segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Guiné-Bissau: a independência.

 


 
 
 
A declaração unilateral de independência da Guiné-Bissau
 Nove feitos e efeitos da Proclamação
 
 
I
 
Em 24 de Setembro de 1973, o Estado da Guiné-Bissau foi solenemente proclamado em nome do povo por uma Assembleia Nacional Popular (ANP), convocada pelo PAIGC. Além do texto da Proclamação do Estado, a ANP também aprovou a Constituição da República e quatro diplomas complementares. O artigo 1.º da Constituição definia a Guiné-Bissau como uma República soberana, democrática, anti-colonialista e anti-imperalista, que lutaria pela libertação total, pela unidade da Guiné-Bissau e do Arquipélago de Cabo Verde e pelo progresso social do seu povo.
Na concepção de Amílcar Cabral, assassinado no início desse ano e a quem a ANP atribuiu o título de “Fundador da Nacionalidade”, tratava-se de um passo transcendente pois da situação de colónia que dispunha de um movimento de libertação nacional a Guiné-Bissau passava «à situação de um país que dispõe do seu Estado e que tem uma parte do seu território nacional ocupado por forças armadas estrangeiras».
 
II
 Tratou-se dum original modo de criação do Estado, que levantou variadas questões de direito e relações internacionais, sobretudo quanto ao reconhecimento de Estado. Apresentou quatro traços fundamentais:
     a)- no século XX, nenhuma outra colónia conseguiu consumar a sua independência unilateralmente;
     b)- não há outro exemplo de promoção de eleições gerais constituintes por um partido antes de assumir formalmente o poder soberano;
c)- apresentava-se como uma solução única (quanto ao processo) e, perante a sistemática recusa de negociações por parte do Governo português, a única solução (quanto à conclusão);
 d)- o seu reconhecimento universal concluiu-se no prazo de um ano e, entretanto, foi uma das causas do “25 de Abril” em Portugal.
 
III
Apesar de algumas divergências doutrinárias na matéria, enquanto modo de formação do Estado a declaração unilateral da República da Guiné-Bissau correspondeu a uma descolonização, não a uma secessão (mesmo considerando que o novo Estado foi criado mediante o uso da força). Não foi, no Império Português, o primeiro caso de declaração unilateral de independência, a cuja via também recorrera o Brasil em 7 de Setembro de 1822, só reconhecida por Portugal na sequência do Tratado de 29 de Agosto de 1825.
 A partir do fim da II Guerra Mundial a criação do Estado deixou de ser considerada um fenómeno essencialmente extra-jurídico. Ora, o direito internacional da descolonização desenvolveu-se nos anos sessenta e autonomizou-se nos anos setenta do século XX, com base nas lutas de libertação nacional, no costume internacional e nas resoluções da ONU e assentou em quatro núcleos:
a)- a evolução do princípio da autodeterminação para direito à autodeterminação e independência dos povos coloniais (e, mesmo, jus cogens);
 b)- o reconhecimento da legitimidade das lutas (armadas) de libertação nacional;
 c)- o estatuto dos movimentos de libertação como sujeitos de direito internacional, enquanto únicos e autênticos representantes dos respectivos povos, dotados de um estatuto proto-estadual (de que o PAIGC foi o “piloto” e modelo);
d)- este direito da descolonização não foi igual e totalmente aceite por todos os Estados e só parcialmente foi democrático (sobretudo, pela desvalorização das eleições e referendos constituintes).
Em suma, o processo de independência da Guiné-Bissau fundou-se primacialmente no princípio da legitimidade, isto é, nos interesses e valores da autodeterminação dos povos coloniais, com relativização do princípio da efectividade (que é, sim, a condição prioritária da secessão). Comprovou que a autodeterminação dos Povos foi constitutiva (não foi a libertação que nasceu do direito, foi o direito que surgiu da libertação) e que a complexidade do direito à autodeterminação levou a que ele se exprimisse de modo pluriforme e pluridimensional.    
 
IV
Embora a evolução histórica propendesse a considerar a titularidade (e plenitude) da soberania da metrópole uma sobrevivência do sistema colonial, devendo a “potência administrante” limitar-se a exercer uma missão de serviço público, cabia-lhe organizar o processo de independência pelo que a formação do novo Estado exigia o seu acordo ou concessão.
Porém, a partir de 1945, o reconhecimento dos novos Estados tornara-se declarativo e mera rotina: os inúmeros Estados africanos, asiáticos e americanos que se tornaram independentes com o acordo da "potência administrante" foram generalizadamente reconhecidos, singular e colectivamente, pela comunidade internacional, consumando-se o processo com a admissão imediata na ONU.
 
V
Na Ásia, a descolonização apresentara, no imediato pós-guerra, dois casos pouco marcantes de declaração unilateral: a Indonésia e o Vietname do Norte. Ora, quanto à República da Guiné-Bissau, a incidência do princípio da autodeterminação levou a uma “efectividade qualificada”, pois os requisitos da estabilidade ou permanência enfatizados pela prática do século XIX tornaram-se secundários e o direito à autodeterminação serviu para legitimar um reconhecimento de Estado que, noutra hipótese, seria prematuro.
Esta última conclusão terá sido confirmada pelos dois casos de declaração unilateral que mais se aproximaram do processo da Guiné-Bissau, e que, actualmente, se encontram “bloqueados”: a República Árabe Sarauí Democrática (RASD), proclamada em 27 de Fevereiro de 1976, e a Autoridade Palestiniana desde 15 de Novembro de 1988. Diferente de todos (embora também seja um caso de descolonização) foi a independência de Timor-Leste, proclamada unilateralmente pela Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (FRETILIN) em 28 de Novembro de 1975 e só internacionalmente reconhecida, num processo dirigido pela ONU, a 20 de Maio de 2002, após ocupação indonésia.
 
VI
O sucesso da declaração unilateral da República da Guiné-Bissau apresentou cinco particularidades:
     a)- culminou uma formação do Estado (em sentido amplo) realizada “passo a passo” e cujo momento de nascimento (em sentido restrito) pertenceu a uma assembleia soberana, reunida no território;
b)- a proclamação foi concebida por um movimento de libertação nacional, representando o povo na sua integralidade, detendo a exclusividade dessa representação e exercendo funções do Estado antes de o Estado estar juridicamente formado; por isso, a República da Guiné-Bissau surgiu, em grande medida, como mera “sucessora” do PAIGC;
c)- diplomaticamente, a proclamação beneficiou do conselho e apoio da Argélia, tornou-se um “quebra-cabeças” para a diplomacia portuguesa, alcançou um imediato e amplo reconhecimento – por grande número de Estados, pela ONU (que, em 2 de Novembro de 1973, em resolução da Assembleia Geral, se felicitou pelo acesso à independência e considerou ilegal a presença portuguesa no território da Guiné-Bissau, exigindo a retirada das respectivas forças armadas) e pela OUA (onde, em 20 de Novembro de 1973, foi admitida como 42.º Estado membro) – colocou um dilema aos Estados Unidos, França e Reino Unido como membros permanentes do Conselho de Segurança e distanciou o Brasil da política africana portuguesa;
d)- a existência da República da Guiné-Bissau condicionou a descolonização portuguesa;
e)- o processo da independência unilateral completou-se em 17 de Setembro de 1974 quando, com “apadrinhamento” português, a República da Guiné-Bissau passou a ser o 138.º membro da ONU, admitida por unanimidade e aclamação.
 
VII
A Constituição Política, embora do tipo balanço-programa, pretendeu instituir um Estado de legalidade. Foi “outorgada”, desenvolvendo o “Programa Mínimo” do PAIGC.
A organização constitucional do poder derivava da matriz soviética: os princípios da hegemonia do PAIGC (isto é, da direcção política, intelectual e moral do Estado e da sociedade) e da "democracia nacional revolucionária" (isto é, da transição para o socialismo) reflectiam-se, sobretudo, em dois domínios: primeiro, no estatuto do PAIGC, definido constitucionalmente como força política dirigente e estatutariamente organizado segundo o “princípio do centralismo democrático"; depois, numa organização do poder político assente na concentração e unidade do "poder de Estado", sem separação de poderes.
 
VIII
O Acordo de Argel, de 26 de Agosto de 1974, celebrado entre o Governo português e o PAIGC, consagrou as duas exigências constantes da Declaração do Comité Executivo da Luta do PAIGC, de 6 de Maio, para uma solução política da guerra e abertura de conversações: a) reconhecimento da República da Guiné-Bissau; b)- reconhecimento do direito à independência de Cabo Verde. A ambas acedeu o Governo português e, por isso, do Acordo de Argel não consta qualquer menção a autodeterminação ou “concessão” de independência quanto à Guiné-Bissau, sim e apenas ao reconhecimento de jure da República da Guiné-Bissau.
Além do reconhecimento (de que decorriam a saída das forças armadas portuguesas e o desarmamento das forças africanas) e da mútua promessa de cooperação futura, nada mais, nem quanto a pessoas nem quanto a bens. Isto é, o Acordo de Argel regulou reconhecimentos e a partida das tropas portuguesas mas não a sucessão de Estados.
Mais do que isso. O Acordo Argel não só abriu a descolonização portuguesa como definiu o seu modelo: independência rápida mediante acordo com os movimentos de libertação nacional, aceitando a sua legitimidade e exclusividade de representação.
 
 
IX
Em 19 de Outubro de 1974 ocorreu a “tomada” de Bissau. Na terminologia oficial, terminava o período da “libertação total” e começava a fase da “reconstrução nacional” (cujas maiores expressões iriam ser o III Congresso do PAIGC em 1977 e a frustrada Constituição de 1980, ambas em função do “Programa Maior” do PAIGC).
 
O PAIGC tomou todo o poder. Convolou-se em Partido-Estado. Bissau tornou-se a “cidade-Estado” do território e devorou a própria luta de libertação.  
 
 
 
 
(intervenção, em 25/11/2015, no 25.º aniversário da Faculdade de Direito de Bissau)
 
António Duarte Silva
 
 
 
 

domingo, 29 de novembro de 2015

Images of conviction.

 
 
Faz hoje 70 anos que, pela primeira vez, um filme foi exibido como prova da acusação num julgamento.  O julgamento decorreu em Nuremberga e os réus eram os principais responsáveis nazis capturados vivos. No dia 29 de Novembro de 1945, as luzes apagaram-se na sala de audiências e num écran colocado à frente da assistência e ao lado no espaço entre juízes e réus, no meio de um absoluto silêncio, iniciou-se a projecção do filme Nazi Concentration Camps.
 

 
 
 
Com imagens cuja captação pelas tropas aliadas no momento da libertação dos campos de concentração obedecera a um pormenorizado conjunto de regras e registos com vista à apresentação das mesmas como prova no futuro julgamento dos responsáveis nazis, o seu impacto na sala de audiências foi imenso. Quando acabaram as imagens, os juízes levantaram-se e saíram da sala em silêncio, adiando a audiência.
 
Após a projecção de um mapa com a localização dos campos da morte criados pelos nazis e a leitura de um compromisso de honra de John Ford e George Stevens atestando a veracidade das imagens, o écran encheu-se de horrores captados em diversos campos de concentração: desde as pilhas de cadáveres dos prisioneiros que tinham morrido na manhã do dia da libertação até às câmaras de gás e aos fornos crematórios ainda com cadáveres passando pela talvez mais contundente prova dos crimes cometidos − os prisioneiros que, num estado de extrema fraqueza e miséria, olhavam para as câmara incapazes de esboçar sequer um sorriso pelo fim do pesadelo. 
 
 
 
 
 
 
Embora num curto texto, a história está contada por Christian Delage e é ilustrada com suficiente pormenor e detalhes no livro ”Images of Conviction – The construction of visal evidence” para nos transportar até aquele momento único da história da Humanidade e da Justiça.
 
O livro, com uma imensa qualidade e rigor dos textos e uma excelente apresentação gráfica, debruça-se sobre onze “momentos” da imagem como prova judicial: desde os primórdios da fotografia forense de Alphonse Bertillon até a imagens captadas por um telemóvel de um ataque por um drone no Paquistão passando pelo Santo Sudário, as vítimas de Staline e a destruição de edifícios na Palestina pelo Estado de Israel.
 
 
Uma obra que o Malomil não podia deixar passar e que encontrou na 6.ª edição da Feira do Livro de Fotografia de Lisboa, que ainda pode visitar hoje no Arquivo Municpal de Lisboa – Núcleo Fotográfico na Rua da Palma n.º 246.
 
 
 
Francisco Teixeira da Mota
 
 
 

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Arroz com feijão.

 
 
 
 
 
 

         Gilda, caraças, mais um ano e não me convidaste para a tua feijoada fashion vendetta ! E ouve cá, mulher: aquilo do Kristine Kosta é mesmo koisa de nascença ou só nome artístico? beijinho

 

Caderno de memórias coloniais - 3

 
 





















































Fotografias de António Araújo.
Exposição «Retornar - Traços de Memória»