terça-feira, 25 de agosto de 2020

São Cristóvão pela Europa (122).





A igreja de São Cristóvão de Rio Mau no concelho de Vila do Conde é seguramente um dos pontos mais marcantes da arte românica em Portugal. E também dos mais discutidos e controversos.

O mosteiro de que fazia parte já existia em 1103, pelo que a sua fundação deve remontar ao Século XI. Já então o mosteiro era dedicado a São Cristóvão.




No interior da igreja, destacam-se os capitéis da cabeceira, em especial os do lado Sul:







Aparentemente, trata-se de uma figura transportando outra, de um grupo de três personagens e, finalmente, um jogral.

Têm sido avançadas várias interpretações para esta sequência: a Canção de Rolando, um ataque viking, o desastre de Badajoz de D. Afonso Henriques.

Mas uma das interpretações, e das mais consistentes, é particularmente interessante para a nossa série.

A Professora Lúcia Rosas, num artigo intitulado «Passio Christofori» publicado no Livro de Actas da Conferência Internacional Genius Loci (Porto, Abril de 2016), defende a tese de que estas representações são mesmo de São Cristóvão.

Existe uma inscrição na igreja que a data de 1151. O que significa que estes elementos escultóricos são anteriores à célebre Legenda Aurea, já aqui mencionada, da autoria de Jacobo de Voragine, publicada não antes de 1260.

Ou seja, podemos ter aqui uma representação de São Cristóvão anterior à codificação da sua lenda. Sem rio a atravessar, sem Menino Jesus e a sua orbe.

Na primeira imagem, São Cristóvão teria nos seus braços Cristo segurando uma vara. Pode tratar-se de uma mera representação do significado do nome do Santo em grego: o transportador de Cristo.

A segunda representará o momento em que o Santo é preso. Santo que tem a cabeça coberta e que, com uma mão, agarra o pulso da outra mão, símbolo de dor ou de subjugação.

A cobertura da cabeça será porventura um elmo quente que lhe teria sido colocado ao ser preso. Essa cena consta de lendas prévias à Lenda Dourada.

O jogral que toca um instrumento de cordas na terceira imagem poderá ser alusivo às festas palacianas do rei. O diabo era mencionado nas canções. Quando isso acontecia, o monarca benzia-se demonstrando seu temor e evidenciando, consequentemente, que afinal não era o rei mais poderoso do mundo. Já aqui mostrei no Malomil um quadro de Martin de Soria alusivo a este momento. Ver 

Outros capitéis têm imagens diabólicas incentivando à resistência ao demónio.







Fotografias de 28 de Julho e 8 de Agosto de 2020.

José Liberato









4 comentários:

  1. Obrigada por mais um testemunho precioso. - É muito bonita esta Igreja...
    E, já agora o artigo da Prof. Rosas está disponível neste link, para quem se interessar: https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/118883

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  2. Fotos exemplares de beleza.
    .
    Um dia feliz
    Abraço

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  3. A igreja, uma preciosidade, e a história é para mim a mais interessante.
    Obrigada

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  4. Muito obrigado pelos vossos comentários.
    José Liberato

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