quinta-feira, 1 de junho de 2017

Quem Graça faz, graça merece.





 
Vem o provérbio popular do título acima a propósito da transfiguração radical (para bastante melhor, diga-se) por que tem passado o bairro da Graça, mais propriamente o seu coração, no largo homónimo, ou seja, naquele pedaço desenho urbano já de si lindíssimo que vai do miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen ao local de inversão de marcha do eléctrico 28, ao cimo da Rua Voz do Operário.
Trata-se de uma verdadeira metamorfose a nível do espaço público, tendo por base um princípio-base simples, apanágio do século XXI (cá, porque lá fora já vem de há muitas décadas): o primado do peão sobre o automóvel. Numa zona em que tudo parecia sufocado pelo imenso caos de sucata móvel, que a ocupava a seu bel-prazer de há muitos anos a esta parte.
Só por isso, portanto, esta obra deve ser motivo mais do que suficiente para encher de orgulho todos quantos nele (bairro) vivem, trabalham ou visitam e, já agora, os que contribuíram para que isto acontecesse, para fazer jus ao título que encima estas linhas:
Há mais passeios e em calçada portuguesa, amplos (ainda que bordejados pelos inevitáveis pilaretes), com bancos, e até vai regressar um coreto em frente da Escola-Oficina nº 1. Há mais árvores no “sopé” do Jardim Augusto Gil e um pouco por todo o lado, embora ainda haja lugar para mais umas quantas e grande parte das recém-plantadas o sejam porque em substituição de umas poucas injustamente abatidas.
E como a Graça não se reduz a um largo, e como sem N. Senhora da Graça e a respectiva igreja-convento, simplesmente, não haveria Graça nenhuma, há que não esquecer nesta acção de graças à CML (e não só) o que já foi feito e está a ser feito nesse conjunto monumental: o jardim da cerca do convento, que foi inaugurado há nem 2 anos (e a que ainda falta abrir 2 entradas), a lindíssima capela do Senhor dos Passos, que foi recentemente reaberta depois de minucioso restauro, e as várias alas do antigo convento (incluindo as dependências da Real Irmandade do Senhor dos Passos da Graça) e os próprios passos (alguns já recuperados) a restaurar. De fora, ainda sem destino ou obra efectivamente traçados ficam o resto do convento e do quartel entregues à GNR, mas de hotel não se deverão livrar, e que não seja mal que venha por bem, é o que deseja.
Falta o resto? Falta.
Desde logo, no capítulo dos popós, o arrumar de vez com aquela coisa dos carros estacionados na Rua Voz do Operário passeio acima, ou na ligação a Sapadores, ou nos acessos congestionados de veículos 3 e 4 rodas às vistas fantásticas que se tem desde a cadeira milagrosa de São Gens; e, claro, o tal de parque de estacionamento automóvel para quem vocifera por já não poder estacionar no meio do largo, ou porque não sabe que naquele sítio quem nele decida morar tem inevitavelmente um custo de oportunidade associado (o não de não poder ter tantos carros quantos os membros do agregado familiar), ou porque ao querer ir ao Botequim ou ao Pitéu, não quer ir de eléctrico nem de Uber, perdão, táxi, nem a pé. No entanto, o vasto espaço da parada do quartel dá para se fazer um amplo estacionamento, assim se entendam todos.
No espaço público, ainda, há que intervir com igual frémito a jusante da colina, seja no lindíssimo largo do Mosteiro de São Vicente de Fora, tornando-o unicamente pedonal, seja no refazer e alindar daquela encruzilhada de cotas e elementos espúrios a que dão o nome de Largo Rodrigues de Freitas, indigno, aliás, de uma capital europeia.
Falta sobretudo uma reabilitação cuidada do edificado de várias épocas e estilos, e não estilos, que compõe a riquíssima heterogeneidade da Graça, começando por devolver a dignidade e o aprumo merecidos ao Bairro Estrela d’Ouro (e já agora ao Royal) e que Agapito e suas filhas e Norte Júnior por certo agradecerão, e a todas as pequenas vilas operárias que há nas imediações. Há vários exemplos de reabilitação cuidada pela Graça (ex. Travessa das Mónicas, 67) mas não tantos que nela façam regra contra o abuso do PVC e das mansardas em zinco, o que é uma grande pena.
Seria óptimo que o complexo das Mónicas voltasse ao Estado e que, uma vez recuperado, fosse aberto à comunidade, não só porque o negócio da sua privatização nunca convenceu ninguém, como porque o que para lá se projectou é mau de mais para ser verdade.
Assim como óptimo seria que a CML se deixasse de patrocinar a destruição do alambor da muralha fernandina (Monumento Nacional), e se decidisse antes por reformular o traçado do tal funicular que quer colar à viva força na encosta, unindo as Olarias ao miradouro, mas que assim não vale.
 
 
Paulo Ferrero
Fundador do Fórum Cidadania Lx
 
(originalmente publicado no Diário de Notícias, de 29/5/2017)

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