muito importante para Portugal que não dispunha de grandes meios ao nível fotográfico. Em 1971, reuniu-se a subcomissão ALCORA de defesa aérea, aí se constatou que os caças da Força Aérea Portuguesa F-84 e G-91 eram inferiores a uma hipotética ameaça de aparelhos Mig-19 e 21. E concluiu-se ser imperioso a criação de uma força de ataque com Mirage M-5 e F-1; a ajuda suplementar em helicópteros foi também considerada.

Os políticos sul-africanos estavam atentos à evolução da FRELIMO em direção ao distrito de Tete, podia pôr em perigo a construção da barragem de Cahora Bassa, que seria vantajosa tanto para a África do Sul como para a Rodésia. Os sul-africanos tinham ficado igualmente dececionados com as iniciativas espalhafatosas de Kaúlza de Arriaga. Quando, em setembro de 1971, Ken Flower, chefe dos Serviços Secretos rodesianos, se encontrou com Marcello Caetano, deu a saber ao político português que a guerra poderia estar comprometida em Moçambique, caso não se alterasse a respetiva orientação, havia infiltrações da FRELIMO provenientes da Zâmbia e dirigidas a Tete. Ian Smith irá nos próximos anos revelar a inquietação que lhe provoca a situação em Moçambique. Intensificou-se o apoio militar a Portugal.

O autor dá-nos seguidamente a apreciação do histórico da cooperação militar bilateral, desvela os múltiplos contatos entre os parceiros do protocolo trilateral, a África do Sul esteve sempre atenta à evolução dos acontecimentos em Angola e Moçambique, temia que ambas as colónias caíssem na esfera da influência colonista, e depois dos graves acontecimentos na Guiné de 1973 abriram os cordões à bolsa para que Portugal comprasse armamento e equipamento à altura dos novos desafios. Para o autor, a intervenção da África no Sul nas guerras que Portugal travou em África não terá sido decisiva. É da maior conveniência ler esta obra no contexto das diferentes investigações efetuadas desde a década de 2010.


                                                                                                       Mário Beja Santos




domingo, 24 de outubro de 2021

MI, Missão Impossível.

 


Disse quem compôs o tema “tum, tum, ta, ta tum-tum”, em cima das iniciais “MI” batidas em código Morse, que era música para pessoas com 5 pernas. Coisa impossível, parece, mas a que não falta ação e ainda mais resolução. Não admira que haja um sem fim de versões para despertador, com contagem decrescente de amplitude variável consoante a envergadura e dificuldade da missão, e versões épicas para missões que pedem mais fôlego e alguma pompa.  E o impossível acontece.

Não é só nos filmes, note-se. O amigo violinista para quem J. Brahms compôs este concerto para violino decretou, sem apelo nem agravo, que a partitura era intocável, inexequível, missão propriamente impossível. 

Ora. Desde então houve um ror de gente a tocá-la, inclusive o próprio dedicatário. Mas lá que é difícil… Ai. Ui. A ponto de se dizer que não é um concerto para violino, antes contra o dito. Contra o violino, contra a orquestra, contra o maestro ou maestra ou maestrina.

Só que toda a arte deste concerto quase sem conserto, entre a ameaça e a deflagração, é o arco físico, metafísico, patafísico que dá coerência à batalha que é para tirar o coelho daquela cartola. É ver aqui ao vivo, a partir do minuto 35, uma demonstração por A+B do músculo Allegro giocoso, ma non troppo vivace com que se casam aquelas três partes, para se perceber perfeitamente do que estou a falar.


Manuela Ivone Cunha.

 





terça-feira, 19 de outubro de 2021

A traição na espionagem num país à deriva: a obra póstuma de John le Carré.


 


 

Silverview é o grande adeus de John le Carré, Publicações D. Quixote, 2021. Conforme nos elucida o seu filho mais novo, o escritor Nick Cornwell, John le Carré, o gigante da literatura britânica injustamente conotado com sagas de espiões e traições, quando na verdade foi um genial cronista do nosso tempo onde primam guerra regionais, terrorismo islâmico, a engenharia fraudulenta das Bolsas, manteve no limbo um romance soberbo, enigmaticamente guardado nas gavetas da secretária, e atreve-se a dar a sua interpretação para o facto: “Silverview mostra um serviço fragmentado, repleto das suas próprias fações políticas, nem sempre muito eficaz e, em última instância, já não seguro de poder justificar-se a si mesmo. Em Silverview, os espiões da Grã-Bretanha perderam, como tantos nós, a certeza quanto ao significado do país e de quem somos para nós mesmos. Creio que, conscientemente ou não, relutava em transmitir estas verdades à – da – instituição que lhe ofereceu uma casa quando ele era um cão perdido sem coleira, em meados do século XX. Penso que escreveu um livro excelente, mas, quando olhou para ele, percebeu que se aproximava desconfortavelmente da verdade e que, quanto mais trabalhava nele, quanto mais o burilava, mais claro isso tornava”.

Não será por mera casualidade que é a sua obra a mais singela, menos movimentada, dando voz a seres humanos que se movem por profundos afetos. Temos um antigo corretor da Bolsa que se fartou das manigâncias da City e decidiu transferir-se para uma pequena vila costeira inglesa e criar de raiz uma livraria. Assoberbado por problemas para pôr de pé o negócio, tudo pintado de fresco, mas com falta de luz, água e com a cave cheia de humidade, recebe uma visita que inicia um quadro de peripécias em que ele vai ser envolvido sem entender patavina.

O que falta na mobilidade geográfica ganha na elasticidade de um processo intrigante em que os Serviços Secretos Britânicos, na pessoa de Proctor, recebem a denúncia de que no seio da organização move-se o mais improvável dos espiões, a máquina põe-se em movimento, vão ser inquiridas pessoas que nas últimas décadas acompanharam aquele agente que parecia ter vivido todos os riscos numa extrema lealdade. E entramos na vida de uma pequena vila onde um imigrante polaco dá sugestões avisadas para que aquela livraria seja um expoente cultural dinâmico, uma verdadeira república da literatura onde não faltem os clássicos obrigatórios e se debatam as grandes obras do nosso tempo. O livreiro, de nome Julian Lawndsley, sente-se arrastado nessa aventura por um homem desconhecido. A arquitetura literária é hipnotizante, correm em paralelo a saga da livraria, aquele pequeno mundo da pequena vila e as diligências de Proctor, a denúncia da traição veio de pessoa irrefutável.

Silverview é o nome de uma casa, ali vive um casal de espiões, ela está em fim de vida, é conhecedora da realidade. As diligências de Proctor levam-nos à Rússia pós-soviética, à Al-Qaeda, ao eterno conflito israelo-palestiniano, à guerra da Bósnia, local onde a existência do alegado traidor deu uma guinada afetiva.

Haverá mesmo um dia em que Julian Lawndsley aceita um pedido do seu amigo imigrante polaco para ir entregar uma missiva a Londres, aparentemente tudo banal, ele não se apercebe de diferentes códigos secretos que envolvem tal viagem. É nessa circunstância que Deborah Avon, a dona de Silverview, o convida para ir àquela casa onde também, dado o estado de saúde de Deborah, vive a filha de nome Lily e o seu rebento, de nome Sam. Os interrogatórios de Proctor são infatigáveis, o passado do alegado traidor é mirado e remirado, surge o nome de Ania, uma polaca por quem este se apaixona, e vêm à baila os massacres bósnios, como eles foram marcantes na vida do agente britânico. Aproxima-se a hora de ir interrogar o traidor, prepara-se a operação, que se revela defeituosa, um verdadeiro espião antecipa-se, sabe criar um cenário de dissimulação e escapa por uma nesga de oportunidade.

Insista-se nestes dois tópicos: a singeleza da escrita e a sua centralidade no que as pessoas dizem, e como as emoções se escancaram; e a simbólica de um desnorte de um país que se projeta nos serviços secretos reféns num bunker da democracia e da compartimentação das atividades. Morre Deborah Avon, nasce uma relação de confiança entre Julian e Lily, a operação que se pretende ultrassecreta para apanhar o triador com a boca na botija é toda ela delineada.

Jamais saberemos a escala da traição, nem a natureza da causa em que incorre o alegado traidor. Dá-se a fuga estrondosa, só remotamente se percebe que houve para ali um carro que apareceu sabe Deus de onde, Lily revela a Julian que ninguém irá encontrar aquele homem singular, por portas e travessas ele irá viver agora a sua causa, liberto de dissimulações e das falsas convicções que manteve ao longo de décadas, com tal discrição que só muito tarde a mulher descobriu a natureza da traição.

E voltemos a uma outra observação do filho mais novo de John le Carré, a quem fora dada a incumbência de ver se o romance precisava de remate ou de outra revisão, ele leu a escrita do pai e descobriu que era excelente. “Havia os habituais lapsos da fase do manuscrito – palavras repetidas, deslizes técnicos, um muito ocasional parágrafo menos claro. Mas, para um documento que ainda não se encontrava em provas, estava mais do que habitualmente burilado e, era uma espécie de reflexão perfeita do seu trabalho anterior – um cântico de experiência – e, ainda assim, uma narrativa inteiramente original, com a sua própria força emocional e as suas próprias questões. A versão que o leitor tem em mãos resultou de um processo editorial mais parecido com uma passagem clandestina de informações. Para todos os efeitos, é John le Carré genuíno”.

Uma última palavra sobre a atmosfera que se vive naquela ponto da East Anglia, completamente extensível ao país: dentro daquele dilúvio da chuva, naqueles estabelecimentos com empregos da treta, sente-se a nostalgia de um país de que se guarda a memória que foi uma grande potência e que hoje não sabe definida a identidade nem o seu papel no tablado internacional… E esse código de desvario é talentosamente mostrado nos Serviços Secretos, que de uma forma imprevista descobrem que aquele casal de espiões não era o que parecia ser.

De leitura obrigatória.


                                                                                                      Mário Beja Santos





segunda-feira, 18 de outubro de 2021

São Cristóvão pela Europa (164).

 


Regressemos à Pátria.

Ao Distrito do Porto.

Já aqui falei da extraordinária Igreja românica de Rio Mau no concelho de Vila do Conde.

Sendo de muito pequena dimensão, houve necessidade de construir uma nova igreja. Nela existe uma imagem proveniente da igreja antiga embora certamente mais moderna:

 


 

Ainda em Rio Mau, um azulejo numa casa particular:

 



Em Lousada, freguesia de Sousela, um lindíssimo e desconhecido conjunto de duas capelas, uma dedicada a São Cristóvão dos Milagres outra a Santa Águeda:





A construção das capelas remonta à segunda metade do Século XVII e relaciona-se com o rebentamento de uma fonte de água no local que de imediato suscitou devoção popular.

É muito curiosa a escolha de São Cristóvão como invocação desta capela em época em que a sua popularidade já estava em declínio. Talvez se relacione com a água.

Dentro da capela, um belo retábulo com a imagem do Santo:

 



Fotografias de 15 de Setembro de 2021

 

José Liberato





domingo, 17 de outubro de 2021

O tema de Lara, semente de melancolia.



 

O tema de Lara, semente de melancolia 

 

Sonolento, preguiçando,

No meu sofá recostado,

Estava eu procurando

Matar o tempo evocando

Lembranças do meu passado,

 

Quando musical momento

Fez a sua aparição.

De ouvido um pouco atento,

Quis descobrir o intento

Dessa mágica visão.

 

Por que a canção de Lara

Veio inopinadamente?

É que ela me é tão cara

Por sua beleza rara,

Que me invade inteiramente.

 

No serão anterior,

Após uma frugal ceia,

Em ambiente sonhador,

Vi o filme encantador

À luz ténue da candeia.

 

De tal modo se apossou

Do meu subconsciente,

Que a defesa lhe anulou

E no seio me plantou

A sua letal semente.

 

Como posso esconjurar

Este sestro malfadado?

Nisso tenho que apostar

E nos Fados confiar

Que serei exorcizado.

 

Manchester, 3 de Outubro de 2021

António Cirurgião

 



quarta-feira, 13 de outubro de 2021

São Cristóvão pela Europa (163).

 

 

Termino hoje a minha digressão por terras austríacas ainda no Vale do Rio Gail.

Em Passriach, na Igreja de São Valentim um fresco datado de 1716:

 


Na Igreja de St. Georgen im Gailtal, a curiosidade de haver dois frescos de São Cristóvão na mesma parede:

 


Na Igreja de St. Paul an der Gail, um fresco do primeiro quartel do Século XVI, descoberto em 1992:

 


 

Finalmente em Emmersdorf, na Igreja de São Bartolomeu, um fresco em mau estado:

 



Fotografias de 13 de Agosto de 2021

José Liberato





Em busca do Tosão de Ouro português: de Bruges a Nicósia, partindo do Alto da Ajuda: Parte II.

 


Em busca do Tosão de Ouro português:

de Bruges a Nicósia, partindo do Alto da Ajuda

 


Parte II

Messire Jehan e a sogra assassina

 

Isabel de Portugal, Duquesa da Borgonha, deu à luz um terceiro rapaz em 1433: o futuro Carlos, o Temerário, último Duque da Borgonha e segundo soberano da Ordem do Tosão de Ouro. A Duquesa envolveu-se de alma e coração nos negócios do Ducado, formando um par formidável com Filipe III[i]. As relações comerciais e artísticas com Portugal floresceram[ii].

 

Por ter sido criada no momento em que se consumava este laço entre a Borgonha e Portugal, seria expectável o reconhecimento dos soberanos portugueses com a curiosa insígnia do Tosão. Contudo, nos primeiros lotes de condecorados encontram-se essencialmente súbditos borgonheses, os novos argonautas. Nem D. João I, nem D. Duarte, nem D. Afonso V, respectivamente pai, irmão e sobrinho da Duquesa, chegarão a receber a honra, que inicia a sua abertura a soberanos estrangeiros já 15 anos depois da fundação.

 


 Filipe III da Borgonha e Isabel de Portugal, rodeados por diversos membros da sua família e da corte borgonhesa. Sobre a Duquesa estão representadas as armas da Borgonha e Portugal unidas no mesmo escudo. (Remissorium Philippi, 1450, no Arquivo Nacional dos Países Baixos)

 

 

Curiosamente, o primeiro português a receber foi um “inimigo” de D. Afonso V, resgatado pela sua tia, Isabel, dos despojos da trágica Batalha de Alfarrobeira, em 1449. A morte de D. Pedro, Duque de Coimbra e antigo Regente de Portugal, deixou uma geração entre a fuga, o desamparo e o veneno[iii]. Cada um dos seus filhos teve uma história a que vale a pena regressar, mas nenhuma tão singular como a que tem por condimentos uma aventura para um destino exótico – na óptica do utilizador do século XV – e uma sogra assassina.

 

D. João de Coimbra teria uns 18 anos na Alfarrobeira e foi um dos três filhos do Infante das Sete Partidas a partir para um exílio protegido nos territórios dos seus tios Filipe e Isabel, onde viveria nos anos seguintes, participando ao lado do tio nos principais momentos militares e tornando-se mais um peão na política diplomática da Casa da Borgonha.

 

Numa iluminura do Remissorium Philippi, um manuscrito finalizado em 1450 (e preparado entre 1434 e esse mesmo ano) que se encontra no Arquivo Nacional dos Países Baixos, Filipe, o Bom aparece rodeado de 19 elementos da sua corte, correspondendo a cada um escudo. Num deles, está uma representação de D. João de Coimbra[iv].

 

Ao centro da iluminura está Filipe III com as vestes de soberano da Ordem do Tosão de Ouro, sob um dossel com os escudos das suas terras. Do lado direito esquerdo do Duque, à direita na imagem, surge o escudo de armas português, sobreposto à cruz de Avis. D. João de Coimbra, a quem correspondem essas armas antes de 1456, será um dos representados em primeira linha do mesmo lado, faltando pistas para estabelecer com certeza qual dos três. A única pista é que, tratando-se de uma iluminura feita pouco após a Alfarrobeira (1449), porventura seria o que traje de negro e, como tal, o mais próximo do Duque.

 


Iluminura do
Remissorium Philippi, de 1450, representando Filipe III da Borgonha e 19 membros da sua corte. Ajoelhado diante do Duque e oferecendo-lhe o livro, está Pieter van Renesse de Beoostenzweene, escrivão da corte que trabalhou na obra durante 16 anos. (Arquivo Nacional dos Países Baixos)

 


Pormenor da iluminura do Remissorium Philippi, mostrando as armas portuguesas junto ao trono de Filipe III. D. João de Coimbra, a quem correspondem as armas, será um dos representados em primeiro plano, pela proximidade familiar ao Duque e preponderância que assumiu na corte. (Arquivo Nacional dos Países Baixos)

 

Em 1456, estando vagos alguns colares do Tosão de Ouro – o número de cavaleiros não podia então, a cada momento, ser superior a 30 –, D. João foi um dos novos cavaleiros da Ordem investidos no 9.º Capítulo da Ordem, na Haia, a par de Antoine, o Grande Bastardo da Borgonha, filho ilegítimo de Filipe, o Bom, nascido em 1421. D. João de Coimbra tornou-se, assim, o primeiro cavaleiro português da insigne Ordem do Tosão de Ouro.

 

Constantinopla, outrora um dos centros da Cristandade, caíra 3 anos antes nas mãos dos otomanos. Os príncipes europeus bailavam entre o remorso de terem falhado no auxílio a Constantino XI Paleólogo, o último imperador bizantino, que morreu heroicamente a defender a sua cidade, e a angústia de quem via como os turcos estavam às portas da Europa.

 

Em 1454, Filipe, o Bom, organizara um grande banquete, dito do Voto do Faisão, para arregimentar voluntários para uma Cruzada com vista a recuperar aos turcos não só Constantinopla mas também Jerusalém. Foi um apelo aos cavaleiros do Tosão de Ouro para que partissem em socorro das principais cidades da Cristandade, que acabaria por nunca tomar forma.

 


Representação do banquete organizado em Lille a 17 de Fevereiro de 1454, dito do Voto do Faisão, em que Filipe III, o Bom, enquanto sacrificava um faisão, prometeu lançar uma cruzada para reconquistar Constantinopla e a Terra Santa, o que nunca viria a suceder. A descrição do banquete pelos cronistas identifica a preponderância dos oficiais e cavaleiros da Ordem do Tosão de Ouro. Na imagem, Filipe e Isabel estão à esquerda. (Anónimo, ca. 1500, no Rijksmuseum)

 

A investidura de D. João de Coimbra na Ordem insere-se na mesma lógica da nova Cruzada e esteve associada ao seu próximo casamento com a herdeira do reino de Chipre, Carlota de Lusignan.

 

Ao relatar a sua entrada para a Ordem do Tosão de Ouro, o cronista dos Duques da Borgonha, Georges Chastellain, não poupou nos encómios a Messire Jehan de Coymbre, como era conhecido D. João na corte da Flandres, elogiando os seus “modos e virtudes” e a “alta disposição da sua pessoa para o tempo futuro[v], sublinhando assim a juventude com que era investido. Esta juventude, absolutamente invulgar naquelas primeiras décadas do Tosão de Ouro, era apenas superada pela do futuro soberano, Carlos, filho e herdeiro do Duque Filipe.

 

A ligação entre a investidura e o casamento cipriota fica evidente na crónica de Chastellain.[vi] O cronista, além de sublinhar que foi a instâncias do Rei de Chipre – então prisioneiro dos turcos – que os Duques consentiram na partida de D. João para Nicósia, volta depois a sublinhar o intuito da sua entrada na ordem: “affin de lui donner souvenance à tousjours de la maison où il avoit esté nourry”. O Tosão de Ouro seria uma memória que guardaria por pouco tempo.

 


Belíssima iluminura representando D. João de Coimbra (“Mesire Jehan de coimbre Prince dantioche regent du Royaume de Cypre”) com o manto escarlate de cavaleiro da Ordem do Tosão de Ouro, no extraordinário
Statuts et armorial de la Toison d'Or da Biblioteca Nacional dos Países Baixos, que tem imagens individuais dos cavaleiros da Ordem até 1478. (Imagem: manuscripts.kb.nl)

 

 

Terão os tios, Filipe e Isabel, encomendado ao genial Rogier van der Weyden um retrato de D. João de Coimbra para que também na Borgonha a sua memória fosse perpetuada? Foi essa a tese defendida no início dos anos 50 e 60 do século XX por José Cortez[vii] e que em fez capa no Bulletin dos Museus Reais da Bélgica quando Gaston van Camp a corroborou[viii].

 

O famoso retrato do Real Museu de Belas Artes da Bélgica é testemunho da mestria de van der Weyden. Chamou-se durante muitos anos e muito prudentemente “Retrato de um cavaleiro da Ordem do Tosão de Ouro”, tal era a dificuldade em identificá-lo sem margem para dúvidas. Muito embora lhe chamem hoje Antoine, o Grande Bastardo da Borgonha, os argumentos que levaram à certeza de Cortez não podem ser facilmente desconsiderados.

 

Van der Weyden pintou pelo menos três retratos de família, todos eles célebres. O de Filipe, o Bom; o de Isabel de Portugal, com um extravagante toucado e ricamente vestida; e o do seu jovem filho Carlos, então Conde de Charolais e futuro Duque. O quarto retrato, de outro jovem segurando uma flecha, é o que suscita a dúvida.

 


“Retrato de um cavaleiro da Ordem do Tosão de Ouro”
ou “Antoine, «Grand Bâtard» de Bourgogne”, de Rogier van der Weyden, como apelidado mais recentemente pela historiografia de arte, da colecção dos Museus Reais da Bélgica. José Cortez defendeu a tese de que se trata, na verdade, de D. João de Coimbra, sobrinho de Filipe III e de Isabel de Portugal.

 

Pela proeminência que Antoine, mesmo sendo ilegítimo, tinha na corte do seu pai, seria natural van der Weyden pintar o filho do Duque. Contudo, a aparência jovem é um dos principais argumentos contra a identificação do cavaleiro como Antoine, que teria nessa altura já mais de 35 anos. A dissemelhança física com os de outros retratos do Grande Bastardo é outro forte argumento, embora não definitivo.

 

Em contraponto, a proximidade de D. João de Coimbra aos seus tios, que será particularmente notória nas palavras emocionantes proferidas na sua partida para Nicósia, e a importância do seu casamento para os objectivos diplomáticos do tio na salvaguarda da Cristandade também o tornam um óbvio candidato a ser retratado. A idade que teria em 1456, cerca de 23, 24 anos, seria consentânea com a do retratado por van der Weyden.

 

Embora permaneça – sem esperança de esclarecimento – uma incógnita absoluta em relação a quase todas as figuras pintadas por Nuno Gonçalves nos Painéis de São Vicente (para cada figura há pelo menos 2, quando não 4 ou 5 identidades atribuídas), há uma proximidade fisionómica entre algumas das figuras e o misterioso cavaleiro do Tosão de Ouro. Cortez destacou a parecença com a figura que se assume ser D. Afonso V, mas não será menor a semelhança com as figuras no Painel dos Cavaleiros que alguns identificam como o Infante D. João ou o Infante D. Pedro, pai de D. João de Coimbra. Parece haver qualquer coisa de português na fisionomia do cavaleiro da flecha.

 


O retrato da colecção dos Museus Reais da Bélgica, de Rogier van der Weyden, ao lado do outro retrato conhecido de Antoine, o Grande Bastardo da Borgonha, atribuído a Hans Memling.

 

 


O retrato da colecção dos Museus Reais da Bélgica, de Rogier van der Weyden, ao lado de algumas das figuras dos famosos Painéis de São Vicente, de Nuno Gonçalves. À esquerda, a figura mais consensual, que a maioria dos autores identifica como D. Afonso V. À direita do retrato belga, as figuras que alguns autores identificam como o Infante D. João e o Infante D. Pedro, respectivamente tio e pai de D. João de Coimbra.

 

A escolha do barrete de veludo carmesim pelo pintor flamengo é igualmente curiosa. Dito caraminhola no manuscrito do Rio de Janeiro que descreve os Painéis de São Vicente e corrobora o seu uso na corte portuguesa ao tempo da Ínclita Geração, a sua representação na Flandres não é caso único[ix] mas é pelo menos caso raro. A parecença do estilo de barrete com os dos retratados por Nuno Gonçalves nos Painéis é notória – o que reforçaria a tese joanina.

 

Por fim, o elemento mais invulgar: a flecha, que o cavaleiro segura com a mão direita, junto ao coração. Cortez não é conclusivo no seu estudo, dizendo que poderia indicar uma forma de recordar o pai de D. João, o Infante D. Pedro, trespassado por uma flecha na Alfarrobeira. Contudo, uma vez mais surge Antoine, o Grande Bastardo, como estando ligado à Guilda dos Arqueiros, o que permitiria apontar no seu sentido.

 

Gaston van Camp, ao terminar o seu artigo de 1953 foi, contudo, muito claro: sem que se chegue a certeza, seria difícil encontrar um alinhamento histórico, cronológico e físico tão convincente quanto o da tese de Cortez.

 

* * *

 

O pai de Carlota de Lusignan, o Rei João II (ou III, segundo outras contagens) de Chipre, era igualmente herdeiro dos antigos estados que os primeiros cruzados tinham fundado no Oriente e que entretanto tinham caído em mãos muçulmanas. Intitulava-se, de jure, rei da Arménia, rei de Jerusalém e príncipe de Antioquia. Na sua obra sobre D. João de Coimbra de 1959, o Marquês de São Paio descreveu espirituosamente o Rei de Chipre como “indolente e fraco, sibarita e femieiro[x], além de dominado pela mulher.

 

À Rainha de Chipre, Helena Paleóloga, São Paio descreveu como “astuta, ambiciosa e varonil”. Era neta do Imperador Manuel II Paleólogo e sobrinha do último imperador de Constantinopla – e à sua chegada a Nicósia mostrara aliás toda a incandescência do seu sangue bizantino, quando mandou cortar o nariz à amante do marido, dizendo alguns historiadores, exagerando-lhe certamente os méritos, que teria arrancado o dito nariz com os próprios dentes.

 


O Rei João II de Chipre, sogro de D. João de Coimbra, numa gravura do século XVI. (
Rijksmuseum)

 

Por causa da Rainha Helena Paleóloga, Chipre tornara-se um destino privilegiado para os cristãos ortodoxos refugiados de Constantinopla[xi] – e esta circunstância viria a revelar-se crucial no futuro de D. João de Coimbra.

 

Chastellain dedica um capítulo inteiro à cena comovente da partida de D. João de Coimbra para Chipre[xii], começando por sublinhar que a embaixada do Rei do Chipre já o esperava há muito. Nas palavras que dirige ao seu tio, registadas pelo cronista, perpassa um enorme dramatismo, um sentimento que baila entra a contrariedade e a resignação, pontuado por algum desespero e angústia, que se traduz fisicamente numa torrente de lágrimas.

 

D. João dirigiu-se ao tio[xiii] recordando que chegou à sua casa como “um pobre órfão”, “expulso da sua herança e parentela”, para concluir que foi acolhido como um filho e acabou “mais venturoso de chegar por infortúnio à vossa casa do que teria sido de permanecer na casa de meu pai sempre próspero e tranquilo”. Referiu-se à sua investidura na Ordem do Tosão de Ouro como a mais subida de tantas honras que o tio lhe fez, “da qual me orgulho mais do que da coroa, e não satisfeito de tanto me ter feito, ainda me deu um reino e nome de príncipe.

 

O filho do Infante D. Pedro referia-se ao título de Príncipe de Antioquia, um dos antigos títulos dos cruzados, que passara a usar a partir da conclusão do casamento por procuração. O sentimento era de profunda aflição:

 

Todas as minhas veias se convertem em lágrimas e amargas lamentações, quando percebo que a hora da minha despedida chegou, e que sou forçado, para obedecer aos vossos nobres prazeres, a ir-me a um país longínquo e desconhecido, no fim do mundo, entre gente de natureza perversa.

 

Afirmando preferir a Borgonha aos dez reinos prometidos e entre “lágrimas duras”, na expressão do cronista, D. João entrega-se, qual bíblico cordeiro levado ao matadouro, ao seu tio com uma certa brutalidade:

 

Alimentastes o corpo e havei-lo feito cavaleiro. Tomai e recebei esse corpo alimentado entre as vossas mãos, e tal como está, valha muito, valha pouco, será vosso até ao fim dos seus dias.

 

Perante tão avassalador discurso, cheio de gratidão mas sobretudo de mágoa e até recriminação, o Duque da Borgonha elogiou o “bom sangue, do qual todos os que partiram foram gente de bem”, numa clara alusão ao malogrado Infante D. Pedro, e disse estar certo de que D. João seria “um bom cavaleiro e um valente príncipe para os tempos vindouros”.

 

Protestando ao sobrinho afecto idêntico ao que teria por um filho, Filipe, o Bom, sentiu a necessidade de proclamar que “não fosse pelo vosso progresso e pelo bem da Cristandade, por mim não partiríeis para ir tão longe”, exortando-o à fidelidade a Deus. Caindo nos braços um do outro, tio e sobrinho começaram as despedidas regadas com rios de lágrimas e que terminaram na Duquesa Isabel, que se despedia do sobrinho que acolhera seis anos antes para o não voltar a ver.

 

D. João partiu para Nicósia, onde casou com a herdeira e foi feito regente de Chipre. As representações de D. João de Coimbra nos códices da Ordem do Tosão de Ouro mostram que passou a usar umas armas esplêndidas e verdadeiramente únicas, combinando a sua herança luso-inglesa com as armas dos reinos para os quais estava destinado (Jerusalém, Arménia e Chipre) e as armas da família Lusignan. Tudo rodeado pelo colar do Tosão de Ouro.

 


Belíssimo desenho das armas de D. João de Coimbra, com o Tosão de Ouro pendente, no Armorial de la Toison d'or que se encontra na Biblioteca Municipal de Dijon.

 


Armas de D. João de Coimbra na obra Éloges et blasons des chevaliers de la Toison d'or, dont les armoiries sont au haut des stalles du chœur de la Sainte-Chapelle de Dijon, de Jean Godran, que se encontra na Biblioteca Municipal de Dijon.

 


Armas de D. João de Coimbra na obra Le Blason des Armoiries de tous les chevaliers de l'Ordre de la Toison d'or depuis la première institution, jusques à présent (Biblioteca Nacional de França).



Pormenor das armas de D. João de Coimbra no secção dos ‘feitos dos primeiros cavaleiros’ no precioso Statuts et armorial de la Toison d'Or (Cópia na British Library).

 

 

A glória heráldica de pouco lhe serviu. As fontes da época não divergem muito quanto ao seu triste destino. Antes da chegada do jovem Príncipe de Antioquia, o poder era exercido pela Rainha Helena Peleóloga e pela ama da Rainha, que exercia enorme influência sobre a soberana, cujo filho tinha sido alçado a Camareiro-Mor.

 

A destituição de oficiais da corte cipriota por parte de D. João ao assumir a regência, assim como a correcção da administração religiosa e o afastamento padres ortodoxos terá feito crescer as tensões mas terá também tornado o português popular entre os cipriotas[xiv]. A concessão da administração da Diocese de Paphos, na Ilha de Chipre, a D. Jaime, irmão do Príncipe (já Arcebispo de Lisboa e Cardeal, aos 24 anos...[xv]) em 1457, terá sido parte da estratégia do regente português para reordenar o culto religioso.

 

Nesse mesmo ano e no meio da luta pelo poder, alguns cavaleiros de Malta, partidários do Príncipe de Antioquia, foram acusados da morte de um próximo da Rainha Helena. A altercação que se gerou, com mortes à mistura, terá feito cair doente o príncipe português, que morreu ao fim de uns dias. Na sua Crónica de Chipre, Florio Bustron narra a zanga com mortos contados de ambos os lados[xvi]. Mas não atribui a D. João outra causa de morte que não o desgosto. A crónica de Strambaldi também não adianta nada sobre a morte.

 

Mas nos seus Commentarii em jeito de memórias, o Papa Pio II – Enea Silvio Piccolomini, também prolixo poeta e autor de best-sellers proto-eróticos do século XV – fez questão de deixar a sua leitura do que aconteceu em Nicósia: D. João, Príncipe de Antioquia e Regente de Chipre, terá morrido envenenado por ordem ou com o consentimento da sua sogra, a Rainha Helena:

 

O filho da ama, tendo medo do estilo do novo príncipe, retirou-se para Famagusta. Deste lugar convenceu a sua mãe de que, se quisesse ficar a salvo com o filho, teria de matar João com veneno, porque, com este vivo, ela não poderia estar segura pela própria vida. E a história não foi contada a um surdo!

Uma mulher conhecedora de venenos – com o consentimento da rainha, como corre a fama – despachou o mui nobre príncipe com um veneno, e assim regressaram as antigas seduções e as condenadas ordens de Helena.[xvii]

 

Na sua crónica borgonhesa, Chastellain não culpa directamente a Rainha Helena do envenenamento mas antes “alguns governantes da ilha de Chipre” que se mostravam agastados pela forma “virtuosa e útil ao dito reino” de governar de D. João, dando conta de que não foi o único a morrer envenenado.

 

A morte ter-lhe-á chegado em forma de remédio trocado por veneno, o que nos faz recuar às suas proféticas palavras em Leiden, onde antecipou que partia para junto de “gente de natureza perversa”. Anos mais tarde, ao apresentar-se ao Papa em Roma, exilada do reino que perdera para o meio-irmão, a Rainha Carlota do Chipre, lamentando toda a sua desgraça, referia-se assim a D. João: “O marido que tomei de Portugal perdi-o para uma morte súbita e prematura.”[xviii]

 

Chorado pela viúva e pelo seu povo, o primeiro cavaleiro português da Ordem do Tosão de Ouro acabou sepultado com todas as honras na Igreja de São Francisco na capital da ilha[xix].

 

Terá morrido entre Julho e Outubro de 1457. Aos pretensos assassinos a vida tampouco correria bem. Helena Paleóloga morreria meses depois[xx], em Abril de 1458, quando o filho bastardo do marido e da desnarigada tentava ocupar o poder – o que acabaria por acontecer uns anos mais tarde, depois do reinado de Carlota.

 

Certamente corroído de remorsos pela morte de “um dos príncipes do mundo mais bem talhado para vir a ser um grande homem”, nas palavras de Chastellain, Filipe, o Bom, recebeu com profundo pesar a notícia da morte do sobrinho que enviara para salvar a Cristandade contra os turcos e que acabara ceifado pelas divisões entre cristãos. Mandou-lhe rezar um soleníssimo ofício de defuntos em Bruges, ao qual compareceram os Cavaleiros do Tosão de Ouro, substituindo o escarlate dos mantos pelo negro do luto.

 


Os cavaleiros do Tosão do Ouro com os mesmos mantos negros que terão envergado no ofício de defuntos rezado em memória de D. João de Coimbra, Príncipe de Antioquia, em Bruges. Nesta ilustração, mostra-se como se deveriam apresentar no ofício em memória de Santo André, padroeiro da Ordem. (
Le Miroir de l'ordre du Thoison d'or, século XVI, Biblioteca Municipal de Besançon)

 

 

* * *

 

 

No seu Itinerario da Terra Sancta e suas particularidades, publicado em 1593, Frei Pantaleão d’Aveiro dá conta da sua passagem por Chipre trinta anos antes e de como os ódios entre gregos e latinos, ou ortodoxos e católicos como hoje diríamos, eram manifestos.

 

Nicósia, diz-nos o frade franciscano, “era muy desconcertada, & mal povoada” mas foi ali que visitou as principais igrejas e relatou que “no mosteyro dos nossos padres conventuaes está hua muy rica & suntuosa sepultura, & nella sepultado o Inffante Dom Ioão”, que o viajado frade coloca erradamente como filho de D. João I. Mais importante que o lapso genealógico é a descrição do que viu:

 

Na sua sepultura estão as armas de Portugal esculpidas; & assi mesmo estão em hum riquissimo ornamento de brocado muy acabado em tudo com seu pano de pulpito, & de estante, que os frades tem em muyta estima na Sacristia”.

 

Frei Pantaleão confessava então o seu “grande contentamento, vendo aquellas Reaes insignias, que excedem a quantas tem todos os príncipes do mundo, por serem dadas em batalha campal, não contra Christãos, mas contra Mouros inimigos de nossa sancta fè[xxi]. Ignorava, porventura, que as belas armas haviam sido tolhidas pelos cristãos e não pelos mouros...

 

Esta memória de um Portugal além fronteiras haveria de se perder nas guerras entre venezianos e otomanos das décadas seguintes, sendo destruída a sepultura, a igreja (que, segundo alguns autores, situar-se-ia no local da actual Igreja da Santa Cruz[xxii]) e certamente também a memória local deste príncipe português destinado a ser Rei de Jerusalém reconquistada pela cruzada que nunca chegou.

 

A ofensiva diplomática de Filipe da Borgonha e Isabel de Portugal,  que conseguira, no mesmo ano, um Príncipe de Antioquia e um príncipe da Igreja, acabaria frustrada pelas circunstâncias. Tudo no legado de Filipe e Isabel seria profundamente efémero, com excepção da própria Ordem do Tosão de Ouro. O destino da Borgonha “independente” estaria, a prazo, condenado. Duas gerações depois, a herança borgonhesa ficou foi atribuída aos Habsburgo, pelo casamento de Maria da Borgonha, neta de Filipe e Isabel, com Maximiliano, futuro Imperador do Sacro Império, de cujo cenotáfio e família já falámos.

 

Se os territórios que Filipe, o Bom, se empenhou em juntar foram integrados na França após a morte de Carlos, o Temerário, a chefia da Casa da Borgonha seria ferozmente reivindicada pelos séculos seguintes pelos herdeiros de Filipe e Isabel, com um propósito claro: a chefia da Ordem do Tosão de Ouro era pertença do chefe da Casa. Passou, assim, dos Habsburgo imperiais para os Habsburgo espanhóis, onde permaneceu até ao dealbar do século XVIII.

 

A Ordem do Tosão de Ouro tem, pois, a particularidade de ter ficado associada não a um Estado, o que teria levado ao seu rápido desaparecimento, mas aos herdeiros da dinastia, que a assumiram como a principal condecoração do Sacro Império e, depois da divisão dos territórios por Carlos V, da Espanha, onde ficou a varonia dos Habsburgos.

 

Por isso, quando, após a Guerra da Sucessão Espanhola, um Bourbon francês passou a reinar em Madrid como Felipe V e reclamou o Tosão de Ouro como ordem nacional espanhola, os Habsburgo austríacos reclamaram a varonia da Casa da Borgonha e mantiveram a sua própria Ordem, porventura a original, com o magnífico Tesouro e os preciosos Arquivos, que mantêm até hoje uma peculiar autonomia, muito depois do fim dos impérios.

 

Subsistiram, pois, de 1700 e até 1918, quando no fim da Grande Guerra caiu o Império Austrohúngaro, duas Ordens ou dois ramos da Ordem do Tosão de Ouro outorgadas por soberanos distintos e com numerações distintas para os seus cavaleiros. A cobiça pela chefia da Ordem era tal que ao sempiterno Napoleão ocorreu criar em 1809 a Ordem dos Três Tosões de Ouro – sendo o terceiro um francês a juntar ao austríaco e ao espanhol. A Ordem, com insígnias desenhadas e estatutos publicados, não saiu do papel e foi extinta em 1813, antes de ser outorgada.

 

Mesmo após a ‘nacionalização’ da Ordem por Espanha, esta não abandonou o seu carácter dinástico. Os Reis de Espanha continuam a reclamar o título de Duque da Borgonha. De resto, o Conde de Barcelona, pai do Rei Juan Carlos, atribuiu alguns colares no seu exílio, durante o longo reinado de Franco. Da mesma forma, os herdeiros dos imperadores austríacos continuam a atribuir o Tosão de Ouro até aos nossos dias.

 

Na longa história do Tosão de Ouro e após o trágico caso de D. João de Coimbra, houve vários cavaleiros portugueses. Após a divisão, quase todos do ramo espanhol. Sobretudo reis e príncipes, mas também três Presidentes do Conselho de Ministros: o Duque de Palmela (feito cavaleiro muito antes de ser Duque ou Presidente do Conselho), Fontes Pereira de Melo e Hintze Ribeiro.

 

O ramo austríaco permaneceu restrito à realeza e à aristocracia, mas com menos portugueses. O único soberano português a recebê-lo foi o Rei D. José, em 1721. Entre os actuais cavaleiros conta-se o Senhor D. Duarte, Duque de Bragança, e contaram-se no passado apenas o seu avô, D. Miguel de Bragança, o seu pai, D. Duarte Nuno, e o Conde de Saldanha da Gama, a quem o Arquiduque Otto conferiu o Tosão em 1951, em reconhecimento pelos serviços aos seus pais, o Imperador Carlos e a Imperatriz Zita.

 


Armas e divisa do Rei D. Manuel I, “roy de Portugal et des Indes”, segundo cavaleiro português da Ordem do Tosão de Ouro, no Armorial de la Toison d'or que se encontra na Biblioteca Municipal de Dijon.

 

D. João VI, por cuja fabulosa insígnia começámos este périplo, recebeu o seu Tosão de Ouro enquanto Infante em 1785, ao mesmo tempo que o seu irmão D. José, Príncipe do Brasil e Herdeiro do Trono (que morreria sem descendência três anos depois). Os dois filhos de D. Maria I foram, à época, os primeiros portugueses a receber o Tosão espanhol em mais de 250 anos, um hiato explicado pela União dos Reinos em 1580, pela Guerra da Restauração e pelo apoio ao lado perdedor na Guerra da Sucessão Espanhola.

 

Não deixa de espantar que, no tempo do vício do efémero, se continuem a publicar livros, a escrever teses de doutoramento e a organizar exposições sobre uma Ordem deliciosamente arcaica, com quase 600 anos, criada em honra de uma infanta portuguesa. Há apenas dois anos, o Governo Espanhol comprou um precioso Códice do Tosão de Ouro por 500.000 euros, destinado a figurar noutro sempre adiado Museu das Colecções Reais, a inaugurar um dia em Madrid.

 

E que num país como Portugal, eternamente em busca da canela – seja em forma de especiarias, de ouro do Brasil ou de fundos europeus agora em vestes de bazuca, lucro fácil para consumo imediato e se possível eleitoral –, se tenha podido investir num equipamento como o Museu do Tesouro Real, que celebrará o legado de um regime que ainda hoje se procura desvalorizar de forma tão insensata como irracionalmente insegura, é ainda mais notável e digno de louvor.

 

Ademar Vala Marques

Outubro de 2021

 

Agradecimentos

Um agradecimento especial ao Professor Marcos Helena, pela tradução do texto do Papa Pio II. Agradecimento também ao Embaixador Manuel Côrte-Real, ao Lourenço Correia de Matos e à Debbie Rodrigues Sabino pela bibliografia disponibilizada, e ainda ao António Araújo e ao António J. Ramalho.

 



[i]Assim pela magestade d’el-rei seu sogro como pelas excellencias da nova princeza, que foi de tão valeroso animo, e de basta prudencia dotada, que sem seu parecer não fazia o duque seu marido cousa alguma, tudo ela governava e regia”. Mariz, Pedro de, 1550?-1615, Dialogos de varia historia... Em Coimbra : na Officina de Antonio de Mariz, 1594.  

[ii] O Século do Tosão de Ouro em Portugal, in Arqueologia e História, Volume IX, Série 6.ª, 1930.

[iii] Cf. Oliveira Martins, J.P., Os Filhos de D. João I, Imprensa Nacional Lisboa, 1891.

[iv] Embora identificado por Mario Damen como o seu irmão, D. Jaime (futuro Cardeal), tal faz pouco sentido tendo em conta que era D. João, mais velho, que acompanhava o tio de acordo com as múltiplas referências nas crónicas de Georges Chastellain. Cf. Damen, Mario, De staat van dienst: de gewestelijke ambtenaren van Holland en Zeeland in de Bourgondische periode (1425-1482), pág. 111.

[v] Jeune chevalier de vingt ans, neveu de le duchesse de Bourgongne, auquel par regard que l’on avoit à ses mœurs et vertus et à la haute disposition de sa personne pour le temps futur, fut député cest honneur, car plus bel commencement de jeusne prince que luy n’avoit en la terre.” Chastellain, Georges, Chronique, Tome III 1454-1458, publiées par M. le Baron Kervyn de Lettenhove, Bruxelles, 1864.

[vi]Or avoit esté conclu de l’envoier en Cypre mesmes à la requeste du roy de Cypre qui en vouloit faire son héritier et lui donner sa fille, et à quoy le duc et la duchesse sa tante, à la très-longue et grant instance dudit roy, s’estoient consentis pour le bien de la cristienté.Chastellain, op. cit.

[vii] Cortez, José, Dom João de Coimbra – Retrato por Rogier van der Weyden, in Colóquio – revista de artes e letras, N.º 7, Fundação Calouste Gulbenkian, Fevereiro 1960.

[viii] Van Camp, Gaston, Portraits de Chevaliers de la Toison d’Or aux Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bulletin des Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Septembre 1953.

[ix] Encontra-se, nomeadamente, nas iluminuras do livro L'instruction d'un jeune Prince, mais ou menos contemporâneas do retrato de van der Weyden.

[x] São Paio, Marquês de, Messire Jehan de Coymbre, in Armas e Troféus, 1959.

[xi] O Papa Pio II nos seus Commentarii conta-o desta forma eloquente: “Esta, quando depois do casamento se apercebeu da loucura do marido, comportou-se mais como rei do que como rainha. Governou ela própria o reino, depôs e nomeou magistrados, organizou os sacerdócios segundo o seu arbítrio e, eliminado o rito latino, impôs o rito grego, ditou leis de guerra e paz. Ao marido bastou passar a vida entre banquetes e abundar em prazeres, mas desta maneira toda a ilha [de Chipre] regressou para o poder dos Gregos. Junto da rainha era influentíssima a sua aia, e junto da aia o seu filho em quem parecia estar na realidade o cume do poder, porque ele mandava na mãe, a mãe na rainha, e a rainha no rei.” (Eneas Silvio Piccolomini [Papa Pio II], I Commentarii Rerum Memorabilium: Quae Temporibus Suis Contigerunt, Tradução de Marcos Helena.)

[xii] Chastellain, op. cit., Chapitre XXV - Comment messire Jehan de Coymbre prist congé au duc de Bourgongne pour aller au royaume de Cypre.

[xiii] Pela relevância e profundidade do discurso, reproduz-se na íntegra o texto original: “Monseigneur, je vins un povre orphelin en vostre très-noble maison, jà grant pièce a, et estoye un enfant expuls dehors de mon héritage et parenté, dont si Dieu ne m'eust adressié devers vous, monseigneur, je fusse allé waucrant par le monde, povre et désert le plus qu’onques fit noble homme. Mais grâces à Dieu et à mon bonheur, tant m’en est bien pris que je me répute plus heureux d’estre venu par infortune en vostre maison qu’avoir demoré en celle de mon père toujours prospère et transquille. Monseigneur, je vins bien jeusne cy-ens et enfant et en soefve nourriture; sous vous, suis venu jà à vigoureux eage: sy ne sçay quel grâce vous en rendre. Je y vins tout povre et sans attente en nullui, et vostre grâce m’y a recueilly comme fils, et là où je n’estoie en nulle disposition de jamais pouvoir essourdre, vostre haute noble bonté m’a eslevé en honneur et en gloire. Cy-ens ay pris et de vostre main l’ordre de chevalerie; maints honneurs et bienfais y ay reçu aussi plus qu’en maison de père, et ce qui plus est, après que me suis trouvé en tout rebout de fortune, vous m'avez fait chevalier de vostre ordre, dont je me grandis plus que d’avoir couronne en chief, et non assouffi encore de m’avoir tant fait, vous m’avez pourvu de royaume et de nom de prince sous vostre ombre. Que benoîte soit l’heure que vous naquistes et la terre, benoîte, qui vous porte et soustient, et sans que j'en desplaise à Dieu, maudite soit l’heure après, quant je ne vous en puis regrâcier ainsi qu’il appartient, et qu’il faut que j’abandonne et délaisse vous, monseigneur, et vostre noble maison qui tant me gist en cœur, que toutes mes veines se convertissent en plours et en amers regrès, quant je perchoy que l’heure de mon département sy est venue, et que je suis constraint, par obéyr à vos nobles plaisirs, de m’aller rendre en pays loingtain non cognu, au bout du monde, entre gens de perverse nature, dont les dix royaumes ne me seroient si agréables comme la demeure droit-cy, jà-soit-ce que l'honneur m'y est trop grant et trop plus qu’à ma valeur. Monseigneur, je ne vous puis grâces rendre, qui soient condignes aux bienfaits reçus. Ce petit que j'ay et que je vaulx, me vient de vous. De ma povreté, je n’ay que je pusse offrir. De ma richesse, je ne vous puis complaire, ne servir. Vous avez nourry le corps et sy l’avez fait chevalier. Sy prenez et recevez vostre nourriture entre vos mains, et telle qu'elle est, vaille peu, vaille point, elle est et sera vostre le ramanant de ses jours.” Chastellain, op. cit..

[xiv] Du Cange, Charles du Fresne, Les Familles d'outre-mer, p. 94. No mesmo sentido o Papa Pio II, nos Commentarii: “Chegando João e celebradas as núpcias, tudo foi entregue nas suas mãos e, corrigido o tipo de governo, as questões divinas e humanas foram resolvidas: o rito romano da Igreja foi restabelecido, o poder foi arrebatado à rainha e à ama.” (No original, em latim: “Adveniente Portugallensi celebratisque nuptiis cuncta in eius manu posita sunt: forma regiminis correcta, divina et humana reformata negocia, Romane Ecclesiae ritus instauratus, reginae ac nutrici adempta potestas.” (Eneas Silvio Piccolomini [Papa Pio II], I Commentarii Rerum Memorabilium: Quae Temporibus Suis Contigerunt, Tradução de Marcos Helena.)

[xv] O Papa Pio II refere nos seus Commentarii que a idade dos três cardeais criados no consistório de 1456 não chegava para um.

[xvi] Bustron, Florio, Chronique de l'Île de Chypre. Publiée par René de Mas Latrie, 1884.

[xvii]Nutricis filius novi principis faciem veritus Famagustam concessit, quo ex loco matri suasit: si se cum filio salvam vellet, veneno ut Portugallensem extingueret, quo vivo vitam ipse diu servare non posset. Nec surdo cantata fabula: venefica mulier consentiente regina - ut fama fertur - nobilissimum principem thossico substulit, atque ita priores illecebre et damnata Helene imperia rediere.” (Eneas Silvio Piccolomini [Papa Pio II], I Commentarii Rerum Memorabilium: Quae Temporibus Suis Contigerunt, Tradução de Marcos Helena.)

[xviii]Virum, quem duxi ex Portugallia, repentina et immatura mors abstulit”. (Eneas Silvio Piccolomini (Eneas Silvio Piccolomini [Papa Pio II], I Commentarii Rerum Memorabilium: Quae Temporibus Suis Contigerunt).

[xix] Bustron, Florio, Chronique de l'Île de Chypre. Publiée par René de Mas Latrie, 1884, pág. 374.

[xx] Fontes mais recentes atribuem a alguma misoginia e sobretudo à aversão aos “gregos” por parte dos latinos (cuja versão predominou) o tratamento negativo que a historiografia atribui a Helena Paleóloga. Com o argumento de que não há fontes isentas, há quem defenda que não há provas contundentes do seu envolvimento no assassinato de D. Joã.

[xxi] PANTALEAO, de Aveiro, O.F.M., Itinerario da Terra Sancta e suas particularidades / compostos por frey Pantaliam Daueiro. - Em Lisboa : em casa de Simão Lopez, 1593.

[xxii] Michalis Olympios, Institutional Identities in Late Medieval Cyprus: The Case of Nicosia Cathedral, Nicosia, 2014.