O
livro Dependência Digital, de Pedro Prostes da Fonseca, Fundação
Francisco Manuel dos Santos, 2024, que se revela uma aprimorada obra de
divulgação, lembra-nos que o mundo vive hoje colado aos ecrãs (computadores,
tablets, iPads ou smartphones) e a exposição a estas tecnologias e seus
conteúdos é suscetível de produzir dependentes digitais. Enviam-se sérias
advertências para a geração Z e a todos aqueles que estão extremamente
vulneráveis à dependência digital.
O
primeiro alerta tem a ver com as posturas e nelas permanecer durante horas,
situações que podem acarretar dores lombares, tendinites, epicondilites, isto
para não falar em casos mais sérios. E fazem-se recomendações para uma boa
postura, incluindo exercícios para as mãos, são indispensáveis atitudes
positivas em relação à boa saúde.
Estima-se
que mais de 3,5 mil milhões de pessoas jogam com regularidade videojogos, de
crianças a adultos. Daí a necessidade da prevenção desde tenra idade. Uns
autores citados, é Catherine L’Ecuyer, afirma que muitos erros foram cometidos
desde aparecimento das tecnologias. Facilitar o uso destas em crianças em
idades precoces foi um deles: “Se as crianças forem expostas a um ecrã antes
dos três anos, não serão capazes de transpor uma imagem a duas dimensões para o
mundo tridimensional.” E, mais adiante: “A criança é bombardeada com estímulos
porque se presume que se não for estimulada não vai, digamos, aprender a andar,
o que não é verdade. Maria Montessori (pedagoga italiana) dizia que fazer pela
criança o que seria ela a fazer é substituir-se a ela, ou seja, é cancelá-la.”
A preocupação dominante é um uso saudável das tecnologias, e sempre com o foco
na saúde mental.
O
autor analisa os videojogos na adolescência e levanta a questão de que é
indispensável envolver o adolescente na procura de soluções, a realidade
familiar é parte integrante, há que encontrar soluções para reduzir o tempo de
exposição, substituindo-o por tempo de qualidade em família, por uma vida de
relação com os outros, práticas de atividade física, etc.
As redes sociais virtuais, com o Facebook à
frente têm forte atração de suscitar a criação de uma marca da nossa identidade
pessoal, é uma imensa sala de conversa de representação no quotidiano, uma
assembleia onde se pode fazer confissões, brigar, ter a ilusão da socialização
digital igual ou superior à socialização presencial. Diz o autor que entre as
causas mais conhecidas da dependência das redes sociais encontram-se a baixa
autoestima, a insatisfação pessoal, a depressão ou hiperatividade e a falta de
afeto, carência que os adolescentes tentam preencher através dos likes
de forma quase compulsiva, para sentirem uma intensa sensação de satisfação.
Leitura
semelhante ou afim se poderá ter para a adição aos videojogos como um
comportamento para aliviar emoções complicadas, gera-se a ilusão de que aquela
popularidade na internet extravasa para o mundo real. As dependências ao
videojogo e às redes sociais constituem duas realidades diferentes. As redes
vividas num quadro de compulsão estão associadas ao medo de se manter fora do
que está a acontecer, e daí o smartphone ser considerado uma espécie de
extensão do próprio corpo; não são de excluir potenciais perigos de desajustes
emocionais no quadro da dependência das redes; o videojogo pode ter outra
natureza: acreditar na sorte, ter a ilusão que essa mesma sorte irá premiar o
êxito, sobretudo o material. Quando a dependência é intensa pode entrar-se em atividades
de risco, é o caso das apostas desportivas online. Recorda o autor que o pano
social de fundo favorece a pressão, vem de fora do mundo digital: “Hoje, serão,
pelo menos, centenas as equipas de futebol patrocinadas por casas de apostas, e
o número não para de crescer. Isto apesar de alguns países, como a França, a
Itália, a Dinamarca ou a Espanha, terem promulgado legislação que proíbe a
publicidade a empresas de apostas nas camisolas das equipas. Em Portugal não
existe esta interdição, e o resultado é que 12 das 18 equipas da primeira
divisão exibem nas suas camisolas o nome de casas de apostas que também
patrocinam a Liga (Betclic) e a Taça de Portugal (Placard). O fortíssimo
investimento das casas de apostas nos clubes de futebol não surge como um mero
acaso. Estudos demonstram como os adeptos desportivos se sentem ligados aos
patrocinadores dos seus clubes de futebol, conferindo confiança a estas
marcas.”
Falando
dos jogos de fortuna ou azar, acrescenta o autor que somavam, em 2022, um
volume total de mais de 9 mil milhões de euros, qualquer coisa como 31 milhões
de euros por dia. Portugal tem 15 operadoras de jogo online licenciadas, a
previsão é que este número aumente; há cerca de 1 milhão de pessoas registadas
em operadoras de jogo online licenciadas. A imaginação dos agentes do mercado é
transbordante. E põem-se problemas que se prendem com a proteção do consumidor.
Em 2022, a DECO e outras associações de 18 países expressaram em comunicado o
perigo de manipulação e exploração dos consumidores dos “pacotes misteriosos”,
as loot boxes, criadas pela indústria dos videojogos, exigiram uma
regulação deste setor. A DECO considera que as loot boxes dos videojogos
têm um design manipulador, fazem marketing agressivo e apresentação
probabilidades enganosas: “Prejudicam gravemente os direitos e interesses dos
consumidores, sobretudo dos mais vulneráveis, quer via mecanismos predatórios,
quer promovendo o vício de jogo, visando sempre e somente o seu lucro.”
É
intensa a procura das “caixas de recompensa” que se pode explicar como uma
combinação de psicologia, design inteligente e fraqueza humana pela
gratificação instantânea – é o mesmo desejo que leva as pessoas a comprar
bilhetes de lotaria ou a raspadinha, tem a ver com a emoção de potencialmente
se ganhar dinheiro com pouco investimento, é uma atração irresistível. O autor
refere também as microtransações, um sistema polémico que aguarda enquadramento
legal.
Age-se
preventivamente ou procura-se a resposta adequada quando a dependência se
instala. A função educativa é primordial, o apoio psicológico poderá revelar-se
indispensável. Um psicólogo explica que uma das características dos indivíduos
com dependência é o não reconhecimento do seu problema. “Compete ao técnico,
numa ação conjunta com os pais ou os amigos de quem sofre da dependência,
elaborar estratégias que conduzam a uma consciencialização e a uma mudança de
estilo de vida, em função das características de personalidade e de idade de
quem vive ao transtorno.” E elencam-se estratégias que podem propiciar o
tratamento da dependência digital: não usar o telemóvel quando se está na
companhia de outras pessoas; desativar as notificações automáticas; reduzir o
número de amigos nas redes sociais; eliminar aplicativos e abandonar grupos do
WhatsApp prescindíveis, etc.
Leitura
muito útil que não se circunscreve aos leitores da geração Z.
Mário
Beja Santos
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