domingo, 30 de novembro de 2025

Um tempo histórico turbilhonante numa investigação não menos fulgurante.

 


 

 

 

          Maria Inácia Rezola é uma historiadora com créditos firmados da história contemporânea portuguesa, foi Comissária Executiva das Comemorações dos 50 anos do 25 de abril. Esta obra, Revolução, A Construção da Democracia Portuguesa, Publicações Dom Quixote, novembro 2025, tem como ponto de partida um outro não menos excelente trabalho, datado de 2007, 25 de Abril – Mitos de uma Revolução.

          Na introdução, e não por acaso, alude aos eventos do 25 de novembro, uma memória em disputa, marca uma fratura dos partidos políticos da esquerda à direita, cada um lê de acordo com as suas conveniências, como ela detalhará adiante houve mais do que um 25 de novembro, no evento estiveram envolvidos apoiantes do “Grupo dos 9”, com interlocução perto do PS, a esquerda revolucionária, com atividade otelista (COPCON), dos SUV, da FUR, com presença esporádica do PCP, que terá saído das manobras do golpe a tempo e horas; poderá falar-se também dos spinolistas e da direita, em convergência com os grupos bombistas, associados ou não ao ELP e MDLP. Esta intervenção, conjugada ou desarticulada, entre spinolistas e bombistas, não aparece ainda devidamente estudada.

          A autora procura oferecer uma síntese atualidade da Revolução dos Cravos. “Recorre não apenas à produção já consolidada da historiografia, mas também a investigações e publicações que, nos últimos anos, enriqueceram o conhecimento sobre os contextos, os protagonistas e as dinâmicas do processo revolucionário e a história do nascimento da democracia portuguesa. Procura cruzar diferentes perspetivas – a história política e institucional, a história militar e a história social -, sublinhando o entrelaçamento entre decisões tomadas no interior das elites e a mobilização dos setores populares e movimentos sociais.” Uma investigação repartida em três módulos: a conspiração dos capitães e a passagem dos quartéis à revolução; a imersão na energia popular de um país frenético, convulsionado; a itinerância da revolução à constitucionalização da ordem democrática. Observam-se os conflitos políticos, sociais e ideológicos que marcaram o percurso entre abril de 1974 e julho de 1976.

          Ponto um, tudo começa com um caetanismo caído num impasse, a ilusão liberal desvanecera-se, caminhava-se para a exaustão dos meios e dos recursos nas frentes da guerra colonial, a juventude universitária agitava-se, faziam-se greves, havia novas organizações da extrema-esquerda, uma ala do catolicismo contestava a guerra colonial, desde maio de 1973 que o PAIGC anulara a supremacia aérea portuguesa e dava provas inequívocas de ser um movimento libertador quem tomava a iniciativa ofensiva; e as coisas estavam a  correr muito mal em Moçambique, a FRELIMO atuava perto da Beira, a crise petrolífera de 1973 fazia explodir os preços; as reivindicações corporativas dos oficiais do quadro permanente abriram um ciclo de reuniões e em breve os militares puseram o foco no derrube do regime. Tudo somado e multiplicado, pôs-se em marcha a Operação “Viragem Histórica”.

          Ponto segundo, a historiadora desenha ao detalhe o processo conspirativo, a importância do livro de Spínola na evolução dos acontecimentos, o estabelecimento de um programa por parte dos capitães, iremos ver os momentos-chave do dia 25 de abril, do golpe desponta um conjunto de órgãos de soberania, cedo começa o conflito entre Spínola e as fações do MFA, forma-se Governo, cai Governo, Spínola perde autoridade, a questão colonial está permanentemente no ar, Spínola joga na mobilização popular e perde, demite-se; há disputas no MFA, germina o processo revolucionário, segue-se o 11 de março, a revolução vira notoriamente à esquerda, é nesta atmosfera que se realizam as eleições de 25 de abril de 1975, a autora apresenta-nos as forças partidárias, o carácter das negociações prévias com o MFA, a rotura acelera-se depois dos resultados eleitorais, os conflitos entre militares ganham aceleração, o poder popular manifesta-se em ocupações, comissões dos moradores, radicalização e greves, reforma agrária, a esquerda revolucionária instala-se nos quartéis – não há equívocos quanto à dimensão da crise do Estado, é um país onde a guerra civil está à espreita.

          A autora recorda-nos que em agosto de 1975 a revolução parecia ter atingido o seu clímax, sucedia-se a crise política, a fragmentação do MFA a tensão social era iniludível. Em setembro, uma assembleia do MFA em Tancos, contesta abertamente Vasco Gonçalves, impõe-se o “Grupo dos 9” que tem à cabeça um ideólogo, Melo Antunes. Do verão escaldante passamos a um outono escaldante. E dá-se o 25 de novembro, é aqui que a autora questiona quantos golpes de 25 de novembro existiram; e em remate da derrota da extrema-esquerda militar reconhece-se o papel determinante do general Costa Gomes, da sua atuação firme e categórica, do posicionamento do “Grupo dos 9” após o desabamento de qualquer golpe revolucionário, travou-se a sanha revanchista da extrema-direita militar e política. Spínola pôs termo à sua rede bombista e conspirativa.

          Ponto terceiro, chegou a hora da institucionalização da ordem democrática. A revisão do pacto MFA- Partidos e qual o papel das forças armadas na vida política tornou-se na questão dominante, o pacto foi revisto, a historiadora dá-nos conta das negociações e da multiplicidade de tomadas de decisão até se chegar a um Conselho de Revolução que obteve consenso partidário, chegou-se ao II Pacto MFA- Partidos, enquanto tudo isso se passava surgiu a tensão À volta do reconhecimento da República Popular de Angola. A Constituição é aprovada em 2 de abril de 1976, seguir-se-ão as primeiras eleições legislativas. Aqui se conta como se forjaram as primeiras eleições legislativas, seguem-se as eleições presidenciais. Estava encerrada a fase revolucionária, abria-se a porta à institucionalização da democracia portuguesa.

          Em jeito de conclusão, a autora recapitula os principais acontecimentos entre o 25 de abril e o 25 de novembro e dirá que o grande mérito do 25 de novembro foi o de ter criado as condições para assegurar um desfecho democrático da Revolução, a Constituição foi alvo de um compromisso delicado, mas que, na prática, consagrava a supremacia do poder civil sobre o militar. “O balanço da revolução não se esgota no período 1974-1976: prolonga-se nos usos políticos e culturais que moldaram a memória pública. O Portugal democrático construiu-se sobre a tensão entre estes dois marcos, 25 de abril e 25 de novembro, não como datas opostas, mas como momentos complementares. Permanece a herança maior: a conquista irreversível da liberdade e a institucionalização de uma democracia pluralista.”

          Ensaio de historiografia mais do que recomendado, dá-nos a compreensão de como se consolidou meio século de paz na vida portuguesa, como nunca tinha acontecido.

 

 

Mário Beja Santos

 


quarta-feira, 26 de novembro de 2025

São Cristóvão pela Europa (333).

 

 

 

Entre 31 de Julho e 3 de Agosto últimos viajei pela Áustria, País onde abundam, como sabemos, as imagens de São Cristóvão.

Estive no Estado da Caríntia nos distritos de Villach-Land, Spittal an der Drau e Hermagor e no Estado do Tirol.

Comecei pelo distrito (bezirk) de Villach-Land que, na realidade, constitui a Área Metropolitana da cidade de Villach.

Em Göriach, a igreja de São Martinho foi destruída pelos Turcos durante a sua ocupação da Região em 1478. Foi reconstruída no final do Século XV. No exterior, um pouco apagado, um fresco representando o nosso Santo.



 

Muito próximo da cidade de Villach, em Obere Fellach, ergue-se a Igreja de São Tomé. Data de 1486 e no seu interior pode-se visitar um belo altar de abas. Ao centro, São Nicolau e São Tomé. Nas abas, a Anunciação, a Natividade de Cristo, o Baptismo de Cristo e a Decapitação de São João Baptista. Em baixo, na predela, São Jorge, São Martinho, São Cristóvão e São Roque.

 



 

Obere Fellach é a primeira de um conjunto de localidades ao longo do vale do rio Dava onde existem imagens do nosso Santo. A seguinte é Weissenstein.

A igreja paroquial é dedicada a São Leonardo. No exterior, frescos da segunda metade do Século XIV, descobertos em 1974 pois encontravam-se tapados. Um deles do nosso Santo. No interior, um altar lateral exibe os catorze santos auxiliares entre os quais São Cristóvão.






 

A Capela Maria am Bichl situa-se em Feistritz an der Drau e também possui um fresco exterior do princípio do Século XVI representando São Cristóvão. O fresco foi prejudicado pela construção de uma janela.

 



                                     Fotografias de 31 de Julho e 1 de Agosto de 2025

    

                                                                                              José Liberato

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Um conhecido jornalista burguês elogia o comunismo, é sincero, mas não convence.

 

 



         

        Portugal dá um Presidente ao Conselho Europeu, tem permanentemente medalhados olímpicos, pensadores de relevo como António Damásio, mas é de uma pobreza franciscana quanto a pensamento político, não há na praça um teórico de que se possa fazer menção, sem desprimor para figuras como Francisco Louçã ou o saudoso Eduardo Lourenço. Como propostas de renovação de teoria política, estamos entre a nulidade e os comentadeiros.

É meritório, digo mesmo corajoso, um jornalista com avultado currículo, escrever um livro para elogiar as suas convicções, ainda por cima dizendo-se comunista de pedra e cal. Regresso ao primeiro parágrafo. O país progrediu muito com a democracia, mas é assustadoramente pobre não só em filosofia política, como na apresentação dos quadros ideológicos, por via partidária, estejam eles ou não relacionados com o trotskismo, o maoismo, as diferentes estirpes da esquerda revolucionária, o marxismo-leninismo tal como se praticou de 1917 a 1989 e os seus adjacentes atuais, a social-democracia (vestindo a roupagem do socialismo democrático ou do histórico trabalhismo norueguês ou sueco), as doutrinas conservadoras que têm o desplante de se apresentarem como sociais-democratas, o conservadorismo-liberal, o liberalismo de recente extração e a doutrinação populista que copia fielmente o que se exprime em vários continentes, com as consagradas cambiantes de racismo, xenofobia, discurso do ódio, algazarra comunicacional para camuflar os seus verdadeiros intentos.

          Porque sou Comunista, por Pedro Tadeu, Confissões de um jornalista burguês, Zigurate, 2025, traz curiosamente uma badana que é um chamariz sobre possíveis respostas que o autor, profundo crente do comunismo, pretende abordar: a humanidade precisa de religião? O culto da personalidade é um perigo? Nunca houve fascismo em Portugal? O wokismo é um absurdo? Um jornalista pode ser comunista? Os crimes do comunismo existiram? O 25 de novembro deve ser celebrado? O mundo é péssimo, mas não há alternativa? Ora com estes aliciantes não há leitor que não resista em embrenhar-se num manifesto ideológico que já cativou meio mundo e que hoje é manifestamente residual, passe o paraninfo que ele nos vai reservar nesta obra.

          O que Pedro Tadeu nos pretende dar não é a validação das teorias do marxismo-leninismo para o século XXI, diz mesmo que podia correr o risco de produzir uma vulgata de má qualidade. Coligiu uma série de textos que já tinha escrito, dispersos em artigos de opinião e publicados em jornais, bem como em palestras e intervenções públicas e propõe-se dar 26 respostas que vão desde a religião, passando pela Festa do Avante!, pelo antifascismo e pela recusa do despotismo norte-americano, exprimindo calorosamente a defesa acérrima ao Serviço Nacional de Saúde; e mais, os comunistas têm uma alternativa, iremos saber qual.

          Diz-se embaraçado pelo assunto da religião, não tem fé e não pode entender quaisquer manifestações de fé, fica caladinho. Revela que perdeu o pai aos 9 anos, nesse dia deixou de acreditar em Deus. Espero que alguém que já tenha lido o seu livro lhe tenha explicado o que é a fé, a esperança e a caridade, invocada perante as câmaras da televisão, pelos palestinianos massacrados em Gaza, os sudaneses assassinados, os cristãos aviltados e queimados no Iraque ou no Paquistão. Afinal não fica caladinho, dirá que a religião deve estar cada vez mais limitada às questões do transcendente e ser substituída pelo dever coletivo de regular corretamente a nossa vida, isto a despeito de elogiar o Papa Francisco e a suas encíclicas que não estão nada limitadas às questões do transcendente.

          Irá falar-nos das liberdades burguesas e dirá que a palavra liberdade, para os comunistas tem um sentido verdadeiramente libertador e não apenas o de uma falácia legitimadora do pensamento dominante das elites políticas e económicas. Ponto curioso, ao longo de todo o seu elogio revela um grande alheamento às transformações provocadas por aquela sociedade de consumo oriunda do pós-guerra em que houve Guerra Fria, os soviéticos a exaltar a satisfação das necessidades básicas e coletivas e o mundo ocidental, com o farol nos EUA, a exaltar a livre iniciativa, o crescimento e o bem-estar adveniente das panóplias do consumo. Goste-se ou não, mesmo nos regimes oligárquicos ou teocráticos os princípios da livre iniciativa, da criatividade e da liberdade de opinião, podem ser reprimidos, mas acabam sempre por se impor, veja-se as obras clandestinas do cinema ou da literatura.

          Voltamos à sociedade de consumo e aos sucessivos saltos tecnológicos. Em 1973, Daniel Bell publicou uma obra altamente polémica, O advento da sociedade pós-industrial, teorizava o fim do predomínio agrário e industrial e a ascensão imparável do terciário, com todas as suas consequências, uma delas a alteração das classes trabalhadoras e das suas necessidades. Como se viu, Daniel Bell foi mais do que um profeta na sua antevisão, é nesse mundo em que vivemos. Pedro Tadeu desvela-se a mostrar como funciona o PCP, como este é discriminado, e não só nos meios de comunicação social, falará do machismo, do feminismo, do wokismo, comentará as razões pelas quais os comunistas são contra as guerras, embora adiante que para um comunista a história humana é fundamentalmente resultado do confronto permanente das contradições e das lutas de classes sociais, observando que isso do consenso é credo dos donos do sistema, os consensos são congeminados pelas elites e nas costas dos trabalhadores.

          Para além de manifestar o seu orgulho de comunista, de vez em quando aborda a superioridade dos comunistas, mesmo com pezinhos de lã: “Os horizontes de um intelectual comunista, independentemente dos seus interesses pessoais, das suas capacidades, do seu talento, da sua erudição, das suas relações, são necessariamente largos e, atrevo-me a dizê-lo, quase sempre mais largos do que os dos intelectuais não-comunistas.”

          Iremos saber o que Pedro Tadeu tem a dizer sobre a luta de classes, a organização de greves, a exuberância sem rival da Festa do Avante!, a relutância que têm ao culto da personalidade, porque admiram a Revolução de Outubro, porque são antifascistas, celebram o 25 de abril e não celebram o 25 de novembro… até que finalmente os comunistas, que anseiam transformar o mundo, têm uma alternativa, e di-lo sem rebuço: “Criar uma sociedade onde os meios de produção não são, à partida, privados, mas um bem comum da população, e onde o poder que os governara é dominado ou controlado pela classe trabalhadora.” Porque será que esta alternativa não é referendada pela generalidade do eleitorado? Bem, o Pedro Tadeu não escreveu este livro para teorizar e esboçar a alternativa, é humilde e não se quer meter em cavalarias altas. Dá para perguntar o que nos pretende confessar este jornalista dito burguês.

 

                                                                        Mário Beja Santos


quinta-feira, 20 de novembro de 2025

A operação Mar Verde, à luz das mais recentes investigações.



         

          Como observa o investigador José Matos, a Operação Mar Verde, desencadeada em novembro de 1970 por um contingente das Forças Armadas Portuguesas e um agrupamento de oposicionistas do regime de Sékou Touré, foi das mais ousadas levadas a cabo durante toda a guerra colonial. Resta dizer que trouxe terríveis consequências para o Governo de Marcello Caetano, marcou o isolamento diplomático português ao seu nível mais baixo. Há significativa literatura sobre esta operação, inclusivamente José Matos e o investigador Mário Matos e Lemos já se tinham debruçado sobre o assunto. As limitações para investigar são muitas, mas foi possível juntar mais documentação e trazer novas informações a público. A obra intitula-se Ataque Secreto, Operação Mar Verde em Conacri, Guerra e Paz 2025.

As peripécias da operação são por demais conhecidas. Uma força naval portuguesa, em 22 de novembro de 1970, cercou a capital da República da Guiné. De acordo com o plano operacional elaborado por Alpoim Calvão, usou-se a escuridão da noite e desembarcaram vários grupos de tropas especiais em pontos estratégicos da cidade.

Calvão propusera esta operação inicialmente com objetivos mais modestos, foram crescendo depois os objetivos. E da libertação dos prisioneiros portugueses e do afundamento das embarcações do PAIGC, passou a sonhar-se com um golpe de Estado que derrubasse Sékou Touré, de modo que o novo Governo, amigável com o Estado Novo, levasse ao afastamento do PAIGC naquele país, que lhe dava um apoio fundamental. A operação contou com o apoio total de Spínola, Caetano aprovou-a, ministros do seu Governo mostraram radical oposição. José Matos levanta interrogações de peso que hoje nos fazem pensar no que houve de leviano e temerário, faltou uma verdadeira medição dos prós e contras: seria praticamente impossível não associar Portugal ao golpe, até porque havia a possibilidade de capturar Amílcar Cabral (dividem-se os investigadores se não se pretendia acima de tudo a sua liquidação física) o que deixaria Spínola com um problema em mãos; questiona se o aureolado comandante-chefe ficaria mesmo numa situação vantajosa para negociar com o líder dos nacionalistas uma saída pacífica para a guerra de guerrilhas, ou a guerrilha continuaria a lutar; o que seria se houvesse a perda de apoio na Guiné Conacri com a mudança de regime e a captura (ou morte?) de Amílcar, esta mudança levaria a guerrilha a desistir da luta?; e por quanto tempo seria possível manter um Governo desta oposição a Sékou Touré, um Governo do Front de Libération Nationale de la Guinée sem uma intervenção externa ou contra as forças do PAIGC e de Cuba que estavam no país?

São questões cruciais e a historiografia existente passa-lhe ao lado. Inequivocamente, Spínola perdera a ilusão de quebrar a espinha ao PAIGC, depois dos dramáticos acontecimentos de abril passado, com o massacre de uma equipa de negociadores no chão Manjaco. Perdera-se qualquer paridade no armamento, o PAIGC tinha um conjunto significativo de bases territoriais e com controlo administrativo, escolas e hospitais, o projeto de Armazéns do Povo estava em marcha. O Governador e comandante-chefe deste maio de 1968, imprimiu uma nova estratégia, recebeu fundos chorudos, constituiu a sua própria equipa, estabeleceu um plano de abandono de destacamentos, anunciou uma política dominada “Por uma Guiné melhor”, nesse mesmo ano de 1970 apareceram Congressos do Povo destinados a conquistar o apoio das comunidades tribais. Sempre que se desloca a Lisboa e participa nas reuniões do Conselho Superior de Defesa Nacional, fala categoricamente no agravamento da situação, pede mais meios humanos e materiais. Logo na exposição que faz ao Conselho em 8 de novembro de 1968, ficou escrito em ata que “O senhor Governador da Guiné voltou a salientar que é imperativamente necessário evitar que o inimigo atinja a fase de implantação militar em todo o território da Guiné, sob pena de a nossa soberania ficar irremediavelmente perdida”.

Não deixa de ser curiosa a comparação da correspondência de Schulz e de Spínola a pedir meios aéreos mais suscetíveis de fazer recuar a presença dos grupos do PAIGC dentro do território, só em abril de 1974 é que as negociações para a aquisição de aviões Mirage pareciam bem encaminhadas. Acresce que o PAIGC já podia contar com a ajuda cubana e apoio humanitário da Suécia. A presença do PAIGC na República da Guiné era por demais evidente. É então que descobre que havia um movimento de dissidentes da Guiné-Conacri dispostos a derrubar Sékou Touré, foi assim que nasceu a convergência com Alpoim Calvão, este idealizara somente a libertação dos prisioneiros portugueses e o afundamento dos meios navais inimigos.

José Matos faz-nos uma resenha dos antecedentes da Mar Verde, da evolução dos objetivos para a operação, cedo se começou a verificar que a oposição a Sékou Touré tinha imensas fragilidades; os grupos hostis foram sendo recolhidos em vários países e comprou-se armamento soviético sigilosamente na Bulgária; irá comprovar-se que o envolvimento da PIDE não garantiu informações rigorosas quanto à situação e localização de entidades e objetivos; também se esclarece  neste historial do José Matos que havia contactos com os opositores de Sékou Touré desde 1966, os oposicionistas durante muito tempo limitavam-se a pedir uma contribuição financeira e fornecimento de material bélico.

Estamos agora em plena invasão de Conacri, descrevem-se os meios em prémios, as dúvidas suscitadas logo na ilha de Soga, Spínola discursa aos comandos africanos antes da partida e desencadeia-se o assalto, conhecemos já os contornos essenciais de tudo quanto se passou, os meios aéreos da República da Guiné não estavam em Conacri, não encontraram o ditador, Cabral estava ausente de Conacri, falhou a ocupação da emissora, o tenente Januário dos comandos africanos desertou com vinte homens, houve afundamento de meios navais, libertaram-se os prisioneiros portugueses, sofremos baixas ainda que modestas. Ficou comprovado que os meios militares da República da Guiné estavam numa completa desorganização.

Segue-se a tempestade internacional: a condenação na ONU, a URSS oferece os seus préstimos navais, o que irá inquietar a NATO. Em definitivo, Spínola fica convencido da inviabilidade de uma solução militar e irá argumentar nesses termos na reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional que se realizou em 7 de maio de 1971, consta na documentação:

“Devemos excluir, de uma vez para sempre, a veleidade de ganharmos militarmente a guerra que enfrentamos, a qual só poderia ser ganha no campo das armas face a uma viragem imprevisível na presente conjuntura mundial. O problema só poderá resolver-se no campo político e quero crer que tal solução ainda se apresenta viável.”

O resto da história já a sabemos: desentendimento entre Marcelo Caetano e Spínola; caminha-se para a exaustão dos meios; o PAIGC recebe mísseis e armamento que lhe permite operar em termos de guerra convencional; a legislação de Sá Viana Rebelo incendeia os ânimos, aos poucos irá constituir-se o Movimentos dos Capitães. Tudo culmina no 25 de abril.

José Matos dá-nos novamente prova das suas capacidades de rigor e assegura-nos uma leitura bastante emotiva.


                                                                                    Mário Beja Santos 

 



São Cristóvão pela Europa (332).

 

 

 

A cidade italiana de Trento é hoje a capital da província do mesmo nome na Região de Trentino – Alto Adige.

Aqui, entre 1545 e 1563, teve lugar o Concílio de Trento, o último a realizar-se fora de Roma. Neste Concílio, a Igreja Católica enfrentou um dos maiores desafios da sua existência: a resposta à Reforma lançada por Martinho Lutero uns anos antes.

Fê-lo lançando a Contra-Reforma. Grande parte dela foi concebida no Concílio.

E um dos temas cruciais teve muito a ver com o culto de São Cristóvão.

Uma das mais fortes críticas que a Reforma protestante dirigiu à Igreja Católica dizia respeito ao uso devocional das imagens religiosas. Houve mesmo actos iconoclásticos na Europa Central protestante.

Na parte final do Concílio de Trento (na 25ª e última sessão em 4 de Dezembro de 1563) foi promulgado um decreto sobre a invocação e a veneração das relíquias dos santos e as imagens religiosas.

Segundo esse decreto, o uso devocional das imagens religiosas devia apenas ser destinado à instrução religiosa da população analfabeta. A veneração das imagens não devia dirigir-se às imagens materiais, mas às ideias que representavam

Os fiéis incultos que cometessem erros perigosos deveriam ser corrigidos ou afastados, e qualquer forma de licenciosidade deveria ser eliminada. Por fim, os bispos foram incumbidos da tarefa de apreciar quaisquer representações invulgares antes de permitir que fossem expostas nas igrejas.

O conteúdo do decreto, publicado na colecção de cânones do Concílio, revela porém a preocupação da hierarquia eclesiástica com a liberdade dos artistas e a consequente necessidade de reconduzir a sua actividade aos limites codificados pela autoridade religiosa.

Ora, a devoção de São Cristóvão, caracterizava-se pela prática de um certo grau de imediatismo na concessão das graças. Bastava olhava para Ele. Não era preciso rezar nem sequer ajoelhar. É razoável pensar que as novas orientações foram pelo menos prejudiciais àquela devoção. Daí a redução do número de imagens e mesmo o apagamento de muitos frescos.

Na Catedral de Trento existe a capela do Crucifixo, hoje barroca. Foi diante deste crucifixo em madeira que foram promulgados os decretos resultantes do Concílio.

 



A catedral de Trento, dedicada a São Vigílio, um dos primeiros bispos de Trento (no final do Século IV).

No interior um belo fresco representando São Cristóvão.





No Museu Diocesano, duas obras representam o nosso Santo.

A primeira é um quadro de Martin Teophil Polak (1551-1639), pintor activo em Trento, mas provavelmente de origem polaca. O quadro exibe uma interpretação, caucionada pelo Bispo de Trento, sobre a nova estética lançada pelo Concílio. Com efeito, São Cristóvão é enquadrado e protegido pela Virgem.

A segunda é um altar com abas do início do Século XVI. No centro, o tema da Santa Parentela (a família alargada de Santa Ana) ladeado por Santa Catarina de Alexandria e Santa Bárbara. Esta seria a configuração do altar nos dias de festa. Nos dias da semana o altar era fechado. Se espreitarmos a pintura por trás da aba, lá está São Cristóvão.

 




Na época do fascismo foi lançada uma nova arquitectura particularmente vocacionada para os edifícios públicos, em especial os Correios. Pretendia-se substituir a estética austríaca.

Em Trento, o edifício austríaco dos Correios foi demolido em 1929 e no seu lugar construído um novo que rapidamente foi envolto em polémica. Um boato circulou na época: que os projectos de Trípoli (Líbia) e Trento tinham sido trocados por engano, dado o facto das duas primeiras letras das cidades serem iguais!...

Numa esquina do edifício foi colocada uma estátua de São Cristóvão em mármore de Carrara da autoria do escultor italiano Stefano Zuech (1877-1968).

Hoje o edifício está em obras e oculto por andaimes. Consegui vislumbrar a estátua de esguelha. Publico uma imagem de arquivo.

 



                                            

                                                Fotografias de 6 e 7 de Agosto de 2025

                                                                                          José Liberato



terça-feira, 11 de novembro de 2025

Abstenção, a grande pedra no sapato da democracia participativa.

 


 

          A Fundação Francisco Manuel dos Santos desenvolve meritórias iniciativas para procurar dar a conhecer em equação o que é hoje ser português, que problemas trazemos connosco, quais as nossas marcações de identidade, como nos vemos na esfera do tempo; ah, como nos comportamos em cidadania e encaramos a democracia participativa. É nesta última temática que está em cima da mesa um osso duro de roer, dele se especula muito, há muitos porquês sobre a abstenção, nem a parte nem o todo apresentam resultados satisfatórios. Por isso a indagação é persistente, nem vale a pena falar dos riscos que representa o alheamento democrático. É assunto seríssimo, a Fundação acaba de tomar algumas iniciativas. Primeiro, um estudo. Vejamos o que ele diz.

           Consta no site da Fundação Francisco Manuel dos Santos o seguinte:

“Quem se abstêm em Portugal e porquê? O novo estudo da Fundação é a mais extensa análise já feita (até à data) sobre as causas e as consequências da abstenção eleitoral em Portugal, cobrindo todo o período democrático e os vários tipos de eleições. Os autores recomendam estimular o dever cívico nas escolas, logo a partir o 1º ciclo, e expandir o voto em mobilidade para aumentar a participação eleitoral, mas deixam de fora o voto obrigatório e o voto online.

Portugal registou um declínio significativo na participação eleitoral ao longo das últimas décadas. Mas qual é a dimensão da abstenção? O que leva tantos eleitores a decidir não votar e quais são as consequências de não escolherem os seus representantes? Há diferenças entre as posições políticas de quem vota e de quem se abstém? E que estratégias podemos implementar para estimular a participação eleitoral?

O estudo, da autoria de José Santana Pereira e João Cancela, responde a estas questões com base num inquérito a 2405 eleitores, 6 focus groups com abstencionistas/votantes intermitentes e três encontros com representantes políticos a nível local, nacional e europeu, oferecendo a mais extensa análise até à data sobre o fenómeno no nosso país.

Esta investigação revela que em eleições legislativas, presidenciais e europeias, a participação eleitoral é mais elevada nas zonas urbanas, enquanto nas autárquicas os eleitores das zonas rurais e híbridas tendem a votar mais.

Sabe-se também que a abstenção não é um comportamento aleatório nem uniforme. Os autores destacam que características sociodemográficas, como a idade, o nível de escolaridade e de rendimentos, fatores atitudinais, como o sentimento de dever cívico ou o interesse pela política, e barreiras práticas, como a distância do local de voto, influenciam a decisão de não votar.” O leitor pode ter acesso ao estudo completo em: file:///C:/Users/M%C3%A1rio%20Beja%20Santos/Downloads/Estudo%20completo%20(PDF).pdf

Em simultâneo com a publicação do estudo era editado o livro O tanto que grita este silêncio, Porque se abstêm os portugueses?, por Nelson Nunes, Fundação Francisco Manuel dos Santos, setembro 2025.

Vota-se para quê? O autor recorda que o país está dividido em dois: nos meios urbanos, é mais fácil de chegar às urnas, mas, para os milhares de pessoas que vivem em meios rurais, o caso muda de figura. É muito provável haver milhares de abstencionistas involuntários nestes contextos. Não há explicação para esses porquês da inércia e do alheamento, mas não sobra dúvida que a política não está a comunicar a ponto de mexer com todos, e não vale a pena passar desculpas para os casos de corrupção, criminalidade, falta de satisfação de necessidades básicas como a saúde, recrudescimento de violências, matérias-primas que os órgãos de comunicação social que primam pelo sensacionalismo exploram até à exaustão.

Sabe-se que há abstenção como forma de protesto, se querem explorar o lítio na nossa terra, nós não votamos. Há quem diga que os partidos são todos iguais, nenhum deles dá resposta à falta de empregos, às remunerações justas dos primeiros empregos, e por aí fora. Nelson Nunes foi ouvir pessoas, grande surpresa foi perceber que há abstencionistas politicamente esclarecidos, há quem se apresente como abstencionista temporário, há quem foi muito tempo imigrante e que se sinta injustiçado por pagar impostos em Portugal, há mesmo quem diga nunca ter sido estimulado para as diversas formas de participação cívica, há quem não esconda um certo desconforto por saber que ao não votar há quem esteja a fazer escolhas por si, há também aquele inquirido que saltita de trabalho em trabalho e de país em país e que não vota alegando que os problemas se resolvem com decisões que nem foram anunciadas nos programas eleitorais.

Há quem se sirva da abstenção como um grito de revolta. E há respostas que nos apanham de surpresa, como esta: “Considero que a política é muito mal paga. Um bom gestor, um bom líder, não vai para a política. Vai para uma boa empresa, que lhe pague muito bem. Por isso, só vai para a política quem não é muito bom.” É como se dissesse que não se vota neles porque são genericamente medíocres. Quando, subitamente, em março de 2024, a abstenção foi das mais baixas de sempre, houve quem desse a seguinte interpretação: “É a revolta a falar. As pessoas estão cansadas, fartas do mesmo. Eu decidi não ir, mas com a generalidade das pessoas aconteceu o contrário. Foram votar porque querem respostas.”

Os inquéritos de Nelson Nunes não nos dão milagres explicativos: descobre-se que há quem foi durante muito tempo abstencionista e que agora participa, há quem durante muito tempo foi atraído por ideias de esquerda, está cansado de promessas, procura agora valores diferentes no populismo, mas também há quem se manifeste cansado numa direita e centro-direita que só tem uma certa política social para não perder o barco. O autor também bateu à porta de especialistas em ciência política, as respostas também são complexas no meio académico. Dirá mesmo, em jeito de conclusão, que o modo como as pessoas votam está diretamente relacionado com o estado das suas vidas. E os abstencionistas são mais do que a representação tosca que vemos deles na comunicação social. Acresce que a abstenção também é uma forma de representação mediática, por outras palavras, diz ele, o que falta é pôr os abstencionistas na comunicação social: libertá-los de um certo sentimento de vergonha, ou vê-los e perceber que caminho construtivo se pode desenvolver a partir daí. Estes abstencionistas silenciosos têm todo o direito a ser ouvidos.

 

                                                                Mário Beja Santos


segunda-feira, 10 de novembro de 2025

É preciso muito saber para apresentar a descolonização portuguesa com tal simplicidade e rigor.

 


 

          O Essencial sobre A Descolonização Portuguesa, por António Duarte Silva, Imprensa Nacional, 2025, é um ensaio que parte da ambição de dar ao leitor o ponto de partida no processo da descolonização, mostra-nos as modificações no programa do MFA, a pressão internacional, tanto dos movimentos de libertação e seus apoiantes como, em curto lapso de tempo, as novas autoridades fizeram o reconhecimento do direito à autodeterminação e independência para todas as colónias africanas portuguesas; prosseguindo essa linha de rumo, o autor dá-nos conta dos sucessivos acordos que envolviam todas as parcelas do Império; e conclui, hoje, em que estão ultrapassadas as tensões ideológicas que envolveram então os acontecimentos, que a evolução dos acordos, na cena política portuguesa, dificilmente podia ter sido de outro modo assumido pelo poder político; uma descolonização que se saldou numa mera transferência de poder e gerou uma comoção inusitada com a chegada de cerca de meio milhão de portugueses que, aos poucos, se foram diluindo na população portuguesa; e, questão mais do que premente, há que ter em conta da gestão deste processo, como está historicamente consagrado: “Os principais atores da descolonização portuguesa foram, solidariamente, os movimentos de libertação nacional e o MFA, a sua chave foi a independência da Guiné-Bissau, o estatuto dos movimentos de libertação nacional como sujeitos de direito internacional determinou os termos e efeitos da descolonização, distinguindo-a das demais, por a independência ter sido, bilateral, rápida exclusivamente negociada entre eles e o Estado português.”

          É um ensaio brilhante, abarca todas as questões medulares, é uma narrativa rigorosa e clarificadora, uma escrita que vai ao ritmo da complexidade e velocidade desse processo que analisa passo a passo, o fim do Império.

          O programa do MFA, a concomitância entre um golpe de Estado e um regime que caiu aparatosamente em escassas horas, sem defensores, tinha que fazer avultar a questão de fundo do levantamento militar e do seu sucesso, a inexistência de uma solução política para uma guerra de guerrilhas que deixara o Estado Novo na mais completa solidão política. O programa do MFA referia explicitamente que se impunha o lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina conducente à paz; a operacionalidade de se chegar à paz mostrou claramente um conflito entre o presidente Spínola e os demais militares, a tese federativa preconizada pelo autor de Portugal e o Futuro eram perfeito anacronismo, logo uma Guiné-Bissau já reconhecida como Estado por muitas dezenas de países nas Nações Unidas; também estas, cedo apareceram a reclamar a aplicação e os princípios e resoluções referentes à autodeterminação e independência dos povos coloniais. Ultrapassada a visão spinolista, mas já aprovada a lei da descolonização, avança-se em busca de solução para a questão mais premente, assim se chega ao Acordo de Argel, em 26 de agosto de 1974, o reconhecimento da independência realizou-se em Lisboa a 10 de setembro. Estavam lançados os dados, avançou-se para outro teatro de luta manifestamente degradado, Moçambique. De agosto para setembro trabalhou-se num protocolo de acordo, este foi assinado em 7 de setembro. Como lembra o autor, estava-se no auge do radicalismo revolucionário em Portugal e do radicalismo da FRELIMO, convencida de que com a ideologia se governava o país. Segue-se o reconhecimento da independência de São Tomé e Príncipe pelo Acordo de Argel de 26 de novembro de 1974.

          O ano finda com novo reconhecimento, prende-se com Cabo Verde, dá-se através do Protocolo de Lisboa de 19 de dezembro, o autor dá-nos uma súmula perfeita das questões conexas entre Cabo Verde e Guiné-Bissau, o princípio da unidade consagrado na doutrina do PAIGC, durante todo o período da luta e relevado nas negociações que conduziram à independência de Cabo Verde, em julho de 1975.

          Tenho para mim que todo o texto referente a Angola, e que se prende com o Acordo de Alvor, de 15 de janeiro de 1975, é historiografia doravante referencial, não podia imaginar que toda a complexidade da questão angolana ganhasse tanta luminosidade na síntese de pouco mais de vinte páginas, era o processo mais complexo e tortuoso, está aqui tudo resumido e compreensível a qualquer leigo.

          Seguem-se três processos, num deles correu sangue, um demencial caso de anexação, uma emocionante resistência que acabou no desfecho feliz da independência e do recurso à via democrática – Timor-Leste, como observa o autor: “No conjunto da descolonização portuguesa, Timor, onde não tinha havido luta de libertação nacional, acabou por ser, de facto e um pouco paradoxalmente, um caso atípico e dramático; a democracia portuguesa retomou relações diplomáticas com o Estado da Índia, surgiu o Tratado do reconhecimento da soberania da Índia sobre esta nossa colónia de Goa e de mais parcelas no último dia do ano de 1974; a questão macaense ocorreu sem nenhum drama, aprovou-se o Estatuto Orgânico de Macau em fevereiro de 1976, as relações diplomáticas entre Lisboa e Pequim foram estabelecidas em 8 de fevereiro de 1979; em 1987 assinou-se a Declaração Conjunta Sino-Portuguesa sobre a questão de Macau, a administração portuguesa findou a 20 de dezembro de 1979.

          E deste modo o autor conclui que tivemos uma descolonização tardia, apressada, consensual e conforme ao direito. Recorda que logo a seguir ao 25 de abril os movimentos de libertação nacional impuseram-se com condições e exigências não negociáveis; o programa do MFA foi-se sujeitando às inúmeras tensões externas e internas e num curto espaço de tempo, depois de aprovada a lei da descolonização, marcaram-se datas para sucessivas independências, tudo se resumiu a uma mera transferência de poder. Sucederam-se dois fenómenos simultâneos: nas cinco colónias africanas os movimentos de libertação apropriaram-se do poder, não faltaram versões ideológicas recrutadas dos modelos soviético, argelino, cubano e chinês, como ideais de organização da sociedade e do Estado e, ao mesmo tempo, Portugal vivia um processo revolucionário que muito impressionou a comunidade internacional e em simultâneo houve que procurar resolver quem vinha de retorno ou nascera nas colónias e viria assumir ser português.

          Na capa deste livro vem uma consigna que foi determinante para a descolonização, um belo achado.

          De leitura obrigatória.

 

                                                                        Mário Beja Santos

 

 

 


 


 


São Cristóvão pela Europa (331).

 

 

 

O município italiano de Tubre (Taufers im Münstertal) é o mais ocidental de toda a Região de Trentino Alto Adige.

A igreja de São João Baptista é uma belíssima igreja românica construída no Século IX, a mais antiga da Região. O fresco exterior representando São Cristóvão tem grandes proporções (5,80m), data do princípio do Século XIII e situava-se no início do caminho que conduzia à Suíça.

 



Dentro da povoação de Tubre, na fachada de uma casa, um mural:

 


Passada a fronteira, em plena Suíça, encontram-se também São Cristóvãos…

Há quatro línguas nacionais na Suíça: o alemão, o francês, o italiano e o romanche. Estamos precisamente na região onde se fala romanche, no cantão de Grisons.

A igreja em Santa Maria de Val Müstair foi construída em 1492. Após o eclodir da Reforma, curiosamente, a comunidade protestante e a comunidade católica resolveram, muito pragmaticamente, partilhar o espaço exercendo o seu culto por turnos. Em 1838 passaram cada uma a ter a sua igreja própria. No exterior um belo mural representando São Cristóvão, datado de 1513.

O município de Val Müstair é, por sua vez, o ponto mais oriental da Suíça.

 




 

Um ponto de actualidade:

Saiu recentemente o livro Notre Dame de Paris da autoria de Claude Gauvard e publicado na colecção Que sais-je? da editora Presses Universitaires de France.

Já aqui abordei por duas vezes a questão da enorme estátua de São Cristóvão que existia à entrada da Igreja de Notre Dame. Ver https://malomil.blogspot.com/2018/01/sao-cristovao-pela-europa-49.html e https://malomil.blogspot.com/2020/12/sao-cristovao-pela-europa-134.html.

O livro apenas vem confirmar o que escrevi já há uns anos. O tema é mencionado em dois momentos:

A estátua de São Cristóvão, de uma altura fenomenal, oferecida por Antoine des Essarts em 1413, colocada à entrada da Catedral, era objecto de numerosas orações.

Em 1785, destruiu-se a estátua colossal de São Cristóvão à entrada da nave.

 

 

 

                                            Fotografias de 6 de Agosto de 2025

                                                                               José Liberato