segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Histórias de mulheres: Ninalee Craig.

 
 
Ruth Orkin, An American Girl in Italy, 1951
 
Provas de contacto, retiradas deste FANTÁSTICO BLOGUE QUE SIGO HÁ MUITO
 
 
Há dias, mais precisamente ontem (ou antes de ontem), estava a pilhar da generosa Net uma célebre imagem de Ruth Orkin, An American Girl in Italy, de 1951, quando atrás dela (dela da imagem) veio a história da célebre fotografia, obviamente catalogada como «icónica» por tudo quanto é órgão da comunicação social.
Deparei com um artigo da CNN que, por ser bom de bom, e a autora dele, a Emanuella Grinberg, certamente me vai desculpar, vou-lhe aqui fazer um resuminho. Podia também pedir licença à Abigail do The Guardian, que também se saiu bem aqui, mas vou à CNN. Pois bem, a fotografia, ao contrário do que se possa pensar, não foi encenada, assegura a rapariga retratada, Ninalee Craig, que tinha 23 anos quando foi maviosamente vaiada e piropada por uma cambada de rapazes de Firenze, alguns dos quais sentados numa lambreta Vespa. Tudo demasiado bom para ser verdade, mas é a verdade, captada por Ruth Orkin (1921-1985) (http://www.orkinphoto.com/). A moça Ninalee, como se disse, tinha na altura 23 primaveras e, questionada pela CNN sobre se estava com medo de toda aquela piropagem latina, responde taxativamente que não, que não estava com medo nem receio nenhum. Ao invés, e também ao invés do que a fotografia mostra, com a Ninalee algo enfiada e cabisbaixa, a rapariga, hoje com 89 anos, afirma que se encontrava nas nuvens. «I was Beatrice walking through the streets of Florence, I felt that any moment I might be discovered by Dante himself», diz a Ninalee, num inglês perfeito e, portanto, não vou traduzir, tradittore.    
Agora imagino que já estejais aí todos em casa, famílias inteiras de roda do computador, a formular a questão: e como é que uma moça de 23 anos me vai sozinha para Florença em 1951? Vou traduzir da CNN, que é mais prático: «Craig salvou dinheiro de um trabalho professorando em Nova Iorque. Tomando o adviso da sua mãe, ela planejou para viajar Europa até que o dinheiro fugisse todo. Visitou França, Espanha e Ingland antes de assentar em Florença para tomar classes de arte». Quanto à fotógrafa, Ruth Orkin, vinha de fazer um trabalho fotográfico em Israel para a mazine Life. As duas encontraram-se nos ofícios do Americano Expresso, casualmente, que era o lugar para mandar letras e telegramas, fazer apelos telefónicos e trocando dinheiro antes da era das massas de telecomunicações.
 

 
 
 
 
 
 


 
 
As mulheres ficaram cúmplices uma da outra e vice-versa, sobretudo quando descobriram que ambas as duas pernoitavam no mesmo hotel por um dólar por noite (para cada uma, mas incluía refeições). À medida que iam ficando mais amigas, partilhando a paixão por viajando, Orkin propôs à Ninalee que fizessem uma reportagem com ela a cirandar pelas ruas de Florença. Foi o fizeram, e daí resultou um conjuntinho de fotografias muito delicioso. Na manhã seguinte, pelas 10 horas matinais, já estavam as duas na rua, cumprindo o desiderato da fotógrafa, que consistia em, e agora vou citar a dona Ninalee, «Hey, you know what, I could probably make a bit of money if we horse around and show what it's like to be a woman alone». A volta pela cidade dantesca durou umas duas horas, duas horas e picos, e depois cada uma foi à vida dela mas, como era hábito nestes grand tours de jovens americanos pela Europa, reencontraram-se em Paris e em Veneza, onde a Orkin voltou a fotografar a Craig. As imagens saíram na revista Cosmopolitan em 1952, ilustrando um artigo que se chamava «When You Travel Alone…» e que oferecia dicas sobre dinheiro, homens, moral e tudo o que é necessário saber para fazer uma viagem divertida e segura (e estou a quote Ninalee Craig, com adaptações). E quem assinava essa sumarenta peça jornalística da Cosmopolitan sobre viagens e moralidade? O Dr. Zeinal Bava.
Se acreditastes no que acabei de dizer, podereis prosseguir a leitura, que termina já agora só com mais uma notinha para dizer que a filha de Ruth Orkin, que ficou, penso que às boas, com a herança da Mãe, diz que a fotografia é hoje muito mais importante do que foi em 1951, constituindo um símbolo de: independência, liberdade e autodeterminação. Mas por que diabos é que começam logo com filosofias e intelectualices sobre uma foto tão simples? É a própria da Ninalee que diz que estava a sentir-se maravilhada: tinha 23 anos, visitava Florença pela primeira vez, ia para lá estudar artes, acrescentando ainda que, em tese geral, a admiração pública dos homens pelas mulheres não lhes deve causar embaraços, que é uma prática vulgar em países de sangue quente, sendo um passatempo inofensivo para a rapaziada. A filha da fotógrafa não se dá por vencida e continua a carregar com «gender roles» e que a imagem da defunta mãezinha desafiou estereótipos e constitui uma denúncia do «street harassment», que era um termo que na altura nem tinha sequer sido inventado e, portanto, a mãe foi uma inovadora, empreendedora, progressiva e até mesmo precursora revolucionária. A gente ouve destas e fica mas é a pensar como as imagens enganam consoante o contexto que lhes dermos, pois durante anos a fio, até ontem e antes de ontem, eu pensei que era mesmo uma imagem de assédio de rua, que a rapariga estava incomodada, e até induzi em erro os leitores do Malomil. Pois não é bem assim, mas é assim que toda a gente julga que é, pelo menos desde que a revista Life decidiu republicar a foto nos anos 1980s. A moça retratada, que aí era mundialmente conhecida na terra dela por «Jiny Allex» (o seu petit nom), viu a identidade revelada para Ninalee Craig e não se importou nada com isso – inclusive, e pelo contrário, gostou e gosta de se retratar ao lado do seu retrato dos anos 1950s, mostrando ao mundo que continua a ser uma mulher bonita e vaidosita. E até dá alguns ares da nossa pintora Graça Morais, digo eu, não sei.
 
 


Ruth Orkin
Esta é de quando a Ruth Orkin ainda era viva e a Ninalee mais nova do que é hoje


Factos da vida: como nos filmes românticos, Ninalee Craig tornou-se condessa pois casou com um conde italiano e foi viver para Milão onde se divorciou do conde; mais tarde contraiu matrimónio com um executivo de uma companhia de aço do Canadá e, depois de enviuvar do seu segundo marido (o executivo do aço), despontou na cena de artes de Toronto, sendo conhecida como «Canadian girl», em vez de, como devia, «American girl». Está bem na vida, como atestam as imagens, e ainda recorda com saudade os tempos passados em Florença na companhia de Ruth Orkin, «we had a great time». Tem dez netos e sete bisnetos, e uma cópia da época da sua fotografia icónica custa 50 mil dólares, como se conta aqui. E pronto; não é bonita, esta historiazinha? Agora vamos reinar às recriações patetas e aos pastiches, num dos quais até aparece a Ninalee:




 
 

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