O
historiador Valentim Alexandre dá-nos conta neste seu trabalho de arromba o
propósito da obra: “Sendo totalmente autónomo, este livro inscreve-se num
projeto mais vasto, que visa fazer o estudo da última fase do colonialismo
português. Noutro volume, intitulado Contra o Vento, seguimos a evolução
do Império, após a Segunda Guerra Mundial, até 1960 – um período caracterizado
pelo movimento de descolonização que, com incidência primeiro na Ásia e depois
em África, levou à desagregação dos sistemas coloniais europeus. A exceção foi
Portugal, que tomou nesta fase um rumo divergente, resistindo aos ‘ventos de
mudança’. O livro depois publicado – Os Desastres da Guerra – Portugal e as
Revoltas em Angola (1961 – janeiro a abril) – tem como centro a análise das
três convulsões que, em começos de 1961, em zonas geográficas diferentes,
abalaram o domínio colonial em Angola – a revolta da Baixa de Cassange, de
janeiro a março; o assalto às prisões de Luanda, em fevereiro; e a insurreição
no norte do território, a partir de 15 de março – assim como das suas
repercussões em Angola e na metrópole. O presente volume retoma o fio dessa
meada em que, a 13 de abril, o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar,
vencido o golpe de Estado conhecido por Abrilada, assumiu a pasta da Defesa,
fazendo-se desde então a mobilização do contingente geral do Exército para
combater a insurreição angolana.”
Nesse
dia 13 de abril, Salazar dera início à remodelação governamental, num breve
discurso anuncia que se irá avançar para Angola, rapidamente e em força. A
opinião pública ignora que houve uma tentativa de golpe de Estado, quem
promovia alterar o curso dos acontecimentos era um movimento encabeçado pelo
próprio ministro da Defesa, Botelho Moniz, escrevera-se a Salazar uma carta,
falava-se em situação angustiosa e em breve insustentável das Forças Armadas,
havia que restituir ao país as liberdades essenciais, entre outros argumentos.
O ditador não desconhece que há sinais de ebulição nas colónias africanas, a
Guiné está cercada de países independentes, o Congo deixou de ser belga, há
crise na Federação das Rodésias e da Niassalândia, os efetivos militares portugueses
são mínimos, mas outras colónias conhecem surtos nacionalistas e há pressões
para a sua anexação no Estado da Índia. Adriano Moreira é o novo ministro do
Ultramar, é nesse período dramático que ele se dirige a Angola, percorre as
zonas em turbilhão, discursa, anuncia reformas, publica diplomas, não são
medidas de fundo, e o ministro sabe perfeitamente que não pode contar com
grandes aberturas por parte de Salazar, a rutura virá no ano seguinte.
Reocupa-se
em termos militares o norte de Angola, os primeiros batalhões e outros
contingentes são deslocados para os locais onde houvera massacres, e onde os
próprios angolanos tinham fugido face às atrocidades da UPA, que,
demonstradamente, não trazia preparação para lutar em termos de guerrilha. A
questão angolana é analisada na ONU, o regime de Salazar descobre que nem os
Estados Unidos estão do seu lado e há velhos aliados que se abstêm nas
votações, a favor só se manifestam a África do Sul e a Espanha. A propaganda
portuguesa exibe os massacres e monta um discurso que ganhará perenidade: os
terroristas vem de fora, são apoiados pelos comunistas, Portugal passou a estar
na vanguarda da defesa do Ocidente. E, contudo, os velhos aliados continuam a
fazer bons negócios e a dar ajudas a Portugal.
Valentim
Alexandre disseca a essências das reformas, procura-se acabar com o trabalho
forçado e com as monoculturas de entidades estrangeiras. Cedo se percebe que
era necessário revogar o Estatuto do Indigenato, para ter um mínimo de
credibilidade a nível internacional. Discute-se a integração económica do
espaço português, o autor disseca o relacionamento da UPA com o MPLA (este
ainda tinha um papel extremamente tímido na alvorada da luta armada e a UPA
beneficiava de um melhor tratamento internacional, da Argélia aos Estados
Unidos). É-nos também dado um mapeamento das forças partidárias envolvidas no
conflito angolano e quais a suas linhas de clivagem. Regressamos Às
fragilidades do Império português, no caso da Guiné, o PAIGC já está a preparar
quadros, um movimento de manjacos ataca em S. Domingos, Susana e Varela e
depois umas emboscadas (pratica atos de vandalismo e depois sai do teatro de
guerra.
Tudo
se adensa na cena internacional, o regime tem cada vez mais dificuldade de
argumentação tanto junto da NATO como em Nova Iorque. Na cena interna, como
observa o autor, “O PCP era a única força de oposição que tinha uma perspetiva
anticolonial definida desde 1955, na sequência da crise de Goa. Nos anos
seguintes, o PCP seguiu com grande atenção a questão colonial, a que dava um
largo espaço no jornal Avante!, onde se denunciava a repressão exercida
nas colónias. O PCP manteve a mesma linha, no essencial, em começos de 1961,
após as rebeliões em Angola.” Anteriormente o autor dera-nos conta como o
conceito imperial vincara o republicanismo e a oposição liberal ao Estado Novo
aparecia ou a calar ou a consentir a defesa do Ultramar português, como se vira
no ato eleitoral que ocorrera em 1961.
A
síntese da obra neste volume de mais de quinhentas páginas dá-nos uma grande
angular da natureza da resposta do regime, do tal quadro que condicionava a
política colonial portuguesa e a dos anos de 1870, naquilo que mais tarde se
irá chamar o Terceiro Império, a saga africana, um lastro histórico que
Valentim Alexandre aprecia numa escrita luminosa, abrindo caminho para o que se
segue, a questão da reforma do regime colonial português, o ditador é
fortemente centralizador e há os defensores da gradual autonomia, isto é, as
relações políticas entre as diversas parcelas do Império. “Adiada em 1961, pela
premência que a insurreição no norte de Angola criava, a questão eclodirá no
ano seguinte, num debate tumultuoso, que culminará em outubro numa célebre reunião
plenária do Conselho Ultramarino. No campo das relações económicas deu-se um
passo importante na via de criação do ‘espaço económico português’ tendente a
estabelecer a livre circulação de mercadorias de origem nacional entre os
vários territórios.”
É
impressionante o trabalho deste historiador que lançou mãos a algo que só é
imaginável nas mãos de uma farta equipa – parece que estamos a acompanhar mês a
mês, com o pano de fundo da maré anticolonial (1945-1960), as vicissitudes do
fim do Império, com uma ordem de trabalhos e um rigor inatacáveis.
De
leitura obrigatória.
Mário
Beja Santos
Sem comentários:
Enviar um comentário