O Essencial sobre A Descolonização
Portuguesa, por António Duarte Silva, Imprensa Nacional, 2025, é um ensaio
que parte da ambição de dar ao leitor o ponto de partida no processo da
descolonização, mostra-nos as modificações no programa do MFA, a pressão
internacional, tanto dos movimentos de libertação e seus apoiantes como, em
curto lapso de tempo, as novas autoridades fizeram o reconhecimento do direito
à autodeterminação e independência para todas as colónias africanas
portuguesas; prosseguindo essa linha de rumo, o autor dá-nos conta dos sucessivos
acordos que envolviam todas as parcelas do Império; e conclui, hoje, em que
estão ultrapassadas as tensões ideológicas que envolveram então os
acontecimentos, que a evolução dos acordos, na cena política portuguesa,
dificilmente podia ter sido de outro modo assumido pelo poder político; uma
descolonização que se saldou numa mera transferência de poder e gerou uma
comoção inusitada com a chegada de cerca de meio milhão de portugueses que, aos
poucos, se foram diluindo na população portuguesa; e, questão mais do que
premente, há que ter em conta da gestão deste processo, como está
historicamente consagrado: “Os principais atores da descolonização portuguesa
foram, solidariamente, os movimentos de libertação nacional e o MFA, a sua
chave foi a independência da Guiné-Bissau, o estatuto dos movimentos de
libertação nacional como sujeitos de direito internacional determinou os termos
e efeitos da descolonização, distinguindo-a das demais, por a independência ter
sido, bilateral, rápida exclusivamente negociada entre eles e o Estado
português.”
É um ensaio brilhante, abarca todas as
questões medulares, é uma narrativa rigorosa e clarificadora, uma escrita que
vai ao ritmo da complexidade e velocidade desse processo que analisa passo a
passo, o fim do Império.
O programa do MFA, a concomitância
entre um golpe de Estado e um regime que caiu aparatosamente em escassas horas,
sem defensores, tinha que fazer avultar a questão de fundo do levantamento
militar e do seu sucesso, a inexistência de uma solução política para uma
guerra de guerrilhas que deixara o Estado Novo na mais completa solidão
política. O programa do MFA referia explicitamente que se impunha o lançamento
dos fundamentos de uma política ultramarina conducente à paz; a
operacionalidade de se chegar à paz mostrou claramente um conflito entre o
presidente Spínola e os demais militares, a tese federativa preconizada pelo
autor de Portugal e o Futuro eram perfeito anacronismo, logo uma
Guiné-Bissau já reconhecida como Estado por muitas dezenas de países nas Nações
Unidas; também estas, cedo apareceram a reclamar a aplicação e os princípios e
resoluções referentes à autodeterminação e independência dos povos coloniais.
Ultrapassada a visão spinolista, mas já aprovada a lei da descolonização,
avança-se em busca de solução para a questão mais premente, assim se chega ao
Acordo de Argel, em 26 de agosto de 1974, o reconhecimento da independência
realizou-se em Lisboa a 10 de setembro. Estavam lançados os dados, avançou-se
para outro teatro de luta manifestamente degradado, Moçambique. De agosto para
setembro trabalhou-se num protocolo de acordo, este foi assinado em 7 de
setembro. Como lembra o autor, estava-se no auge do radicalismo revolucionário
em Portugal e do radicalismo da FRELIMO, convencida de que com a ideologia se
governava o país. Segue-se o reconhecimento da independência de São Tomé e
Príncipe pelo Acordo de Argel de 26 de novembro de 1974.
O ano finda com novo reconhecimento,
prende-se com Cabo Verde, dá-se através do Protocolo de Lisboa de 19 de
dezembro, o autor dá-nos uma súmula perfeita das questões conexas entre Cabo
Verde e Guiné-Bissau, o princípio da unidade consagrado na doutrina do PAIGC,
durante todo o período da luta e relevado nas negociações que conduziram à
independência de Cabo Verde, em julho de 1975.
Tenho para mim que todo o texto
referente a Angola, e que se prende com o Acordo de Alvor, de 15 de janeiro de
1975, é historiografia doravante referencial, não podia imaginar que toda a
complexidade da questão angolana ganhasse tanta luminosidade na síntese de
pouco mais de vinte páginas, era o processo mais complexo e tortuoso, está aqui
tudo resumido e compreensível a qualquer leigo.
Seguem-se três processos, num deles
correu sangue, um demencial caso de anexação, uma emocionante resistência que
acabou no desfecho feliz da independência e do recurso à via democrática –
Timor-Leste, como observa o autor: “No conjunto da descolonização portuguesa,
Timor, onde não tinha havido luta de libertação nacional, acabou por ser, de
facto e um pouco paradoxalmente, um caso atípico e dramático; a democracia
portuguesa retomou relações diplomáticas com o Estado da Índia, surgiu o
Tratado do reconhecimento da soberania da Índia sobre esta nossa colónia de Goa
e de mais parcelas no último dia do ano de 1974; a questão macaense ocorreu sem
nenhum drama, aprovou-se o Estatuto Orgânico de Macau em fevereiro de 1976, as
relações diplomáticas entre Lisboa e Pequim foram estabelecidas em 8 de
fevereiro de 1979; em 1987 assinou-se a Declaração Conjunta Sino-Portuguesa
sobre a questão de Macau, a administração portuguesa findou a 20 de dezembro de
1979.
E deste modo o autor conclui que
tivemos uma descolonização tardia, apressada, consensual e conforme ao direito.
Recorda que logo a seguir ao 25 de abril os movimentos de libertação nacional
impuseram-se com condições e exigências não negociáveis; o programa do MFA
foi-se sujeitando às inúmeras tensões externas e internas e num curto espaço de
tempo, depois de aprovada a lei da descolonização, marcaram-se datas para
sucessivas independências, tudo se resumiu a uma mera transferência de poder.
Sucederam-se dois fenómenos simultâneos: nas cinco colónias africanas os
movimentos de libertação apropriaram-se do poder, não faltaram versões
ideológicas recrutadas dos modelos soviético, argelino, cubano e chinês, como
ideais de organização da sociedade e do Estado e, ao mesmo tempo, Portugal
vivia um processo revolucionário que muito impressionou a comunidade
internacional e em simultâneo houve que procurar resolver quem vinha de retorno
ou nascera nas colónias e viria assumir ser português.
Na capa deste livro vem uma consigna
que foi determinante para a descolonização, um belo achado.
De leitura obrigatória.
Mário
Beja Santos

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