segunda-feira, 26 de maio de 2025

Os cuidados informais à espera de um amplo consenso nacional, e não só.

 

 


  

Quem Cuidará de Mim, ensaio de Ana Paula Gil para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, não ilude que toda a problemática dos cuidados informais espera por maior atenção e resposta eficiente face a desafios demográficos, territoriais, económicos, familiares e sociais de grande envergadura, o decisor político não pode continuar a passar ao lado dessa bomba-relógio que se chama o envelhecimento.

Este ensaio, se bem que centrado num leitor de algum modo selecionado, pretende contribuir para uma melhor compreensão dos cuidados informais, identifica as problemáticas sociais que estão associadas a quem cuida, é matéria muito mais extensa do que aquela que cabe nas medidas de política de saúde e solidariedade social. Põe-nos a refletir sobre o significado de cuidar, algo que abarca mais a mulher do que o homem, matéria dinâmica que não pode abstrair da complexidade das relações familiares; é facto que há hoje muito mais reflexão quanto ao reconhecimento social de quem presta cuidados, releva a maior longevidade, o crescimento contínuo de indivíduos com mais de 80, 90 e 100 anos. A autora observa: “A disponibilidade dos cuidadores informais está dependente não só das mutações sociais das estruturas familiares que ocorrem atualmente na sociedade portuguesa, como também das políticas públicas de cuidados de longa duração, o que vai obrigar a reequacionar o atual modelo de cuidados para a população idosa em Portugal.” Pelo que nos é dado ver, o decisor político ainda não se afoitou a encontrar um puzzle de soluções para a crise global dos cuidados, aos cuidados formais, requerem profissionais qualificados, importa alargar a prestação de cuidados no domicílio, dignificar o cuidador informal, o país já possui legislação, mas esta é manifestamente dececionante.

A autora discreteia sobre a necessidade de rever o conceito de cuidar (por exemplo, a responsabilização dos cuidados centra-se na mulher), em cuidados de longa duração há que procurar investir na aptidão de vários familiares em simultâneo, no novo quadro de articulação com o cuidar na esfera pública, o que levanta a questão dos encargos orçamentais. Recorda a autora que nos países da OCDE, em 2021, despendeu-se 1,8% do PIB em cuidados de longa duração, há países como os Países Baixos com 4,4% ou Portugal com 1% do PIB. E daqui partimos para a crise global do cuidado: escassez de mão de obra, as mudanças sociais, a necessidade crescente de serviços personalizados (que nos países do chamado mundo ocidental conhecem alívio com o concurso dos imigrantes). A longevidade tudo alterou, acontece que o aumento de esperança de vida com incapacidade está associado ao surgimento de doença crónica e à multimorbilidade, com realce para a doença cardíaca, os acidentes vasculares cerebrais, a diabetes e as doenças degenerativas (as demências), podendo-se concluir que vivemos mais tempo, mas à medida que as pessoas envelhecem a proporção dos anos de vida com incapacidade aumenta. E de novo as mutações nas estruturas familiares requerem ponderação, mas continuamos com zonas muito fluídas quanto à materialização de políticas que favorecem a conciliação entre trabalho e família, o mesmo é dizer que continua completamente em aberto a tensão entre a esfera laboral e os cuidados. E convém não esquecer que pelo caminho houve a fase pandémica da covid-19 que provocou efeitos devastadores nas práticas de cuidados em Portugal.

Ana Paula Gil elabora o retrato dos cuidadores informais em Portugal e versa depois as políticas de apoio aos cuidadores na Europa. Assim chegamos à análise do Estatuto do Cuidador Informal, feita em profundidade, revelando os aspetos mais salientes da insuficiência e da deceção que a lei confere. Por exemplo, “o não reconhecimento do trabalho de cuidado como trabalho efetivo – e, por isso, passível de proteção social de forma universal – tem contribuído para minimizar o seu papel e, sobretudo, olhá-lo como um dado adquirido assumido pelas mulheres”.

Em jeito de conclusão, a autora adianta o que de nefasto representa a inexistência de debate público sobre o que queremos, como queremos e com quem queremos viver o nosso envelhecimento com dignidade. “A pressão sobre o sistema de cuidados de longa duração será inevitável nas próximas décadas, e vai implicar um maior investimento no setor de cuidados, assim como o reequacionamento das políticas de apoio aos cuidadores informais. São necessárias políticas que permitam minimizar os impactos e possíveis riscos – por exemplo, as saídas do mercado de trabalho, a dependência financeira de outros familiares, ou o risco de pobreza -, quando se trata de um cuidado intensivo, como ainda apoiar os cuidadores no exercício do cuidado de trabalhos, sempre que estes se confrontem com a conciliação entre trabalho e vida familiar”. Um outro dado da realidade é a dignificação do cuidador formal, pois sem este reconhecimento avolumar-se-ão a desigualdades de género, mas também étnico-raciais, o mesmo é dizer precarização e mero desenrascanço do cuidado de trabalhos. ”Equacionar o cuidado como o produto da interceção entre bem-estar, emprego e migrações, ajuda-nos a compreender os desafios que estão associados à longevidade e ao envelhecimento da população, às desigualdades e à atual complexidade da diversidade social, bem como à digitalização da sociedade e à mudança climática. Por isso, os cuidados informações ganham centralidade nas sociedades contemporâneas.”

Oxalá os decisores políticos acolham com manifesta seriedade este aviso de alguém que investiga sobre temas de envelhecimento e respetivas políticas sociais, da família e das relações intergeracionais, bem como da saúde.

 

Mário Beja Santos


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