quinta-feira, 19 de novembro de 2015



impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 


# 32 - HORACE SILVER

 

 

 
 
Tavares da Silva não é nome artístico que se preze, donde Horace ter preferido apelidar-se de Silver, metal refinado e límpido como a sua personalidade.
Horace Silver é filho do sr. João, cabo-verdiano emigrando nos EUA, oriundo da melancólica ilha do Maio, que o pianista homenageia retratando-o na capa do disco “Song For My Father”. Não sendo admissível imaginar um cabo-verdiano sem viola, temos que a música integrou a vida de Horace desde a infância. Profissionalmente a sua carreira foi impulsionada por Stan Getz que tendo tocado com ele numa passagem pelo Connecticut natal de Silver, o levou em tournée, deixando-o depois em Nova Iorque. Foi como pianista residente no clube Birdland que em 1954 Horace Silver se entendeu às mil maravilhas com o baterista Art Blackey, fundando os dois os Jazz Messengers, formação que viria a ser o timbre de Blakey e a mais prolífica escola de jazz. Quando ambos apresentam o tema “The Preacher”, composto por Silver e incluso em “Horace Silver and the Jazz Messengers” de 1954, se puderam saborear as primícias do êxito, também tiveram de amargar a opinião de quem o considerava piroso. Crítica que desentendia o propósito de Horace Silver em compor com um ritmo finger poppin, ou seja, de estalar os dedos em acompanhamento.
Homem de hábitos, Horace Silver permaneceu ligado à etiqueta Blue Note durante 28 anos, até Alfred Lion, o seu lendário fundador, se retirar. Além disso, raríssimas foram as vezes em que não se apresentou em quinteto, o quinteto do hard bop que ele tornou canónico: trompete-tenor-piano-contrabaixo-bateria.
Dizer que Horace foi um dos mentores do hard bop, em parceria com Art Blakey, é uma reificação. O hard bop é hoje o género quase unânime e deveras dominante do jazz, depois de Joe Lovano o ter reavivado desde os finais da década de 80. Mas à época, que já não era bíblica mas ainda assim muito criacionista, a definição não seria inteiramente inequívoca. Chegando a década de 60 a meio, de um lado predominava a placidez tonal do cool jazz, do outro consolidava-se a influência do jazz modal e em fundo, já cresciam as turbulências do free jazz. Ou seja, o be bop parecia um estilo pretérito, venerado mas congelado na história.
É nesta paisagem que sobressaem as virtudes de Horace Silver: desembaraçar o arcaboiço harmónico do bebop do virtuosismo e do excesso de velocidade, tonificá-lo com uma infusão de rhythm-and-blues de bater o pé – atribui-se a Silver a reabilitação do termo funk – e reiterar a carnalidade essencial do jazz, oposta ao sentimentalismo do cool, à secura de acordes do jazz modal e ao racionalismo do free.
 
 

Song For My Father
1964 (2014)
Blue Note 99002
Horace Silver (piano); Joe Henderson, Junior Cook (saxofone tenor); Carmell Jones, Blue Mitchell (trompete); Teddy Smith, Gene Taylor (contrabaixo); Roger Humphries, Roy Brooks (bateria).
 
Sobre um chão rítmico de samba carioca, que havia enfeitiçado Horace Silver numa viagem ao Brasil, dançam melodias que evocam as coladeiras da sua infância. Assim é “Song For My Father” o disco mais lusófono da história do jazz, significativamente sem uma nota de influência portuguesa. E tão agradado ficou Silver com o resultado que no ano seguinte, em 1964 reincide com “The Cape Verdean Blues”. Entre os dois o coração balança e o melhor será ouvi-los de seguida. Mas ainda assim “Song For My Father” apresenta o interesse suplementar de ter duas metades com formações completamente diferentes. Numa, destaca-se o arrebatamento do saxofonista tenor Joe Henderson, cujo fulgor sobe às alturas no tema “The Natives Are Restless Tonight”, na outra impressiona a certeza do trompetista Blue Mitchell, incapaz de soltar uma nota insensata.
Sem desprimor para tudo o que veio depois, “Song For My Father” é um supra-sumo do jazz cuja actualidade o tempo se encarregou de renovar.
 
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 
 
 
 

 

4 comentários:

  1. Boa tarde,

    Tenho seguido com regularidade e muito interesse estas publicações desde o início.

    Reparei que já havia atribuido o número de ordem #32 à entrada correspondente a Bill Evans, de 24 de Setembro. Por acreditar que se trata de um lapso, deixo aqui o meu reparo.

    Cumprimentos,
    jose

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  2. Hmm!? Quase jurava que li ontem aqui um texto do Michel Houellebecq.

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    1. Exacto, sai amanhã, domingo - desculpe!

      Cordialmente

      António Araújo

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  3. Outro grande texto, fui consultar o Rough Guide e lá nada diz sobre a ascendência lusa, uma pena.
    Coloquei o Song com quatro extras em relação ao LP.

    Hope that Saturday will be The Great Day.
    Vocês sabem do que é que eu estou a falar.

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