quinta-feira, 27 de outubro de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

#73 - JOE HENDERSON

 

Fotografia de Francis Wolf
 
       O percurso do jazz ao longo do século não se conforma a um calendário medido em décadas, nem sequer ao decálogo dos géneros que no tempo se foram determinando, porque qualquer uma destas craveiras é demasiado asséptica e distinta quando se quer enfiar nelas a obra de um músico. Pega-se num intérprete e repara-se que a sua obra, mais do que descrever uma linha de evolução – fenómeno que, como se sabe, não existe nas artes – vai serpenteando ao correr de soluções de continuidade, interferências e influências de outras personalidades, inspirações repentinas, arritmias, com fases de aceleração e fertilidade e outros de quase inércia.
         Sendo isto uma apreciação prosaica, ainda assim é possível dizer sem paradoxo que a carreira de Joe Henderson deduz-se das circunstâncias peculiares da década de 60, época impregnada da sensação, não de todo errónea, de que a história do jazz já tinha sido feita. Como chegou “tarde” Henderson não participou nas irmandades que deram origem ao bebop ou ao cool e muito menos incorporou a legião de órfãos das esvaídas big bands que durante os anos 50 saltitava de clube em clube na Rua 52 acompanhando as cabeças de cartaz ou provocando jam sessions.
         Porém, Joe Henderson foi ainda tempo de saltar para o comboio do hard bop. Talvez por falta de espaço, oportunidade ou sorte para afirmar o seu nome como cabeça de cartaz, mostrou consistência mais do que suficiente para que a Blue Note o adoptasse como uma espécie de avençado. Desmente a suposta menoridade de tal estatuto o facto de Henderson ter estado envolvido com destaque nas gravações cruciais daquele período: “Song For My Father” e “The Cape Verdean Blues” de Horace Silver; “The Sidewinder” de Lee Morgan; “Iddle Moments” de Grant Green; “Unity” de Larry Young; “The Real McCoy” de McCoy Tyner. Não haja todavia a tentação de desvendar nesta omnipresença uma eminência parda mas antes concluir que Joe Henderson era considerado por qualquer líder de formação como um asa extraordinariamente fiável, capaz de vitalizar uma sessão.
 

 
Page One
1963 (2005)
Blue Note - 6473
Joe Henderson (saxofone tenor), Kenny Dorham (trompete), McCoy Tyner (piano), Butch Warren (contrabaixo), Pete La Roca (bateria).
 
 
Em 1992, aos 55 anos de idade, Joe Henderson publicou o disco “Lush Life: The Music of Billy Strayhorn” aproveitado pela comunidade do jazz para agraciá-lo com uma merecida mas tardia entronização. Nem por isso injustificados, terão sido tributários e indemnizadores os elogios despendidos à obra, mas louve-se-lhes o mérito de valorizarem o trabalho de Henderson desde a sua primeira página.
“Page One” foi editado no pouco prolífico ano de 1963 e passou como uma peça consuetudinária do jazz de então. Hoje poder-se-á ouvi-lo como o excelente exemplo de uma geração que nunca o foi porque o destino, ou o diabo por ele, não permitiu – outros gigantes recebiam todas as atenções – e na qual se definiram músicos relevantes sem que tivessem sido principais como Lee Morgan, Stanley Turrentine, Booker Erwin, Kenny Dorham, Eric Dolphy, Donald Byrd, Hank Mobley, etc…
Na verdade o jazz actual e, sobretudo, a memória do jazz, deve, muito mais do que a outros, a estes “carregadores de piano” que consolidaram o mainstream e mantiveram a chama acesa.
 
 
José Navarro de Andrade
 

2 comentários:

  1. Grande musico mais uma agrande cronica.
    Aproveito este espaço para uma modesta mas sincera opinião acerca da questão Nobel-Bob.
    Francisco Buarque de Holanda provavelmente um obscuro escritor e cantautor para a academia sueca estaria muito bem com o próximo(como vem não quero retirar este ao Bob).Sei que é uma loucura pensar que um representante da cultura pop não anglo saxónica possa sonhar com isso mas não ficava bem comigo se não o dissesse em público.Desculpem.

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