Maria Inácia Rezola é uma historiadora
com créditos firmados da história contemporânea portuguesa, foi Comissária
Executiva das Comemorações dos 50 anos do 25 de abril. Esta obra, Revolução,
A Construção da Democracia Portuguesa, Publicações Dom Quixote, novembro
2025, tem como ponto de partida um outro não menos excelente trabalho, datado
de 2007, 25 de Abril – Mitos de uma Revolução.
Na introdução, e não por acaso, alude
aos eventos do 25 de novembro, uma memória em disputa, marca uma fratura dos
partidos políticos da esquerda à direita, cada um lê de acordo com as suas
conveniências, como ela detalhará adiante houve mais do que um 25 de novembro,
no evento estiveram envolvidos apoiantes do “Grupo dos 9”, com interlocução
perto do PS, a esquerda revolucionária, com atividade otelista (COPCON), dos
SUV, da FUR, com presença esporádica do PCP, que terá saído das manobras do
golpe a tempo e horas; poderá falar-se também dos spinolistas e da direita, em
convergência com os grupos bombistas, associados ou não ao ELP e MDLP. Esta
intervenção, conjugada ou desarticulada, entre spinolistas e bombistas, não
aparece ainda devidamente estudada.
A autora procura oferecer uma síntese
atualidade da Revolução dos Cravos. “Recorre não apenas à produção já
consolidada da historiografia, mas também a investigações e publicações que,
nos últimos anos, enriqueceram o conhecimento sobre os contextos, os protagonistas
e as dinâmicas do processo revolucionário e a história do nascimento da
democracia portuguesa. Procura cruzar diferentes perspetivas – a história
política e institucional, a história militar e a história social -, sublinhando
o entrelaçamento entre decisões tomadas no interior das elites e a mobilização
dos setores populares e movimentos sociais.” Uma investigação repartida em três
módulos: a conspiração dos capitães e a passagem dos quartéis à revolução; a
imersão na energia popular de um país frenético, convulsionado; a itinerância
da revolução à constitucionalização da ordem democrática. Observam-se os
conflitos políticos, sociais e ideológicos que marcaram o percurso entre abril
de 1974 e julho de 1976.
Ponto um, tudo começa com um
caetanismo caído num impasse, a ilusão liberal desvanecera-se, caminhava-se
para a exaustão dos meios e dos recursos nas frentes da guerra colonial, a
juventude universitária agitava-se, faziam-se greves, havia novas organizações
da extrema-esquerda, uma ala do catolicismo contestava a guerra colonial, desde
maio de 1973 que o PAIGC anulara a supremacia aérea portuguesa e dava provas
inequívocas de ser um movimento libertador quem tomava a iniciativa ofensiva; e
as coisas estavam a correr muito mal em
Moçambique, a FRELIMO atuava perto da Beira, a crise petrolífera de 1973 fazia
explodir os preços; as reivindicações corporativas dos oficiais do quadro
permanente abriram um ciclo de reuniões e em breve os militares puseram o foco
no derrube do regime. Tudo somado e multiplicado, pôs-se em marcha a Operação
“Viragem Histórica”.
Ponto segundo, a historiadora desenha
ao detalhe o processo conspirativo, a importância do livro de Spínola na
evolução dos acontecimentos, o estabelecimento de um programa por parte dos
capitães, iremos ver os momentos-chave do dia 25 de abril, do golpe desponta um
conjunto de órgãos de soberania, cedo começa o conflito entre Spínola e as
fações do MFA, forma-se Governo, cai Governo, Spínola perde autoridade, a
questão colonial está permanentemente no ar, Spínola joga na mobilização
popular e perde, demite-se; há disputas no MFA, germina o processo
revolucionário, segue-se o 11 de março, a revolução vira notoriamente à
esquerda, é nesta atmosfera que se realizam as eleições de 25 de abril de 1975,
a autora apresenta-nos as forças partidárias, o carácter das negociações
prévias com o MFA, a rotura acelera-se depois dos resultados eleitorais, os
conflitos entre militares ganham aceleração, o poder popular manifesta-se em
ocupações, comissões dos moradores, radicalização e greves, reforma agrária, a
esquerda revolucionária instala-se nos quartéis – não há equívocos quanto à
dimensão da crise do Estado, é um país onde a guerra civil está à espreita.
A autora recorda-nos que em agosto de
1975 a revolução parecia ter atingido o seu clímax, sucedia-se a crise
política, a fragmentação do MFA a tensão social era iniludível. Em setembro,
uma assembleia do MFA em Tancos, contesta abertamente Vasco Gonçalves, impõe-se
o “Grupo dos 9” que tem à cabeça um ideólogo, Melo Antunes. Do verão escaldante
passamos a um outono escaldante. E dá-se o 25 de novembro, é aqui que a autora
questiona quantos golpes de 25 de novembro existiram; e em remate da derrota da
extrema-esquerda militar reconhece-se o papel determinante do general Costa
Gomes, da sua atuação firme e categórica, do posicionamento do “Grupo dos 9”
após o desabamento de qualquer golpe revolucionário, travou-se a sanha
revanchista da extrema-direita militar e política. Spínola pôs termo à sua rede
bombista e conspirativa.
Ponto terceiro, chegou a hora da
institucionalização da ordem democrática. A revisão do pacto MFA- Partidos e
qual o papel das forças armadas na vida política tornou-se na questão
dominante, o pacto foi revisto, a historiadora dá-nos conta das negociações e
da multiplicidade de tomadas de decisão até se chegar a um Conselho de
Revolução que obteve consenso partidário, chegou-se ao II Pacto MFA- Partidos,
enquanto tudo isso se passava surgiu a tensão À volta do reconhecimento da
República Popular de Angola. A Constituição é aprovada em 2 de abril de 1976,
seguir-se-ão as primeiras eleições legislativas. Aqui se conta como se forjaram
as primeiras eleições legislativas, seguem-se as eleições presidenciais. Estava
encerrada a fase revolucionária, abria-se a porta à institucionalização da
democracia portuguesa.
Em jeito de conclusão, a autora
recapitula os principais acontecimentos entre o 25 de abril e o 25 de novembro
e dirá que o grande mérito do 25 de novembro foi o de ter criado as condições
para assegurar um desfecho democrático da Revolução, a Constituição foi alvo de
um compromisso delicado, mas que, na prática, consagrava a supremacia do poder
civil sobre o militar. “O balanço da revolução não se esgota no período
1974-1976: prolonga-se nos usos políticos e culturais que moldaram a memória
pública. O Portugal democrático construiu-se sobre a tensão entre estes dois
marcos, 25 de abril e 25 de novembro, não como datas opostas, mas como momentos
complementares. Permanece a herança maior: a conquista irreversível da
liberdade e a institucionalização de uma democracia pluralista.”
Ensaio de historiografia mais do que
recomendado, dá-nos a compreensão de como se consolidou meio século de paz na
vida portuguesa, como nunca tinha acontecido.
Mário Beja Santos































