quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Dependência digital, uma patologia das redes sociais que se impõe alertar.

 


 

 

O livro Dependência Digital, de Pedro Prostes da Fonseca, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2024, que se revela uma aprimorada obra de divulgação, lembra-nos que o mundo vive hoje colado aos ecrãs (computadores, tablets, iPads ou smartphones) e a exposição a estas tecnologias e seus conteúdos é suscetível de produzir dependentes digitais. Enviam-se sérias advertências para a geração Z e a todos aqueles que estão extremamente vulneráveis à dependência digital.

O primeiro alerta tem a ver com as posturas e nelas permanecer durante horas, situações que podem acarretar dores lombares, tendinites, epicondilites, isto para não falar em casos mais sérios. E fazem-se recomendações para uma boa postura, incluindo exercícios para as mãos, são indispensáveis atitudes positivas em relação à boa saúde.

Estima-se que mais de 3,5 mil milhões de pessoas jogam com regularidade videojogos, de crianças a adultos. Daí a necessidade da prevenção desde tenra idade. Uns autores citados, é Catherine L’Ecuyer, afirma que muitos erros foram cometidos desde aparecimento das tecnologias. Facilitar o uso destas em crianças em idades precoces foi um deles: “Se as crianças forem expostas a um ecrã antes dos três anos, não serão capazes de transpor uma imagem a duas dimensões para o mundo tridimensional.” E, mais adiante: “A criança é bombardeada com estímulos porque se presume que se não for estimulada não vai, digamos, aprender a andar, o que não é verdade. Maria Montessori (pedagoga italiana) dizia que fazer pela criança o que seria ela a fazer é substituir-se a ela, ou seja, é cancelá-la.” A preocupação dominante é um uso saudável das tecnologias, e sempre com o foco na saúde mental.

O autor analisa os videojogos na adolescência e levanta a questão de que é indispensável envolver o adolescente na procura de soluções, a realidade familiar é parte integrante, há que encontrar soluções para reduzir o tempo de exposição, substituindo-o por tempo de qualidade em família, por uma vida de relação com os outros, práticas de atividade física, etc.

 As redes sociais virtuais, com o Facebook à frente têm forte atração de suscitar a criação de uma marca da nossa identidade pessoal, é uma imensa sala de conversa de representação no quotidiano, uma assembleia onde se pode fazer confissões, brigar, ter a ilusão da socialização digital igual ou superior à socialização presencial. Diz o autor que entre as causas mais conhecidas da dependência das redes sociais encontram-se a baixa autoestima, a insatisfação pessoal, a depressão ou hiperatividade e a falta de afeto, carência que os adolescentes tentam preencher através dos likes de forma quase compulsiva, para sentirem uma intensa sensação de satisfação.

Leitura semelhante ou afim se poderá ter para a adição aos videojogos como um comportamento para aliviar emoções complicadas, gera-se a ilusão de que aquela popularidade na internet extravasa para o mundo real. As dependências ao videojogo e às redes sociais constituem duas realidades diferentes. As redes vividas num quadro de compulsão estão associadas ao medo de se manter fora do que está a acontecer, e daí o smartphone ser considerado uma espécie de extensão do próprio corpo; não são de excluir potenciais perigos de desajustes emocionais no quadro da dependência das redes; o videojogo pode ter outra natureza: acreditar na sorte, ter a ilusão que essa mesma sorte irá premiar o êxito, sobretudo o material. Quando a dependência é intensa pode entrar-se em atividades de risco, é o caso das apostas desportivas online. Recorda o autor que o pano social de fundo favorece a pressão, vem de fora do mundo digital: “Hoje, serão, pelo menos, centenas as equipas de futebol patrocinadas por casas de apostas, e o número não para de crescer. Isto apesar de alguns países, como a França, a Itália, a Dinamarca ou a Espanha, terem promulgado legislação que proíbe a publicidade a empresas de apostas nas camisolas das equipas. Em Portugal não existe esta interdição, e o resultado é que 12 das 18 equipas da primeira divisão exibem nas suas camisolas o nome de casas de apostas que também patrocinam a Liga (Betclic) e a Taça de Portugal (Placard). O fortíssimo investimento das casas de apostas nos clubes de futebol não surge como um mero acaso. Estudos demonstram como os adeptos desportivos se sentem ligados aos patrocinadores dos seus clubes de futebol, conferindo confiança a estas marcas.”

Falando dos jogos de fortuna ou azar, acrescenta o autor que somavam, em 2022, um volume total de mais de 9 mil milhões de euros, qualquer coisa como 31 milhões de euros por dia. Portugal tem 15 operadoras de jogo online licenciadas, a previsão é que este número aumente; há cerca de 1 milhão de pessoas registadas em operadoras de jogo online licenciadas. A imaginação dos agentes do mercado é transbordante. E põem-se problemas que se prendem com a proteção do consumidor. Em 2022, a DECO e outras associações de 18 países expressaram em comunicado o perigo de manipulação e exploração dos consumidores dos “pacotes misteriosos”, as loot boxes, criadas pela indústria dos videojogos, exigiram uma regulação deste setor. A DECO considera que as loot boxes dos videojogos têm um design manipulador, fazem marketing agressivo e apresentação probabilidades enganosas: “Prejudicam gravemente os direitos e interesses dos consumidores, sobretudo dos mais vulneráveis, quer via mecanismos predatórios, quer promovendo o vício de jogo, visando sempre e somente o seu lucro.”

É intensa a procura das “caixas de recompensa” que se pode explicar como uma combinação de psicologia, design inteligente e fraqueza humana pela gratificação instantânea – é o mesmo desejo que leva as pessoas a comprar bilhetes de lotaria ou a raspadinha, tem a ver com a emoção de potencialmente se ganhar dinheiro com pouco investimento, é uma atração irresistível. O autor refere também as microtransações, um sistema polémico que aguarda enquadramento legal.

Age-se preventivamente ou procura-se a resposta adequada quando a dependência se instala. A função educativa é primordial, o apoio psicológico poderá revelar-se indispensável. Um psicólogo explica que uma das características dos indivíduos com dependência é o não reconhecimento do seu problema. “Compete ao técnico, numa ação conjunta com os pais ou os amigos de quem sofre da dependência, elaborar estratégias que conduzam a uma consciencialização e a uma mudança de estilo de vida, em função das características de personalidade e de idade de quem vive ao transtorno.” E elencam-se estratégias que podem propiciar o tratamento da dependência digital: não usar o telemóvel quando se está na companhia de outras pessoas; desativar as notificações automáticas; reduzir o número de amigos nas redes sociais; eliminar aplicativos e abandonar grupos do WhatsApp prescindíveis, etc.

Leitura muito útil que não se circunscreve aos leitores da geração Z.

 

                                                            Mário Beja Santos


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