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sexta-feira, 25 de agosto de 2017

It's a wonderful world.

 
 
 


 
Já há uns dias, o El País trazia aqui uma notícia que, se fosse vivo, teria feito a cabeça em água a Erich Honecker. O antigo edifício do Conselho de Estado, a sede do poder da República Democrática Alemã, o lugar onde Fidel Castro e Leónidas Brejnev foram recebidos, o centro onde se tomavam as grandes decisões em nome dos amanhãs que cantam, é hoje, imagine-se, pasme-se, uma business school. Nem mais, nem menos. A ESMT, a escola internacional de gestão de Berlim, ministra cursos em inglês e mandarim (https://www.esmt.org/). Start-ups, empreendedorismo, inovação, todo o jargão estereotipado do capitalismo global substitui agora os clichés do velho comunismo, luta de classes, materialismo dialéctico, meios de produção, infraestruturas e superestruturas e por aí fora.
 
 




 
 
 
Os estudantes circulam frente a um vitral monumental, lindíssimo, da autoria de um dos grandes nomes do realismo socialista, Walter Womacka. No cristal, as figuras de Karl Liebknecht ou Rosa Luxemburgo contemplam, aterradas, os alunos a discutir técnicas de opressão das massas, a fim de ganharem mais massas – para eles e para as suas empresas.
 

 
 
Como se não bastasse, cúmulo da hegemonia do kapital, uma outra notícia que encontrei aqui. Essa, ainda mais espantosa. Em Miami, USA, num mercador de arte, esteve em exposição para venda outro monumental vitral. Desta feita, uma peça que adornava um edifício da Stasi, a sinistra polícia política da Alemanha comunista. Quem visitar a sede da Stasi ou as prisões de Berlim pode ver o nível de sofisticação e requinte a que chegou a barbárie e a desumanidade naquele pedaço da Europa. Quem quiser e tiver paciência pode ler um guia de Berlim-Leste, ou da sua memória, que em tempos publiquei aqui. Um roteiro da Ostalgie. É a nostalgia de Leste – ou da sua arte – que levou à praça, em 2016, por um preço fabuloso, este vitral «A Paz no Mundo», de 1982-83, da autoria de Richard Otfried Wilhelm (entrevista do artista ao NY Times, aqui). Pertencia ao edifício da Stasi e, vá-se lá saber por que voltas, acabou nas mãos de um negociante alemão de arte, Thilo Holzman, que prontamente o despachou para os States, onde terá sido comprador por um coleccionador saudoso do comunismo ou meramente apreciador da vida & obra da figura central da peça, Vladimir Lenine. O mundo é um lugar estranho.
 
António Araújo
 

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Atrás de Lenine.



























        





O fotógrafo Niels Ackermann e o jornalista Sébastien Gobert palmilharam a Ucrânia inteira em busca de estátuas de Lenine. Talvez um projecto louco, talvez demasiado comercial. O seu intento, segundo dizem, é descobrir sinais do processo de descomunização naquele país flagelado e mártir. Estão nos Encontros de Arles e fizeram um livro, Looking for Lenin, como se pode ver aqui ou aqui ou ainda aqui








         Entretanto, e já que falamos de Ackermann, é um bom momento para recordar outro seu projecto, que também deu um livro, chamado L’Ange Blanc. Fotografias de Slavutych, a cidade mais jovem da Ucrânia, nascida das cinzas de Chernobyl. O mundo é um lugar estranho.









































sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O Sol Enganador.

 
 
 

 





























 
 

 






 
 
Esta posta tinha muita porta. Poderia entrar a falar do João, que ontem andou à procura de livros infantis. Ou do Camarada Pavlik, de que já falei aqui, uma criança transformada em herói do povo por ter denunciado a família às autoridades soviéticas. Também poderia falar de um livro supimpa, sobre os jogos das vanguardas, editado em Espanha.  Ou poderia começar ainda, não sei porquê, por Fredun Shapur, que nada tem a ver com o país dos sovietes mas cujo trabalho gostaria de um dia mostrar aqui no Malomil, pois há quem se interesse por estas coisas. É o meu caso, modesto coleccionador de livros infantis – dos quais, alguns soviéticos. São belos, verdadeiros ícones expressivos, simples no grafismo directo e linear, austeros nos acabamentos, de impressão barata e para as massas. Já conhecia e tinha dois livros italianos que, cada qual à sua maneira, eram bonitos e informativos. Um chama-se L’Ilustrazione del Libro per Bambini e l’Avanguardia Russa, sendo assinado por Ernst Kuznecov e editado pela Cantini nos idos de 1991 (comprei-o em Veneza, baratíssimo, verificando que agora andam a pedir por ele quase 100 dólares). Outro, mais abrangente e difuso, intitulado 39 Illustratori Sovietici, catálogo da Bienal do Livro Ilustrado Infantil, Roma, 1992.
         Mas há pouco chegou um novo, a arrasar. Inside the Rainbow. Russian Children’s Literature 1920-1935: Beautiful Books, Terrible Times, organizado por Julia Rothenstein e Olga Budashevskaya. Está lá tudo, nomes grandes como Mayakovsky ou o infortunado Osip Mandelstam. Grafismo de vanguarda, imagens dinâmicas e vigorosas, algumas belicistas, outras muito doutrinárias. Linhas rectas, a régua e esquadro, traçando os  caminhos de um homem novo. Engenhosas formas de tirar partido da fotografia (veja-se as imagens da tomada eléctrica!), quase sempre uma mensagem pedagógica e/ou patriótica. Desenhos anticapitalistas, alguns, outros mais próprios para crianças, com bichos reais ou imaginários. A exaltação do trabalho ordeiro, culto da disciplina e por aí fora.
         Logo a abrir, o livro recorda o lado sombrio desta história de crianças. Durante os gloriosos anos 20, na era da Nova Política Económica, e já debelada a guerra civil, existiam na Rússia entre 4,5 a 7 milhões de bezprizorniki, ou seja, órfãos que não só tinham perdido os pais como nunca souberam na vida o que era uma família ou um lar. Em português, bezprizorniki poderia traduzir-se como “meninos da rua”. Em russo, eram 7 milhões. Este fora o trágico resultado de purgas em massa, das grandes fomes, de prisões e deslocações forçadas de pessoas e famílias, ficando para trás uns quantos, quase tantos como a população inteira de Portugal dos nossos dias. O problema adquiriu tais proporções que se criou uma Comissão das Crianças, cujo comité central – ironia das ironias – era dirigido por Felix Dzerzinsky, o mesmo que entretanto liderava a polícia política e já gatinhava em direcção ao Grande Terror. Milhares de crianças morreram de doença, fome e violência, outras seguiram para campos de trabalho e prisões. Em 31 de Maio de 1935, o Conselho dos Comissários do Povo e o comité Central do Partido emitiram um decreto, com o expressivo nome «Eliminação da Vadiagem e dos Maus-Tratos Infantis», que declarava que «os sem-abrigo tinham sido erradicados deste país». Se considerarmos que cerca de 500.000 crianças cresceram em orfanatos nas décadas de vinte e trinta, imagine-se o que terá acontecido aos outros. Milhões e milhões. Há uma investigação sobre isso, de Alan Ball, And Now My Soul is Hardened: Abandoned Children in Soviet Russia, 1918-1930, publicada em 1994 pela University of California Press. Mais eloquente será, porém, a imagem abaixo, onde um grupo de crianças – e estas, com a fortuna de terem um abrigo – se forma ao pé de um casebre de madeira que ostentava os dizeres: «Obrigado, grande Estaline, por esta infância feliz!». A felicidade está mesmo ali, estampada nos rostos. Enfim, convém recordar as travessuras do Sol Enganador.Mas que os livros infantis soviéticos são uma maravilha, lá isso são.