quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Cristo em casa de Manuel Assunção e família.

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- Eis-me. E eis os estores...



Para onde vai um, vão todos, é o lema de Manuel Assunção e família. No caso vertente, não vão a lado nenhum, porque o homem dos estores tinha dito que vinha na quarta, não quinta, ou melhor sexta feira, e Manuel Assunção e Senhora acordam todos os dias pelo dealbar da aurora com a luz cinzenta e têm a manhã estragada. Paciência, lêem mais a Bíblia. Fazem leitura temática, catando nas Escrituras todas as passagens sobre o amor divino, todos os versículos sobre o fogo do Inferno, e as onze da manhã encontram Manuel Assunção e Senhora, ao despique, em sabatina, examinando reciprocamente os conhecimentos. Mas, com o passar do tempo, têm-lhe dado cada vez mais forte no Apocalipse.
É que se o homem não vem naquele dia, nunca mais, depois do Natal. Pára tudo no Natal. À senhora de Manuel Assunção oferecem os colegas, todos os benditos anos, na troca de prendas da festa de Natal, a mesma caixinha de Ferrero Rocher, que ela dá à Madalena, que diz : “Ah, é verdade, vocês são Testemunhas de Jeová, não celebram o Natal!”.
O homem dos estores viera há quinze dias e deixara tudo na mesma. Ficara parado a meio do quarto, com uma espécie de indignação, mista de desânimo, a olhar para as ripas encravadas em diagonal. Diagnosticou, desdramatizou. “Isto quase nem vale a pena a deslocação!”. “Mas é que nos faz imensa diferença!”, disse a senhora de Manuel Assunção. “Pois virei na quarta-feira!”, disse o homem dos estores.
E era sexta, hora de almoço, e a Sarinha lia a passagem dedicada ao Segundo Advento, tocaram à campainha, a família imobilizou-se. Seria ele? Poderiam essa noite dormir sem a ameaça da precoce madrugada? A Sarinha foi devagar (era mesmo assim, lenta) abrir a porta.  Manuel e Senhora sorriram, por cima de cavalas e batatas. “Aqui estou!”, disse o homem. E assim foi.
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Luísa Costa Gomes
(in Setembro e outros contos)

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