quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Angola, 1961, começou a defesa do Império: Documentação e análise de um rigor dificilmente atingível por um só investigador.




O historiador Valentim Alexandre dá-nos conta neste seu trabalho de arromba o propósito da obra: “Sendo totalmente autónomo, este livro inscreve-se num projeto mais vasto, que visa fazer o estudo da última fase do colonialismo português. Noutro volume, intitulado Contra o Vento, seguimos a evolução do Império, após a Segunda Guerra Mundial, até 1960 – um período caracterizado pelo movimento de descolonização que, com incidência primeiro na Ásia e depois em África, levou à desagregação dos sistemas coloniais europeus. A exceção foi Portugal, que tomou nesta fase um rumo divergente, resistindo aos ‘ventos de mudança’. O livro depois publicado – Os Desastres da Guerra – Portugal e as Revoltas em Angola (1961 – janeiro a abril) – tem como centro a análise das três convulsões que, em começos de 1961, em zonas geográficas diferentes, abalaram o domínio colonial em Angola – a revolta da Baixa de Cassange, de janeiro a março; o assalto às prisões de Luanda, em fevereiro; e a insurreição no norte do território, a partir de 15 de março – assim como das suas repercussões em Angola e na metrópole. O presente volume retoma o fio dessa meada em que, a 13 de abril, o Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, vencido o golpe de Estado conhecido por Abrilada, assumiu a pasta da Defesa, fazendo-se desde então a mobilização do contingente geral do Exército para combater a insurreição angolana.”

Nesse dia 13 de abril, Salazar dera início à remodelação governamental, num breve discurso anuncia que se irá avançar para Angola, rapidamente e em força. A opinião pública ignora que houve uma tentativa de golpe de Estado, quem promovia alterar o curso dos acontecimentos era um movimento encabeçado pelo próprio ministro da Defesa, Botelho Moniz, escrevera-se a Salazar uma carta, falava-se em situação angustiosa e em breve insustentável das Forças Armadas, havia que restituir ao país as liberdades essenciais, entre outros argumentos. O ditador não desconhece que há sinais de ebulição nas colónias africanas, a Guiné está cercada de países independentes, o Congo deixou de ser belga, há crise na Federação das Rodésias e da Niassalândia, os efetivos militares portugueses são mínimos, mas outras colónias conhecem surtos nacionalistas e há pressões para a sua anexação no Estado da Índia. Adriano Moreira é o novo ministro do Ultramar, é nesse período dramático que ele se dirige a Angola, percorre as zonas em turbilhão, discursa, anuncia reformas, publica diplomas, não são medidas de fundo, e o ministro sabe perfeitamente que não pode contar com grandes aberturas por parte de Salazar, a rutura virá no ano seguinte.

Reocupa-se em termos militares o norte de Angola, os primeiros batalhões e outros contingentes são deslocados para os locais onde houvera massacres, e onde os próprios angolanos tinham fugido face às atrocidades da UPA, que, demonstradamente, não trazia preparação para lutar em termos de guerrilha. A questão angolana é analisada na ONU, o regime de Salazar descobre que nem os Estados Unidos estão do seu lado e há velhos aliados que se abstêm nas votações, a favor só se manifestam a África do Sul e a Espanha. A propaganda portuguesa exibe os massacres e monta um discurso que ganhará perenidade: os terroristas vem de fora, são apoiados pelos comunistas, Portugal passou a estar na vanguarda da defesa do Ocidente. E, contudo, os velhos aliados continuam a fazer bons negócios e a dar ajudas a Portugal.

Valentim Alexandre disseca a essências das reformas, procura-se acabar com o trabalho forçado e com as monoculturas de entidades estrangeiras. Cedo se percebe que era necessário revogar o Estatuto do Indigenato, para ter um mínimo de credibilidade a nível internacional. Discute-se a integração económica do espaço português, o autor disseca o relacionamento da UPA com o MPLA (este ainda tinha um papel extremamente tímido na alvorada da luta armada e a UPA beneficiava de um melhor tratamento internacional, da Argélia aos Estados Unidos). É-nos também dado um mapeamento das forças partidárias envolvidas no conflito angolano e quais a suas linhas de clivagem. Regressamos Às fragilidades do Império português, no caso da Guiné, o PAIGC já está a preparar quadros, um movimento de manjacos ataca em S. Domingos, Susana e Varela e depois umas emboscadas (pratica atos de vandalismo e depois sai do teatro de guerra.

Tudo se adensa na cena internacional, o regime tem cada vez mais dificuldade de argumentação tanto junto da NATO como em Nova Iorque. Na cena interna, como observa o autor, “O PCP era a única força de oposição que tinha uma perspetiva anticolonial definida desde 1955, na sequência da crise de Goa. Nos anos seguintes, o PCP seguiu com grande atenção a questão colonial, a que dava um largo espaço no jornal Avante!, onde se denunciava a repressão exercida nas colónias. O PCP manteve a mesma linha, no essencial, em começos de 1961, após as rebeliões em Angola.” Anteriormente o autor dera-nos conta como o conceito imperial vincara o republicanismo e a oposição liberal ao Estado Novo aparecia ou a calar ou a consentir a defesa do Ultramar português, como se vira no ato eleitoral que ocorrera em 1961.

A síntese da obra neste volume de mais de quinhentas páginas dá-nos uma grande angular da natureza da resposta do regime, do tal quadro que condicionava a política colonial portuguesa e a dos anos de 1870, naquilo que mais tarde se irá chamar o Terceiro Império, a saga africana, um lastro histórico que Valentim Alexandre aprecia numa escrita luminosa, abrindo caminho para o que se segue, a questão da reforma do regime colonial português, o ditador é fortemente centralizador e há os defensores da gradual autonomia, isto é, as relações políticas entre as diversas parcelas do Império. “Adiada em 1961, pela premência que a insurreição no norte de Angola criava, a questão eclodirá no ano seguinte, num debate tumultuoso, que culminará em outubro numa célebre reunião plenária do Conselho Ultramarino. No campo das relações económicas deu-se um passo importante na via de criação do ‘espaço económico português’ tendente a estabelecer a livre circulação de mercadorias de origem nacional entre os vários territórios.”

É impressionante o trabalho deste historiador que lançou mãos a algo que só é imaginável nas mãos de uma farta equipa – parece que estamos a acompanhar mês a mês, com o pano de fundo da maré anticolonial (1945-1960), as vicissitudes do fim do Império, com uma ordem de trabalhos e um rigor inatacáveis.

De leitura obrigatória.


                                                                                               Mário Beja Santos




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