segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Os últimos 50 anos da História de Portugal: Aspirações realizadas e sonhos por realizar.

 




  

Trata-se de um manual de referência, inteligentemente estruturado para manuseio de um amplo espectro de públicos, percorrem-se as novas realidades ditadas pelo 25 de Abril, uma viagem pelo Estado de Direito, pelo quadro constitucional, o caminho percorrido para sermos uma sociedade mais igualitária e justa a partir das reflexões de oito investigadores, eles vão discretear sobre as liberdades, o lugar de Portugal no concerto europeu e mundial, as voltas que a economia deu, a habitação que se construiu e a que falta construir, o quadro de saúde conquistado e as manifestas urgências, a melhoria educacional e a premência dos desafios e, por último, como estamos a responder à emergência climática e às alternativas energéticas. Escrevem os autores que o rumo é ditado por um mote da Revolução, que Sérgio Godinho cantava: “Só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde e educação (…), quando houver liberdade de mudar e decidir.”

Na gare desta viagem, ao cuidado de se lembrar de que país éramos, a taxa de analfabetismo e de mortalidade infantil, quem possuía estudos universitários, os direitos das mulheres, o policiamento do espírito graças a múltiplas censuras, as farsas eleitorais, e o muito mais que se sabe. Oito investigadores puseram-se a refletir sobre alguns dos progressos das últimas cinco décadas, ficamos a saber o lugar onde estamos e o que falta fazer a partir daqui.

Gozamos de direitos, liberdades e garantias que se expressam em múltiplos domínios, desde as liberdades de expressão e religiosa à participação política. Mas o futuro espreita, há novos desafios e novos contextos de efetivação, há riscos e ameaças, recorde-se a inteligência artificial, a mudança climática, a desorganização em que se encontra o fenómeno da globalização; o hiperindividualismo confronta-se e hostiliza mesmo a era de cuidados, o Estado social está constantemente a ser posto à prova, emergem novos movimentos de emancipação e as novas e velhas desigualdades são mais facilmente cativadas pelas forças populistas e de extrema-direita. É o combate aliciante pelas liberdades.

Vivemos num continente há muitas décadas em paz, com exceção de focos regionais, caso da desagregação da Jugoslávia; a maioria dos portugueses revela satisfação pela pertença à União Europeia; mas há instituições no país que ganharam má imagem, as demoras dos tribunais, a justiça tardia, o grassar da corrupção (mesmo que denunciada e punida); o espectro político alterou-se, cá como por toda a Europa, há verdadeiros combates para instituir reformas e ninguém pode negar os défices de representação e a queda do associativismo, há que encontrar novas formas de dar voz aos cidadãos e abrir espaços de deliberação e participação no processo de decisão política. Até porque é impossível reverter o Estado social, o país ficaria a ferro e fogo.

Mudou profundamente o modo de vida, é ínfima a percentagem de quem trabalha na agricultura, desce o número dos trabalhadores na indústria, o setor dos serviços está em constante empolamento. Genericamente, vivemos muito melhor, apareceu por aí o mantra do empobrecimento, o que é verdade e é mentira, Portugal continua a ser um dos países da Europa com uma maior taxa de incidência de pobreza e uma maior desigualdade, é inaceitável pensar-se em deitar por terra os programas do Estado providência, a questão é delicadíssima, tem a ver com a produtividade, o investimento, e tudo se agravou desde o Covid, a invasão da Ucrânia e a completa incerteza dos preços da energia. O turismo não resolve tudo, como diz um dos autores, o turismo é uma atividade de baixo valor acrescentado, não ajuda muito a aumentar a produtividade do país, o mesmo autor (Luciano Amaral) lembra que ainda não desapareceu a ameaça de insustentabilidade, envelhecemos muito, inverte-se cada vez mais a proporção de ativos por pensionistas, não tenhamos ilusões, o grande problema social português é fundamentalmente um problema económico.

Não se ilude minimamente o pilar da habitação, passa-se em revista como se passou da falta de casas à expansão, como se usou o crédito e como tem evoluído a iniciativa pública, qual o significado da concentração da habitação e não se esconde o peso dos desafios, doravante: regular o mercado de arrendamento, implementar um mercado de arrendamento acessível bem como uma estratégia territorial, e há verdades que não devemos iludir: “A crise da habitação é, afinal, uma crise de ordenamento do território. Uma crise do modo como nos organizamos no espaço; do modo como distribuímos recursos, infraestruturas, equipamentos e atividades; do modo como nos movemos, trabalhamos, habitamos. Sem mapa, sem uma estratégia de ordenamento do território, sem uma real atenção às especificidades de cada contexto e uma verdadeira preocupação com a coesão territorial, não será possível resolver o problema do habitar em Portugal, do qual a atual crise de acesso ao mercado residencial é apenas um sintoma.”

Quero lembrar o leitor que ainda temos pela frente três dossiês de monta: saúde, educação e ambiente. Vamos viajar pelo SNS, analisar os recursos humanos da saúde e a sua gestão, não é novidade para ninguém que nascemos melhor e vivemos mais tempo, tudo isso custa dinheiro, competência, tecnologias apropriadas, meios auxiliares de diagnóstico, uma multiplicidade de cuidados. Todas as respostas estão em suspenso. Viajar pela educação é percecionar as autoestradas do desenvolvimento, a escola vai mudando com a incorporação da digitalização e há um aspeto aliciante que não se pode ignorar: “A escola não só mudou ao fazer lugar para outras culturas, populações e responsabilidades, como se tornou também agente de mudança em perímetros diversificados. Andaremos muito distraídos, ou temos fraca memória, se achamos que a escola não sofreu essas alterações.”

E chegámos à questão ambiental. Por muito tantã mediático que haja, as associações ambientais têm escassa dimensão popular, o que parece um paradoxo com a inequívoca preocupação com as questões climáticas e outras. Faz-se aqui o percurso de 50 anos de políticas de ambiente e de clima, quem discreteia sobre o tema destaca uma sucessão de falhanços em que estamos envolvidos e recorda uma responsabilidade que transcende os poderes do dia, os conflitos de interesses, a ganância e até a miséria moral têm a ver com a discussão que leva 50 anos a localização do novo aeroporto de Lisboa, como alegremente desmantelamos a ferrovia em detrimento de uma opção rodoviária, dos negócios das autoestradas e da idolatria do popó… andamos todos comprometidos, e assobiamos um tanto para o lado com a falta de solidez nas políticas ambientais e climáticas em que podemos condenar as futuras gerações.

De leitura obrigatória, para professores e alunos, especialistas e leigos, estão aqui dados fulcrais sobre as nossas cinco décadas de democracia. 


                                                                                        Mário Beja Santos


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