Já
há uns dias, o El País trazia aqui uma notícia que, se fosse vivo, teria feito a
cabeça em água a Erich Honecker. O antigo edifício do Conselho de Estado, a
sede do poder da República Democrática Alemã, o lugar onde Fidel Castro e Leónidas
Brejnev foram recebidos, o centro onde se tomavam as grandes decisões em nome
dos amanhãs que cantam, é hoje, imagine-se, pasme-se, uma business school. Nem mais, nem menos. A ESMT, a escola
internacional de gestão de Berlim, ministra cursos em inglês e mandarim (https://www.esmt.org/). Start-ups, empreendedorismo, inovação,
todo o jargão estereotipado do capitalismo global substitui agora os clichés do
velho comunismo, luta de classes, materialismo dialéctico, meios de produção,
infraestruturas e superestruturas e por aí fora.
Os
estudantes circulam frente a um vitral monumental, lindíssimo, da autoria de um
dos grandes nomes do realismo socialista, Walter Womacka. No cristal, as
figuras de Karl Liebknecht ou Rosa Luxemburgo contemplam, aterradas, os alunos
a discutir técnicas de opressão das massas, a fim de ganharem mais massas – para
eles e para as suas empresas.
Como
se não bastasse, cúmulo da hegemonia do kapital, uma outra notícia que
encontrei aqui. Essa, ainda mais espantosa. Em Miami, USA, num mercador de arte, esteve
em exposição para venda outro monumental vitral. Desta feita, uma peça que
adornava um edifício da Stasi, a sinistra polícia política da Alemanha
comunista. Quem visitar a sede da Stasi ou as prisões de Berlim pode ver o
nível de sofisticação e requinte a que chegou a barbárie e a desumanidade
naquele pedaço da Europa. Quem quiser e tiver paciência pode ler um guia de
Berlim-Leste, ou da sua memória, que em tempos publiquei aqui. Um roteiro da
Ostalgie. É a nostalgia de Leste – ou da sua arte – que levou à praça, em 2016,
por um preço fabuloso, este vitral «A Paz no Mundo», de 1982-83, da autoria de Richard Otfried Wilhelm (entrevista do artista ao NY Times, aqui). Pertencia ao edifício da
Stasi e, vá-se lá saber por que voltas, acabou nas mãos de um negociante alemão
de arte, Thilo Holzman, que prontamente o despachou para os States, onde terá
sido comprador por um coleccionador saudoso do comunismo ou meramente
apreciador da vida & obra da figura central da peça, Vladimir Lenine. O
mundo é um lugar estranho.
António Araújo
Apesar da estranheza do mundo, acho que o espaço foi muito bem ocupado, por uma boa causa. :)
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