domingo, 21 de dezembro de 2025

São Cristóvão pela Europa (337).

 

 

Este post trata das últimas imagens de São Cristóvão no distrito austríaco de Spittal na der Drau no Estado da Caríntia, todas ao longo do rio Drau. O rio Drau desagua no Danúbio já na Sérbia.

Em Berg im Drautal, duas igrejas têm imagens do nosso Santo. A igreja paroquial é dedicada à Natividade de Maria. Românica no início, foi fortificada no Século XV. No exterior, um fresco da primeira metade do Século XV representa São Cristóvão.

 



A outra igreja é dedicada a Santo Atanásio. Junto ao rio Drau, foi consagrada em 1485. Segundo a tradição, a primitiva igreja teria sido fundada pelo próprio Santo que foi Bispo de Alexandria. Na sequência do Concílio de Niceia, de que recentemente foram celebrados os 1700 anos com a presença do Papa, o Bispo foi exilado para Trier na actual Alemanha. No caminho instalou-se nesta região e terias fundado a igreja.

No exterior, dois frescos de São Cristóvão. Datam de cerca de 1400.

 




A pequena Igreja de são Jorge em Gerlamoos, originalmente românica, ostenta um fresco exterior de São Cristóvão.

 



Finalmente, em Gajach, a Igreja de Santo André, em estilo gótico tardio, tem no seu interior, um fresco com uma imagem de São Cristóvão.

 

 




                                                                    Fotografias de 2 de Agosto de 2025

                                                                                                     José Liberato


domingo, 14 de dezembro de 2025

São Cristóvão pela Europa (336).

 

 

 

Ao longo do rio Möll, afluente do Drava, são várias as aldeias onde podemos encontrar imagens do nosso Santo.

Em Lainach, a igreja paroquial, mistura de elementos góticos tardios e barrocos, é dedicada a Santa Margarida. Foi consagrada em 1521. No exterior, um mural representando São Cristóvão.

 



 

Heiligenblut (que quer dizer sangue sagrado) é um município a cerca de 1300 metros de altitude no sopé da montanha Grossglockner que se ergue a 3800 metros de altura. A Igreja paroquial é dedicada a São Vicente. A pintura de São Cristóvão na fachada norte da igreja será do final do Século XV.



 


A igreja de Maria Dornach em Miitteldorf foi consagrada em 1491. É importante ponto de peregrinação. No exterior, um mural do nosso Santo.

 



Finalmente em Zwickenberg, a igreja paroquial é dedicada a São Leonardo. Ostenta não um mas dois frescos representando o nosso Santo. Um do Século XIII que estava tapado e foi descoberto em 1942. Outro, que sempre esteve visível, data de cerca de 1500.

 




                                                Fotografias de 2 de Agosto de 2025

                                                                                 José Liberato




sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

São Cristóvão pela Europa (335).

 

 

 

O Millstättersee, ou lago de Millstatt, é o segundo maior lago da Áustria. Situa-se a mais de 500 metros de altitude e tem uma profundidade que ultrapassa os 140 metros. Há quem diga que o seu nome tem origem nas mil imagens pagãs que São Domiciano teria deitado ao lago aquando da sua conversão ao cristianismo na época de Carlos Magno. Trata-se provavelmente de uma fábula, mas o que é certo é que se insere numa paisagem de grande beleza.

 


Na sua proximidade, várias igrejas contêm imagens de São Cristóvão.

Em Obermillsttat, que se pode traduzir como Millstatt de Cima, a Igreja de São João Baptista contem um curioso quadro de meados do Século XVIII representando sete santos auxiliares (Santa Bárbara, Santa Margarida, Santa Catarina, São Vito, São Pantaleão, Santo Acácio e São Cristóvão). Ora os santos auxiliares são catorze, o que leva a pensar que terá existido outro quadro com os restantes sete.






Nos arredores de Gmund in Kärnten, a Igreja de Santa Maria Madalena, originalmente românica, mencionada desde 1455, foi atribuída ao culto protestante em 1988. No exterior, uma pintura de São Cristóvão.

 



Em Malta, a Igreja paroquial, construída no Século XI, é dedicada à Assunção de Maria. No exterior, um fresco do Século XIV representa um enorme São Cristóvão. Com uma curiosidade. Aos pés do Santo um autêntico rato Mickey. O conjunto foi descoberto em 2002.

 




                                                               Fotografias de 1 de Agosto de 2025

                                                                                                   José Liberato


sábado, 6 de dezembro de 2025

São Cristóvão pela Europa (334).

 

 

 

Seguindo nas margens do rio Drava, cheguei a Nikelsdorf. A sua Igreja de São Nicolau foi totalmente reconstruída em 1905. No exterior, um mural bastante danificado representando São Cristóvão, assim como um pequeno oratório.

 




Paternion é a sede do município. Na fachada de um edifício de habitação junto à Hauptstrasse, um belo mural datado de 1972 e da autoria do pintor austríaco Anton Hafner (1912-2012).

 

 

E entramos no distrito de Spittal an der Drau.

Em Kaning, a Igreja de São João Baptista exibe um fresco de 1515 da autoria do pintor austríaco Urban Görtschacher que voltaremos a encontrar.

 


 

Finalmente, em Sappl, a Pensão São Cristóvão tem uma estátua do nosso Santo em madeira.

 



                                                    Fotografias de 1 de Agosto de 2025

                                                                                        José Liberato




domingo, 30 de novembro de 2025

Um tempo histórico turbilhonante numa investigação não menos fulgurante.

 


 

 

 

          Maria Inácia Rezola é uma historiadora com créditos firmados da história contemporânea portuguesa, foi Comissária Executiva das Comemorações dos 50 anos do 25 de abril. Esta obra, Revolução, A Construção da Democracia Portuguesa, Publicações Dom Quixote, novembro 2025, tem como ponto de partida um outro não menos excelente trabalho, datado de 2007, 25 de Abril – Mitos de uma Revolução.

          Na introdução, e não por acaso, alude aos eventos do 25 de novembro, uma memória em disputa, marca uma fratura dos partidos políticos da esquerda à direita, cada um lê de acordo com as suas conveniências, como ela detalhará adiante houve mais do que um 25 de novembro, no evento estiveram envolvidos apoiantes do “Grupo dos 9”, com interlocução perto do PS, a esquerda revolucionária, com atividade otelista (COPCON), dos SUV, da FUR, com presença esporádica do PCP, que terá saído das manobras do golpe a tempo e horas; poderá falar-se também dos spinolistas e da direita, em convergência com os grupos bombistas, associados ou não ao ELP e MDLP. Esta intervenção, conjugada ou desarticulada, entre spinolistas e bombistas, não aparece ainda devidamente estudada.

          A autora procura oferecer uma síntese atualidade da Revolução dos Cravos. “Recorre não apenas à produção já consolidada da historiografia, mas também a investigações e publicações que, nos últimos anos, enriqueceram o conhecimento sobre os contextos, os protagonistas e as dinâmicas do processo revolucionário e a história do nascimento da democracia portuguesa. Procura cruzar diferentes perspetivas – a história política e institucional, a história militar e a história social -, sublinhando o entrelaçamento entre decisões tomadas no interior das elites e a mobilização dos setores populares e movimentos sociais.” Uma investigação repartida em três módulos: a conspiração dos capitães e a passagem dos quartéis à revolução; a imersão na energia popular de um país frenético, convulsionado; a itinerância da revolução à constitucionalização da ordem democrática. Observam-se os conflitos políticos, sociais e ideológicos que marcaram o percurso entre abril de 1974 e julho de 1976.

          Ponto um, tudo começa com um caetanismo caído num impasse, a ilusão liberal desvanecera-se, caminhava-se para a exaustão dos meios e dos recursos nas frentes da guerra colonial, a juventude universitária agitava-se, faziam-se greves, havia novas organizações da extrema-esquerda, uma ala do catolicismo contestava a guerra colonial, desde maio de 1973 que o PAIGC anulara a supremacia aérea portuguesa e dava provas inequívocas de ser um movimento libertador quem tomava a iniciativa ofensiva; e as coisas estavam a  correr muito mal em Moçambique, a FRELIMO atuava perto da Beira, a crise petrolífera de 1973 fazia explodir os preços; as reivindicações corporativas dos oficiais do quadro permanente abriram um ciclo de reuniões e em breve os militares puseram o foco no derrube do regime. Tudo somado e multiplicado, pôs-se em marcha a Operação “Viragem Histórica”.

          Ponto segundo, a historiadora desenha ao detalhe o processo conspirativo, a importância do livro de Spínola na evolução dos acontecimentos, o estabelecimento de um programa por parte dos capitães, iremos ver os momentos-chave do dia 25 de abril, do golpe desponta um conjunto de órgãos de soberania, cedo começa o conflito entre Spínola e as fações do MFA, forma-se Governo, cai Governo, Spínola perde autoridade, a questão colonial está permanentemente no ar, Spínola joga na mobilização popular e perde, demite-se; há disputas no MFA, germina o processo revolucionário, segue-se o 11 de março, a revolução vira notoriamente à esquerda, é nesta atmosfera que se realizam as eleições de 25 de abril de 1975, a autora apresenta-nos as forças partidárias, o carácter das negociações prévias com o MFA, a rotura acelera-se depois dos resultados eleitorais, os conflitos entre militares ganham aceleração, o poder popular manifesta-se em ocupações, comissões dos moradores, radicalização e greves, reforma agrária, a esquerda revolucionária instala-se nos quartéis – não há equívocos quanto à dimensão da crise do Estado, é um país onde a guerra civil está à espreita.

          A autora recorda-nos que em agosto de 1975 a revolução parecia ter atingido o seu clímax, sucedia-se a crise política, a fragmentação do MFA a tensão social era iniludível. Em setembro, uma assembleia do MFA em Tancos, contesta abertamente Vasco Gonçalves, impõe-se o “Grupo dos 9” que tem à cabeça um ideólogo, Melo Antunes. Do verão escaldante passamos a um outono escaldante. E dá-se o 25 de novembro, é aqui que a autora questiona quantos golpes de 25 de novembro existiram; e em remate da derrota da extrema-esquerda militar reconhece-se o papel determinante do general Costa Gomes, da sua atuação firme e categórica, do posicionamento do “Grupo dos 9” após o desabamento de qualquer golpe revolucionário, travou-se a sanha revanchista da extrema-direita militar e política. Spínola pôs termo à sua rede bombista e conspirativa.

          Ponto terceiro, chegou a hora da institucionalização da ordem democrática. A revisão do pacto MFA- Partidos e qual o papel das forças armadas na vida política tornou-se na questão dominante, o pacto foi revisto, a historiadora dá-nos conta das negociações e da multiplicidade de tomadas de decisão até se chegar a um Conselho de Revolução que obteve consenso partidário, chegou-se ao II Pacto MFA- Partidos, enquanto tudo isso se passava surgiu a tensão À volta do reconhecimento da República Popular de Angola. A Constituição é aprovada em 2 de abril de 1976, seguir-se-ão as primeiras eleições legislativas. Aqui se conta como se forjaram as primeiras eleições legislativas, seguem-se as eleições presidenciais. Estava encerrada a fase revolucionária, abria-se a porta à institucionalização da democracia portuguesa.

          Em jeito de conclusão, a autora recapitula os principais acontecimentos entre o 25 de abril e o 25 de novembro e dirá que o grande mérito do 25 de novembro foi o de ter criado as condições para assegurar um desfecho democrático da Revolução, a Constituição foi alvo de um compromisso delicado, mas que, na prática, consagrava a supremacia do poder civil sobre o militar. “O balanço da revolução não se esgota no período 1974-1976: prolonga-se nos usos políticos e culturais que moldaram a memória pública. O Portugal democrático construiu-se sobre a tensão entre estes dois marcos, 25 de abril e 25 de novembro, não como datas opostas, mas como momentos complementares. Permanece a herança maior: a conquista irreversível da liberdade e a institucionalização de uma democracia pluralista.”

          Ensaio de historiografia mais do que recomendado, dá-nos a compreensão de como se consolidou meio século de paz na vida portuguesa, como nunca tinha acontecido.

 

 

Mário Beja Santos

 


quarta-feira, 26 de novembro de 2025

São Cristóvão pela Europa (333).

 

 

 

Entre 31 de Julho e 3 de Agosto últimos viajei pela Áustria, País onde abundam, como sabemos, as imagens de São Cristóvão.

Estive no Estado da Caríntia nos distritos de Villach-Land, Spittal an der Drau e Hermagor e no Estado do Tirol.

Comecei pelo distrito (bezirk) de Villach-Land que, na realidade, constitui a Área Metropolitana da cidade de Villach.

Em Göriach, a igreja de São Martinho foi destruída pelos Turcos durante a sua ocupação da Região em 1478. Foi reconstruída no final do Século XV. No exterior, um pouco apagado, um fresco representando o nosso Santo.



 

Muito próximo da cidade de Villach, em Obere Fellach, ergue-se a Igreja de São Tomé. Data de 1486 e no seu interior pode-se visitar um belo altar de abas. Ao centro, São Nicolau e São Tomé. Nas abas, a Anunciação, a Natividade de Cristo, o Baptismo de Cristo e a Decapitação de São João Baptista. Em baixo, na predela, São Jorge, São Martinho, São Cristóvão e São Roque.

 



 

Obere Fellach é a primeira de um conjunto de localidades ao longo do vale do rio Dava onde existem imagens do nosso Santo. A seguinte é Weissenstein.

A igreja paroquial é dedicada a São Leonardo. No exterior, frescos da segunda metade do Século XIV, descobertos em 1974 pois encontravam-se tapados. Um deles do nosso Santo. No interior, um altar lateral exibe os catorze santos auxiliares entre os quais São Cristóvão.






 

A Capela Maria am Bichl situa-se em Feistritz an der Drau e também possui um fresco exterior do princípio do Século XVI representando São Cristóvão. O fresco foi prejudicado pela construção de uma janela.

 



                                     Fotografias de 31 de Julho e 1 de Agosto de 2025

    

                                                                                              José Liberato

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Um conhecido jornalista burguês elogia o comunismo, é sincero, mas não convence.

 

 



         

        Portugal dá um Presidente ao Conselho Europeu, tem permanentemente medalhados olímpicos, pensadores de relevo como António Damásio, mas é de uma pobreza franciscana quanto a pensamento político, não há na praça um teórico de que se possa fazer menção, sem desprimor para figuras como Francisco Louçã ou o saudoso Eduardo Lourenço. Como propostas de renovação de teoria política, estamos entre a nulidade e os comentadeiros.

É meritório, digo mesmo corajoso, um jornalista com avultado currículo, escrever um livro para elogiar as suas convicções, ainda por cima dizendo-se comunista de pedra e cal. Regresso ao primeiro parágrafo. O país progrediu muito com a democracia, mas é assustadoramente pobre não só em filosofia política, como na apresentação dos quadros ideológicos, por via partidária, estejam eles ou não relacionados com o trotskismo, o maoismo, as diferentes estirpes da esquerda revolucionária, o marxismo-leninismo tal como se praticou de 1917 a 1989 e os seus adjacentes atuais, a social-democracia (vestindo a roupagem do socialismo democrático ou do histórico trabalhismo norueguês ou sueco), as doutrinas conservadoras que têm o desplante de se apresentarem como sociais-democratas, o conservadorismo-liberal, o liberalismo de recente extração e a doutrinação populista que copia fielmente o que se exprime em vários continentes, com as consagradas cambiantes de racismo, xenofobia, discurso do ódio, algazarra comunicacional para camuflar os seus verdadeiros intentos.

          Porque sou Comunista, por Pedro Tadeu, Confissões de um jornalista burguês, Zigurate, 2025, traz curiosamente uma badana que é um chamariz sobre possíveis respostas que o autor, profundo crente do comunismo, pretende abordar: a humanidade precisa de religião? O culto da personalidade é um perigo? Nunca houve fascismo em Portugal? O wokismo é um absurdo? Um jornalista pode ser comunista? Os crimes do comunismo existiram? O 25 de novembro deve ser celebrado? O mundo é péssimo, mas não há alternativa? Ora com estes aliciantes não há leitor que não resista em embrenhar-se num manifesto ideológico que já cativou meio mundo e que hoje é manifestamente residual, passe o paraninfo que ele nos vai reservar nesta obra.

          O que Pedro Tadeu nos pretende dar não é a validação das teorias do marxismo-leninismo para o século XXI, diz mesmo que podia correr o risco de produzir uma vulgata de má qualidade. Coligiu uma série de textos que já tinha escrito, dispersos em artigos de opinião e publicados em jornais, bem como em palestras e intervenções públicas e propõe-se dar 26 respostas que vão desde a religião, passando pela Festa do Avante!, pelo antifascismo e pela recusa do despotismo norte-americano, exprimindo calorosamente a defesa acérrima ao Serviço Nacional de Saúde; e mais, os comunistas têm uma alternativa, iremos saber qual.

          Diz-se embaraçado pelo assunto da religião, não tem fé e não pode entender quaisquer manifestações de fé, fica caladinho. Revela que perdeu o pai aos 9 anos, nesse dia deixou de acreditar em Deus. Espero que alguém que já tenha lido o seu livro lhe tenha explicado o que é a fé, a esperança e a caridade, invocada perante as câmaras da televisão, pelos palestinianos massacrados em Gaza, os sudaneses assassinados, os cristãos aviltados e queimados no Iraque ou no Paquistão. Afinal não fica caladinho, dirá que a religião deve estar cada vez mais limitada às questões do transcendente e ser substituída pelo dever coletivo de regular corretamente a nossa vida, isto a despeito de elogiar o Papa Francisco e a suas encíclicas que não estão nada limitadas às questões do transcendente.

          Irá falar-nos das liberdades burguesas e dirá que a palavra liberdade, para os comunistas tem um sentido verdadeiramente libertador e não apenas o de uma falácia legitimadora do pensamento dominante das elites políticas e económicas. Ponto curioso, ao longo de todo o seu elogio revela um grande alheamento às transformações provocadas por aquela sociedade de consumo oriunda do pós-guerra em que houve Guerra Fria, os soviéticos a exaltar a satisfação das necessidades básicas e coletivas e o mundo ocidental, com o farol nos EUA, a exaltar a livre iniciativa, o crescimento e o bem-estar adveniente das panóplias do consumo. Goste-se ou não, mesmo nos regimes oligárquicos ou teocráticos os princípios da livre iniciativa, da criatividade e da liberdade de opinião, podem ser reprimidos, mas acabam sempre por se impor, veja-se as obras clandestinas do cinema ou da literatura.

          Voltamos à sociedade de consumo e aos sucessivos saltos tecnológicos. Em 1973, Daniel Bell publicou uma obra altamente polémica, O advento da sociedade pós-industrial, teorizava o fim do predomínio agrário e industrial e a ascensão imparável do terciário, com todas as suas consequências, uma delas a alteração das classes trabalhadoras e das suas necessidades. Como se viu, Daniel Bell foi mais do que um profeta na sua antevisão, é nesse mundo em que vivemos. Pedro Tadeu desvela-se a mostrar como funciona o PCP, como este é discriminado, e não só nos meios de comunicação social, falará do machismo, do feminismo, do wokismo, comentará as razões pelas quais os comunistas são contra as guerras, embora adiante que para um comunista a história humana é fundamentalmente resultado do confronto permanente das contradições e das lutas de classes sociais, observando que isso do consenso é credo dos donos do sistema, os consensos são congeminados pelas elites e nas costas dos trabalhadores.

          Para além de manifestar o seu orgulho de comunista, de vez em quando aborda a superioridade dos comunistas, mesmo com pezinhos de lã: “Os horizontes de um intelectual comunista, independentemente dos seus interesses pessoais, das suas capacidades, do seu talento, da sua erudição, das suas relações, são necessariamente largos e, atrevo-me a dizê-lo, quase sempre mais largos do que os dos intelectuais não-comunistas.”

          Iremos saber o que Pedro Tadeu tem a dizer sobre a luta de classes, a organização de greves, a exuberância sem rival da Festa do Avante!, a relutância que têm ao culto da personalidade, porque admiram a Revolução de Outubro, porque são antifascistas, celebram o 25 de abril e não celebram o 25 de novembro… até que finalmente os comunistas, que anseiam transformar o mundo, têm uma alternativa, e di-lo sem rebuço: “Criar uma sociedade onde os meios de produção não são, à partida, privados, mas um bem comum da população, e onde o poder que os governara é dominado ou controlado pela classe trabalhadora.” Porque será que esta alternativa não é referendada pela generalidade do eleitorado? Bem, o Pedro Tadeu não escreveu este livro para teorizar e esboçar a alternativa, é humilde e não se quer meter em cavalarias altas. Dá para perguntar o que nos pretende confessar este jornalista dito burguês.

 

                                                                        Mário Beja Santos


quinta-feira, 20 de novembro de 2025

A operação Mar Verde, à luz das mais recentes investigações.



         

          Como observa o investigador José Matos, a Operação Mar Verde, desencadeada em novembro de 1970 por um contingente das Forças Armadas Portuguesas e um agrupamento de oposicionistas do regime de Sékou Touré, foi das mais ousadas levadas a cabo durante toda a guerra colonial. Resta dizer que trouxe terríveis consequências para o Governo de Marcello Caetano, marcou o isolamento diplomático português ao seu nível mais baixo. Há significativa literatura sobre esta operação, inclusivamente José Matos e o investigador Mário Matos e Lemos já se tinham debruçado sobre o assunto. As limitações para investigar são muitas, mas foi possível juntar mais documentação e trazer novas informações a público. A obra intitula-se Ataque Secreto, Operação Mar Verde em Conacri, Guerra e Paz 2025.

As peripécias da operação são por demais conhecidas. Uma força naval portuguesa, em 22 de novembro de 1970, cercou a capital da República da Guiné. De acordo com o plano operacional elaborado por Alpoim Calvão, usou-se a escuridão da noite e desembarcaram vários grupos de tropas especiais em pontos estratégicos da cidade.

Calvão propusera esta operação inicialmente com objetivos mais modestos, foram crescendo depois os objetivos. E da libertação dos prisioneiros portugueses e do afundamento das embarcações do PAIGC, passou a sonhar-se com um golpe de Estado que derrubasse Sékou Touré, de modo que o novo Governo, amigável com o Estado Novo, levasse ao afastamento do PAIGC naquele país, que lhe dava um apoio fundamental. A operação contou com o apoio total de Spínola, Caetano aprovou-a, ministros do seu Governo mostraram radical oposição. José Matos levanta interrogações de peso que hoje nos fazem pensar no que houve de leviano e temerário, faltou uma verdadeira medição dos prós e contras: seria praticamente impossível não associar Portugal ao golpe, até porque havia a possibilidade de capturar Amílcar Cabral (dividem-se os investigadores se não se pretendia acima de tudo a sua liquidação física) o que deixaria Spínola com um problema em mãos; questiona se o aureolado comandante-chefe ficaria mesmo numa situação vantajosa para negociar com o líder dos nacionalistas uma saída pacífica para a guerra de guerrilhas, ou a guerrilha continuaria a lutar; o que seria se houvesse a perda de apoio na Guiné Conacri com a mudança de regime e a captura (ou morte?) de Amílcar, esta mudança levaria a guerrilha a desistir da luta?; e por quanto tempo seria possível manter um Governo desta oposição a Sékou Touré, um Governo do Front de Libération Nationale de la Guinée sem uma intervenção externa ou contra as forças do PAIGC e de Cuba que estavam no país?

São questões cruciais e a historiografia existente passa-lhe ao lado. Inequivocamente, Spínola perdera a ilusão de quebrar a espinha ao PAIGC, depois dos dramáticos acontecimentos de abril passado, com o massacre de uma equipa de negociadores no chão Manjaco. Perdera-se qualquer paridade no armamento, o PAIGC tinha um conjunto significativo de bases territoriais e com controlo administrativo, escolas e hospitais, o projeto de Armazéns do Povo estava em marcha. O Governador e comandante-chefe deste maio de 1968, imprimiu uma nova estratégia, recebeu fundos chorudos, constituiu a sua própria equipa, estabeleceu um plano de abandono de destacamentos, anunciou uma política dominada “Por uma Guiné melhor”, nesse mesmo ano de 1970 apareceram Congressos do Povo destinados a conquistar o apoio das comunidades tribais. Sempre que se desloca a Lisboa e participa nas reuniões do Conselho Superior de Defesa Nacional, fala categoricamente no agravamento da situação, pede mais meios humanos e materiais. Logo na exposição que faz ao Conselho em 8 de novembro de 1968, ficou escrito em ata que “O senhor Governador da Guiné voltou a salientar que é imperativamente necessário evitar que o inimigo atinja a fase de implantação militar em todo o território da Guiné, sob pena de a nossa soberania ficar irremediavelmente perdida”.

Não deixa de ser curiosa a comparação da correspondência de Schulz e de Spínola a pedir meios aéreos mais suscetíveis de fazer recuar a presença dos grupos do PAIGC dentro do território, só em abril de 1974 é que as negociações para a aquisição de aviões Mirage pareciam bem encaminhadas. Acresce que o PAIGC já podia contar com a ajuda cubana e apoio humanitário da Suécia. A presença do PAIGC na República da Guiné era por demais evidente. É então que descobre que havia um movimento de dissidentes da Guiné-Conacri dispostos a derrubar Sékou Touré, foi assim que nasceu a convergência com Alpoim Calvão, este idealizara somente a libertação dos prisioneiros portugueses e o afundamento dos meios navais inimigos.

José Matos faz-nos uma resenha dos antecedentes da Mar Verde, da evolução dos objetivos para a operação, cedo se começou a verificar que a oposição a Sékou Touré tinha imensas fragilidades; os grupos hostis foram sendo recolhidos em vários países e comprou-se armamento soviético sigilosamente na Bulgária; irá comprovar-se que o envolvimento da PIDE não garantiu informações rigorosas quanto à situação e localização de entidades e objetivos; também se esclarece  neste historial do José Matos que havia contactos com os opositores de Sékou Touré desde 1966, os oposicionistas durante muito tempo limitavam-se a pedir uma contribuição financeira e fornecimento de material bélico.

Estamos agora em plena invasão de Conacri, descrevem-se os meios em prémios, as dúvidas suscitadas logo na ilha de Soga, Spínola discursa aos comandos africanos antes da partida e desencadeia-se o assalto, conhecemos já os contornos essenciais de tudo quanto se passou, os meios aéreos da República da Guiné não estavam em Conacri, não encontraram o ditador, Cabral estava ausente de Conacri, falhou a ocupação da emissora, o tenente Januário dos comandos africanos desertou com vinte homens, houve afundamento de meios navais, libertaram-se os prisioneiros portugueses, sofremos baixas ainda que modestas. Ficou comprovado que os meios militares da República da Guiné estavam numa completa desorganização.

Segue-se a tempestade internacional: a condenação na ONU, a URSS oferece os seus préstimos navais, o que irá inquietar a NATO. Em definitivo, Spínola fica convencido da inviabilidade de uma solução militar e irá argumentar nesses termos na reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional que se realizou em 7 de maio de 1971, consta na documentação:

“Devemos excluir, de uma vez para sempre, a veleidade de ganharmos militarmente a guerra que enfrentamos, a qual só poderia ser ganha no campo das armas face a uma viragem imprevisível na presente conjuntura mundial. O problema só poderá resolver-se no campo político e quero crer que tal solução ainda se apresenta viável.”

O resto da história já a sabemos: desentendimento entre Marcelo Caetano e Spínola; caminha-se para a exaustão dos meios; o PAIGC recebe mísseis e armamento que lhe permite operar em termos de guerra convencional; a legislação de Sá Viana Rebelo incendeia os ânimos, aos poucos irá constituir-se o Movimentos dos Capitães. Tudo culmina no 25 de abril.

José Matos dá-nos novamente prova das suas capacidades de rigor e assegura-nos uma leitura bastante emotiva.


                                                                                    Mário Beja Santos