A obra intitula-se A Mais Breve
História do Ultramar, trabalho do investigador David Moreira, com prefácio
do Presidente da República, Ideias de Ler/Porto Editora, 2025. O autor escolheu
um tempo preciso, tem como percurso histórico as balizas da Conferência de
Berlim e a descolonização, acrescendo um capítulo sobre o 25 de abril, as
independências em África e em Timor-Leste. Correm-se riscos, e bem temerários,
de ensaiar em menos de 300 páginas, e necessariamente com um olhar diferenciado
de trabalhos já publicados, o espartilhar um período histórico tão tumultuoso,
com menos 150 anos. Acresce que nos fica a dúvida se deve arrancar a análise
histórica com a dita Conferência de Berlim, indiscutivelmente marco miliário
definidor da configuração do Terceiro Império, sem dar ao leitor, não
especializado, uma síntese do pano de fundo, isto é, todo aquele século XIX em
Portugal foi um arrastar de traumas, dos quais a independência do Brasil teve
um poder avassalador. No século XVII, a dinastia dos Bragança teve de lançar
mãos à obra para juntar os pedaços imperiais da União Ibérica, os inimigos dos
Habsburgos aproveitaram-se para ocupar posições outrora portuguesas em vários
continentes; procurou-se consolidar os territórios sobrantes em África, no
Oriente, no Brasil (esta a parcela tida como a joia da Coroa) e a partir de
1822, com guerra civil pela frente, um país empobrecido foi engendrando um
quadro ideológico que se materializou no sonho africano. É o que me parece que
David Moreira devia ter esclarecido em termos preambulares.
Ele entra diretamente na partilha de
África, nas novas cobiças de alemães, franceses e britânicos, as tentativas de
consolidar posições através de expedições ditas científicas e campanhas de
ocupação militar, até se chegar ao episódio glorioso de fazer capitular
Gungunhana, o Leão de Gaza. Observa o investigador corretamente que “A
impressão de superioridade militar e tecnológica dos portugueses neste período
pode ser apontada como um dos fatores a que se cometessem erros crassos no
futuro. Logo em 1904, o exército sofreu uma autêntica derrocada no sul de
Angola às mãos dos guerreiros Cuamatos. A subestimação dos desafios da ação
militar em África durou mesmo até ao tempo da República, com repercussões
catastróficas para Portugal.”
Chegados à I República, prosseguiram as
negligências, lembra o autor que entre o Ministério da Marinha e o novo
Ministério das Colónias, a pasta dedicada às províncias ultramarinas passou
pela mão de 13 ministros diferentes no período de seis anos, os territórios não
mapeados, faltavam as redes de estradas e os caminhos de ferro, as comunicações
dependiam da navegação britânica. Em 1913, os governos britânicos e alemães
chegaram a planear uma partilha amigável de Angola e Moçambique, houve
protestos dos franceses e a seguir começou a I Guerra Mundial, irão surgir
graves problemas militares em Angola e Moçambique. Os militares não perdoaram
as ineficiências das elites republicanas. “Não por acaso, algumas das grandes
figuras do fim da República haviam visto a questão moçambicana de perto. Esta
lista vai de Gomes da Costa, que inspecionou as tropas após a rendição, ao seu
genro Massano de Amorim, governador de Moçambique durante a fase mais crítica
da guerra. Já Alves Roçadas, um dos pontas de lança da revolta contra o
republicanismo, havia testemunhado e protagonizado uma desgraça na frente
angolana.” Começam a surgir no pós-guerra relatórios sobre as condições
laborais em Moçambique e Angola, dizem-se verdades como punhos, bem se
pretendeu negar categoricamente as acusações.
Com a ditadura e o Estado Novo vão ser
redesenhadas as leis da administração colonial, segue-se o Ato Colonial de
1930, ali se codifica a natureza da ocupação portuguesa desses territórios: “É
da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de
possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações
indígenas.” Estamos numa época em que os países coloniais lançam mão de
exposições e feiras, assim vai nascer a Exposição Colonial do Porto em 1934,
que decorreu no Jardim e Palácio de Cristal, trouxeram-se membros das colónias,
não faltaram indianos encantadores de serpentes, nem macaenses a retratar uma
casa de chá e guineenses de peito ao léu. O ativista da exposição, Capitão
Henrique Galvão criou o famoso mapa em que sob a Europa aparecem as colónias
portuguesas e onde se diz que Portugal não é um país pequeno.
Finda a II Guerra Mundial, era de todos
sabido que os norte-americanos iriam apoiar as descolonizações, a independência
da Índia, os acontecimentos na China com a chegada dos comunistas ao poder,
deixaram sinais inquietantes ao nosso pensamento colonial. Os estudantes das
colónias irão encontrar-se na Casa dos Estudantes do Império, por lá passarão,
entre outros, Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Joaquim Chissano e Pedro Pires.
Galvão, em 1945, desembarca no Lobito, continua encantado pelo sonho de Portugal
pluricontinental, mas o seu relatório sobre o trabalho dos indígenas nas
colónias, em 1947, provoca o pandemónio, a imagem que pintava era desoladora e
dirá mesmo, sobre o trabalho forçado, que a situação era pelo menos tão
desumana como era no tempo da completa escravatura. Salazar tenta atrelar-se ao
mundo ocidental político, Portugal entra na ONU e na NATO, mas acontece que
anos depois os novos países africanos vão deter a maioria do voto a questão
indiana irá agravar-se e ter o seu desfecho em 1961. Haverá explosões nesta ou
naquela colónia, mas as notícias serão proibidas, caso do massacre em Batepá,
na Província de São Tomé e Príncipe, em 1953, a sublevação de Viqueque, em
Timor, em 1958, e os acontecimentos do Pidjiquiti, em 1959. O regime procede a uma
metamorfose, deixámos de ter um Império Colonial, passámos a ter o Ultramar.
Dá-se o despertar do pan-africanismo, a
par das superpotências surge o Movimento dos Não Alinhados, ganham notoriedade
mundial depois da conferência de Bandungue, tudo mudara: Nasser decidira a
nacionalização do Canal do Suez, Fidel Castro ganha uma guerrilha e pôs fim a
um regime militar despótico, a África do Norte mostra-se recetiva à
independência de todos os povos africanos. E o autor desfia o corolário dos
acontecimentos a partir dos tumultos angolanos, em 1961, vê os EUA a apoiar
Holden Roberto, o presidente Kennedy vai se ruma dor de cabeça para Salazar,
crescem os contingentes para Angola, o ditador vê-se obrigado a uma iniciativa
reformadora, esta vai ser liderada por Adriano Moreira, aboliu o estatuto de
indígenas, desencadeia um processo de grande renovação da legislação
ultramarina. A luta armada eclode na Guiné e depois em Moçambique. Cabral
passara bastante tempo a planear a estrutura do movimento que juntasse o máximo
possível de etnias guineenses, enquanto se aliciavam jovens no interior da Guiné
para se juntarem ao PAIGC em Conacri, obtiveram-se apoios da China e da União
Soviética e da Checoslováquia para formar a armar os guerrilheiros, da
ideologia cuidada de Cabral. Dele diz David Moreira: “Político exímio, montou
uma complexa teia de alianças que ainda hoje, mais de cinquenta anos volvidos,
se continua a desvendar e da qual fizeram parte países asiáticos, europeus,
americanos e, claro, africanos.”
Dá-nos um quadro da evolução da FRELIMO em
Moçambique, Marcelo Caetano substitui Salazar, o resto conhecemos todos mais ou
menos com uma certa clareza: Spínola na Guiné, levou consigo um projeto que se
revelou assustador para Cabral: a Guiné para os guinéus, isto quando o líder do
PAIGC falava na Unidade Guiné Cabo Verde, algo com que, no fundo, os guineenses
jamais estavam de acordo, os cabo-verdianos tinham sido os representantes do
colonialismo e não escondiam um desprezo até de índole racial aos guineenses. A
FRELIMO foi crescendo a sua influência, em dado momento, estamos já em janeiro
de 1974, o ímpeto guerrilheiro atingiu metade de Moçambique, e assim como o
PAIGC recebeu mísseis terra-ar, o mesmo aconteceu com a guerrilha moçambicana.
Desde 1973 que os militares do quadro
permanente estão em desavença com o Governo, não gostaram da criação de um
quadro especial para oficiais, lentamente irão melhorando a sua organização e
irão formar o MFA. O livro de Spínola Portugal e o Futuro não deixa
qualquer ilusão a Marcelo Caetano, e depois da sublevação malograda das Caldas
da Rainha o regime chegou ao fim no dia 25 de abril de 1974. O processo de
descolonização não ficará concluído nesse ano, haverá ainda o Acordo do Alvor,
que falhou, Angola conhecerá a guerra civil a partir de 1995 e haverá
igualmente a tragédia timorense. E assim David Moreira conclui a sua obra:
“Em 25 anos, Portugal passou de pária
internacional a bastião do multilateralismo e defensor da democracia. Sem
paralelo entre as ex-potências coloniais, num prazo minúsculo de tempo, em
simultâneo a todas as suas batalhas internas, Portugal, de forma praticamente
unânime, renunciou ao colonialismo.
Numa caminhada por vezes difícil, e com os
retrocessos típicos dos choques com a realidade, Portugal começou a ajustar as
contas com o seu passado, em particular com as páginas de Batepá e Wiriyamu. E
assim foi criando uma sociedade onde se normaliza falar do Tarrafal, em que se
publica a poesia Portinho Neto, em que se celebra a beleza e a história de Goa,
em que se recorda Amílcar Cabral e onde a Fundação Calouste Gulbenkian restaura
o Forte de São João Baptista de Ajudá.”
É uma narrativa que constitui
indiscutivelmente um olhar original para uma brevíssima história do Ultramar.
Mário Beja Santos

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