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quarta-feira, 23 de junho de 2021

Artin Iran-Nejad (2019-2021).




 

Artin Iran-Nejad. Podia ser nosso, vosso, de todos. Mas não é, porque morreu. («Desastres Naturais», no Expresso, aqui)




 



terça-feira, 8 de setembro de 2020

Sobre os dois irmãos de Famalicão.







O Vasco Barreto, que é brilhante-fulgurante mas doido, achou por bem dizer umas coisas só à altura da grandeza de carácter que todos lhe reconhecem. Somos amigos há muitos anos, mas nesta excedeste-te, Vasco, poças. E, como amigos de muitos anos, fomos falando deste caso dos dois alunos de Vila Nova de Famalicão que correm o risco de recuar dois anos num percurso escolar brilhante. Ninguém deseja que isso aconteça. E estou em crer que toda a gente, ou pelo menos quase toda, a que assinou este manifesto, não deseja que os dois alunos de Famalicão percam dois anos da sua carreira académica. Ninguém o deseja, nós também não. E, por isso, o Vasco e eu (não, não foi «eu e o Vasco», foi «o Vasco e eu»), decidimos escrever um texto que saiu hoje no Público, edição online e na versão papel. Há quem se mova por grandes princípios, abstracções lindíssimas, ideologias de um sentido ou de outro. A nós preocupa-nos mais o concreto e básico, as pessoas de carne e osso. Talvez seja mais comezinho e mais terra a terra, porventura mais poucochinho, mas não é despiciendo nem de somenos, julgamos nós. Quanto a si, julgue o que quiser – mas conceda apenas que eu e o Vasco, ou o Vasco e eu, escrevemos este texto de coração aberto e em plena boa-fé, total e absoluta.








quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Absoluto desprezo.







Esta artista chama-se Sara Giromini e tem por nome de guerra Sara Winter. Antiga feminista, é agora uma das mais radicais e polémicas apoiantes de Jair Bolsonaro. Para o caso, isso não interessa, ou talvez interesse, mas vamos ao essencial: uma menina foi violada pelo tio desde os 6 anos. Agora, com 10 anos, engravidou. A justiça autorizou o aborto. O aborto não interessa, ou pouco interessa. O que interessa é que essa artista que ali vedes divulgou nas redes sociais a identidade da menina. Podemos ser contra ou a favor do aborto, concordar que ele possa ser feito apenas em situações horripilantes como esta. Podemos ser a favor de tudo ou contra tudo. O que ultrapassa tudo, mas absolutamente tudo, é que, por raiva e ardor militante, Sara Winter publicitou o nome de uma criança vítima de violação. Vítima durante quatro anos de inferno. O Ministério Público pede agora uma indemnização a Sara Winter, vejamos no que dá. E vejamos o que dizem – ou silenciam – do gesto de Sara Winter os apoiantes portugueses de Jair Messias Bolsonaro e das suas tristes cruzadas. Absoluto desprezo. 










     




quarta-feira, 24 de junho de 2020

O fim de uma polémica?






Uma revelação importante: 60 anos depois, o fim de uma polémica, ou o que parece sê-lo. Begoña Urroz, a menina na imagem, não foi morta pela ETA, mas pelo DRIL, um grupo luso-espanhol, celebrizado pelo desvio e sequestro do paquete Santa Maria. A acompanhar, aqui.








segunda-feira, 25 de maio de 2020

Quietude júnior (7 e último).





Nas nuvens.

A fechar a rubrica e a infinita salada apaziguadora começada ontem, essa a recheio de música inspirada pelo encantamento e pela contemplação de algo ou alguém, persiste-se hoje na tentativa de meter um Rossio de igual tamanho na mesma Betesga: o do amor, nas suas também infinitas tonalidades e desdobramentos. Amor divino e amor terreno, amor com maiúsculas e com minúsculas, Calibri ou Times New Roman, físico e metafísico, animal, vegetal, postal, gasoso e atmosférico.

1) Coração e Boca e Atos e Vida, como é conhecida a Cantata Jesus Bleibet Meine Freud, de J. S. Bach. É com tudo isso que nos embala o coral final, com o que “há de dar testemunho, sem temor nem hipocrisia”, de coisas divinas e da felicidade humana. Aqui num arranjo para dois pianos, interpretado por Lucas e Arthur Jussen.

2) Se Leonor ia fermosa e não segura pela verdura, já as ovelhinhas de todas as idades podem pastar com a maior segurança e, sobretudo, na mais maravilhosa paz com Schafe können sicher weiden, de uma outra Cantata de Bach, a da Caça. Também num arranjo para piano, interpretado por Khatia Buniatishvili.

3) As nuvens que ilustram a primeira das três Gymnopédies, de Erik Satie, estão ali muito bem, no ambiente delas. Com sol ou chuva, as 3G são realmente serenas e atmosféricas. Não há agitação infantil que resista à sedução do seu torpor vaporoso. A agitação adulta também lhe sucumbe em circunstâncias e situações variadas. Por Anne Quéféllec.

4) Na minha experiência pessoal, todavia, tiro e queda mesmo é My Funny Valentine, na voz de Chet Baker. Em poucos segundos induz um revirar de olhos de sonolência fulminante, assaz distinto do enfastiado rodar para cima na oblíqua do globo ocular aborrescente, perdão, adolescente – tantas vezes mais do que justificado, diga-se. Em idades mais tenras, porém, é a pupila que escorrega por si para dentro da pálpebra, deixando ver o fundo branco antes da persiana – a pálpebra – baixar rendida ao peso feliz da beatitude. É uma coisa linda de se ver.

“My Funny [preencher com o nome aplicável], my favourite work of art”.


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Manuela Ivone Cunha.







domingo, 24 de maio de 2020

Quietude júnior (6)




Sigam os lieder.

Os ingredientes das últimas saladas júnior, esta e a próxima, não nasceram para infantes. Foram convertidos, e os infantes a eles. Uma conversão mútua, digamos, íntima e pessoalíssima. O fabrico é artesanal e certificado: foi testado empiricamente com rebentos lá de casa. Suponho que toda a gente terá feito a sua conversão caseira, e nisso cada uma é como cada qual. Se funciona, funciona – e a Federação certifica. Fica então uma delas, primus inter ziliões de pares.

O sopro que emana de tais canções, ou aquilo que o inspira, prende tanto ou mais ao seu embalo que muitas canções de embalar. Sussurram para lá do ouvido, ao coração, e na essência permanecem um sussurro mesmo quando se encorpa e cresce em volume a voz que as entoa. Propagam o repouso que evocam, a mesma acalmia, a mesma tranquilidade, a mesma mescla de sombra e cintilação.

Será da sombra das árvores, debaixo da qual se sonha ou descansa? Da cintilação do sol nas folhas, do brilho de quem se quer nos nossos olhos, do esplendor dos dias que hão de vir?  

1) Um plátano frondoso, para começar. Ombra Mai Fu, não há sombra mais amável e suave, diz a ária de abertura da ópera Xerxes, de G. F. Haendel. Aqui cantada por um contratenor que cala tudo à volta: Andreas Scholl.

2) A tília dos sonhos doces, em Der Lindenbaum, um lied de Franz Schubert, parte do ciclo de canções Winterreise. Por Dietrich Fischer-Diskau (acompanhado ao piano por A. Brendel), barítono a quem já ouvi chamar de Callas de calças. Por mim podia sempre vestir o que quisesse, calado ou a cantar. Com aquela voz, podia até nem vestir nada.

3) “Tu és o repouso / E a paz gentil / O anseio / E o que o apazigua” – é assim que começa outro lied de Schubert: Du Bist Die Ruh, cantado por outro barítono que também pode usar saias, calções, tanga ou nu: Christian Gerhaher, acompanhado ao piano por G. Huber.

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Manuela Ivone Cunha








sexta-feira, 22 de maio de 2020

Quietude júnior (5).





Chhhhh. Hush perlimpinchin.


O prometido é devido: clássicos-tradicionais no menu de hoje. A Estrela d’Alva, de Zeca Afonso, é hors concours, joga na ementa extraordinária.

O concurso não é o do cancioneiro, e isto de clássico-tradicional tem muito que se lhe diga. Aqui, não vou dizer nada. De momento, eis o que se me atravessa à frente, num sortido de três:

1) Perlimpinchim, resgatada de viés ao cancioneiro português, com tempero mirandês, por Né Ladeiras, na voz que é só dela e como só ela sabe.

2) Tradicional-tradicional de outras paragens: Hush Little Baby.  Aqui oferece-me dizer o seguinte. Para dormir, os infantes têm antes de mais de sossegar. Os truques para os levar a isso são infinitos, como infinitas são as interpretações de uma cantiga assim, que recorre sem pejo ao suborno. Tudo vai do jeito e do feitio dos intervenientes.

Há as nhã-nhã, de que esta é um exemplo cabal. Não duvido da eficácia, acredito até que ponha um eucalipto a dormir em pé, e de caminho seque o bébé e a água do banho. Ao método liofilização, pessoalmente prefiro o da distração, como a manobra de diversão muito bem conseguida (em baixo) por Yo-Yo Ma e Bobby McFerrin. Pode não ser tão rápido e soporífero, mas é investimento com retorno seguro a longo prazo. Outro ao mesmo nível, em variante mais calma e embalante, é o proposto por Nina Simone.

3) Por fim, um do mais célebres “hush little baby” de sempre: o desse clássico mil vezes glosado que é Summertime, composto pelos irmãos Gershwin para a ópera Porgy and Bess. Cantam, e oh como cantam, Ella Fitzgerald e Louis Armstrong.

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Manuela Ivone Cunha 






quarta-feira, 20 de maio de 2020

Quietude júnior (4).





Seda, fazenda, bambu.

Adolescentes de dois continentes, rapazes e raparigas, gerações distantes. Das crinolinas e do fato de fazenda, ao fato Zoot e à fibra de bambu. Entre cordas acústicas e cordas elétricas, o que os embala? Com que sonham? O que é isso de “dormir” e o que tem a ver com adormecer? Ó-ó, dormir-dormir, praticam, mas não é coisa que cantem, nem o que os faz cantar.

A faixa etária desta rubrica hoje subiu porque sim, e porque acaba de sair o relatório da OMS sobre comportamento e saúde dos adolescentes. Volta a descer à infância nos próximos dias também porque sim, e regressa às origens nas cantigas de embalar do mais clássico e tradicional que há. Sem extravios estrambólicos nem “pecados de velhice” nostálgicos como este de Rossini, do Álbum que compôs Para as Crianças Adolescentes.

A viajar de frente para trás:

1) Mother May I Sleep With Danger, homónima de um filme e de uma série televisiva com… vampiros. Vampiros e zombies: what else? O que havia de ser?
De Joy Crooke.

2) La Mandoline. Nota para os francófonos de hoje: “passar a noite no violino” não é passar a noite dentro de um violino. É no chilindró. Ou “atrás das grades”, para os lusófonos millenials e zoomers – chilindró, convenhamos, está para lá de boomer. Em contrapartida, o requintado “mais vale mijar num violino” (autant pisser dans un violon) é transgeracional. Quer dizer “tanto faz, não serve de nada”.
Por Bourvil, de Gille Paule e Bernard Michel.

3) La Rêveuse. Tão pungente, esta rapariga que sonha. Tão tocante o seu enlevo. Só se sonha assim acordado.
De Marin Marais, por Jordi Savall, Pierre Hantai e Rolf Lislevand.


  




Manuela Ivone Cunha





terça-feira, 19 de maio de 2020

Quietude júnior (3).




Coisas que parecem difíceis, mas não são fáceis.

Há crianças que em criança têm gostos fortes e afiados, gostos que outras só descobrem e apuram com a idade – ou não. Pelam-se por alho e picante, mioleira, sopa de ossos de assuã, couves de Bruxelas, cabeças de peixe e respetivos olhos, quiçá Marmite (!) e até aquilo a que os adultos chamam polidamente de “gosto adquirido”, como os queijos malcheirosos ou para lá de podres. Se queijo é propriamente leite podre, variedades há que levam a podridão mais longe e no devir fermentado se tornam, elas mesmas, queijo podre. Mais meta não se encontra.

Veja-se o Foujou, que me abstenho de descrever, mas dizem muito apreciado por paladares “bastante desenvolvidos”. Basta dizer que este laticínio decadente do sudeste francês convive mal com os demais habitantes do frigorífico e da casa em geral, uma incompatibilidade perfeitamente compreensível quando as camadas do fundo do frasco não são avistadas durante 15-20 anos em muitas famílias. É assim que mandam as regras da arte: deixar intocados os fundos do fundo para não perturbar o movimento perpétuo da fermentação ao longo das gerações.

Outras crianças toleram amenamente ou, pelo menos, não vomitam texturas dúbias e consistências incertas como ervilhas, favas ou cenouras cozidas, fiapos de tomate no arroz e a película de nata a boiar no leite.

Para todas essas crianças com um twist, espontâneo ou cultivado pelos pais a adubo cínico-repressivo, abertas a coisas fora do anormal, capazes de apreciar bizarrias e coisas que parecem difíceis, mas não são fáceis, ficam hoje duas sugestões de embalar:

1) A primeira, um tocador de serpente -- muito mais à frente que um vulgaríssimo encantador de serpentes. Nunca ouviram o som da serpente – em português serpentão, que o bicho é grande demais para tamanhos do Sul? Então abalancem-se a ouvir esse instrumento de sopro que é precisamente das tais coisas que parecem difíceis, mas não são fáceis. Por Michel Godard, um dos mais virtuosos tocadores de serpente da atualidade. Aqui em Miserere, no álbum A Serpent’s Dream, em que encontram também Le Sommeil, se ainda for preciso.

2) Também fora do anormal, um tocador de flauta que embala as ruínas, tal como há cantores que fazem chorar as pedras da calçada.
É ele Vincent Lucas, em Un Joueur de Flûte Berce les Ruines, de Francis Poulenc.
(Para as crias do Plantas Tristes e seus diabólicos pais)





Manuela Ivone Cunha






segunda-feira, 18 de maio de 2020

Quietude júnior (2).







Leves e breves, para crianças tranquilas. Catálogo Primavera-Outono.

Atenção, crianças! O catálogo de hoje não substitui o catálogo de pais, para o caso de quererem trocar um ou dois dos vossos. Podem trocar por um, dois, cinco ou trinta, sem número fixo. Os que vos calharam saíram pesados, pegajosos, peludos, picantes e implicantes já antes da conjuntura? Já eram sisudos, maçadores, decapantes e arreliantes? Continuam a não vos ouvir, a arrumar-vos o quarto, a andar por cima dos brinquedos e a não vos deixar ajavardar à mesa? Não stressem mais do que é preciso. É escolher qualquer modelo neste sortido de pais, inventariado pelo essencial Claude Ponti, bastando preencher a referência no cupão de encomenda.

Podem também guarnecer o artigo da vossa escolha com acessórios, como i) o patodeapoio equipado com rodinhas, voz de ranger de portas, 30 tipos de riso e grito silente de recusa-responder; ou ii) o sinistreiro, que engole ideias negras, horrivilifientas, catastrofóficas e caidentro; ou ainda iii) a lanterneta, que ilumina os cantos sombrios, atrás de espelhos e fundos de armário, convertível em levantador de moral parental, com adaptador internacional e três intensidades. No campo ou na cidade, é indispensável o melão de jardim, que se alimenta de dor de cabeça e dor mental em geral.

Quanto à música embalante do dia, hoje é a vez do catálogo de modelos que despreocupam e aligeiram ambientes densos. Passeios descontraídos antes ou depois do jantar, balanços sossegados e flutuantes, sem ponta de melancolia. Também dispõem à sesta. Duas amostras da coleção Primavera-Outono:  

1) Dolly, a Berceuse que Gabriel Fauré compôs para a sua filha, Dolly de seu nome, pelas irmãs Labèque.

2) Berceuse des Soirs d'Automne, de Reynaldo Hahn, por Huseyin Sermet e Kun Woo Paik.





Manuela Ivone Cunha







domingo, 17 de maio de 2020

Quietude júnior (1).







A imprensa internacional fez-nos saber que a conjuntura covidal tem posto as crianças a dormir mal. Apesar das perturbações do sono afetarem miúdos e graúdos, até aqui só os graúdos atraíam os holofotes. Nisto, o Malomil também não andou bem.

O projeto de espalhar quietude – condição necessária, ainda que não suficiente, para a sonolência – tem negligenciado os mais pequenos. Estes, quando muito andam a ser aviados com Melamil, uma droga que apregoa encurtar o tempo para adormecer.

Pois bem, chegou o momento de acertar a balança. Nas próximas edições esta rubrica será júnior, com meia dúzia de canções de embalar e outras que, não o sendo, embalam no sono, ou dispõem para o sonho.

Com pena, deixo de fora canções de embalar cujo embalo hipnotiza e induz ao transe, mas tenho dúvidas que adormeçam, como a Lullaby dos The Cure. Já sem pena alguma ficam de fora canções de embalar plástico, vendidas em pacote para bébés e infantes a pais incautos. Atrofiam os ouvidos tenrinhos, cheios de potencial, e deixam-nos balofos de enxúndia e entulho, tão desalmadas são. O problema, por conseguinte, não é serem simples. Há-as simples e gloriosas. É mesmo não terem alma.

Dito isto, também não levo ninguém ao engano. Não garanto, nem por sombras, um efeito rápido tão cilindrante como o que este pai obteve com a sua interpretação da Wiegenlied, a famosa canção de embalar de Johannes Brahms. Ao fim de 30 segundos? Brincamos? É quase indecente.

A abrir a rubrica, já a seguir, uma “Criança a Adormecer” – precisamente. É assim que se intitula esta cena de infância, de Robert Schumann (Kinderszenen, Op.15 - 12. Kind im Einschlummern), interpretada por Martha Argerich.




Manuela Ivone Cunha