segunda-feira, 26 de outubro de 2020

A Celebração da Vida pela Elevação da Morte.





A Celebração da Vida pela Elevação da Morte


          Por Pedro Strecht, Médico Pedopsiquiatra



 

          Pela primeira vez, desde sempre na história conhecida das nações, muitos de nós não vamos poder estar junto dos que nos são mais queridos e já partiram. Por razões preventivas de saúde física, sacrificando novamente as de ordem psíquica e social (contidas na definição da OMS), a circulação entre concelhos será proibida nas datas em que anualmente muitos se organizam nos necessários rituais do luto necessário em volta da perda e da morte, para que justamente a vida possa continuar a ter o seu sentido mais profundo: que há para além de mim? Que existe depois desta existência?


          Por isso, relembro nesta ocasião pequenos pontos-chave que parecem cada vez mais omissos numa sociedade que há muito se afastou da noção da doença, lida mal com a presença da morte e faz da vida uma corrida de contínua corrida e falsa infalibilidade. Todos somos mortais. Todos precisamos de, ao longo da vida, ir organizando suficientemente bem esse conceito, na relação connosco próprios e com a noção de presença ou ausência física e emocional dos outros.

1.    A negação da morte é um imenso ataque à noção de vida.

2.    O que torna o homem consciente de si mesmo e do outro é a percepção da finitude: a omnipresente angústia de morte, incluindo as suas variações minor de separação e perda

3.    As pessoas e as sociedades organizam-se em volta de rituais. A sua abolição produzirá os dois efeitos extremos: a paralisia psíquica (o desinteresse, a apatia, o vazio depressivo) ou, no oposto, os movimentos de zanga e raiva indiscriminada.

4.    A presença emocional do outro (incluindo perante a sua ausência física como na morte) celebra-se na continuidade do tempo, na evocação das memórias mais marcantes (incluindo as sensitivas), das recordações significativas, em suma, de tudo quanto representa formas de inscrições psíquicas.

5.    A vida também se vive pela morte e seus equivalentes emocionais, mesmo em tempos em que estes conceitos parecem subitamente negados: a importância do vazio, a necessidade do silêncio, a procura de uma luz que quer acender (uma vela)

6.    A morte também precisa de vida, de festa e celebração em seu redor, para que não seja sentida de uma maneira tão dura e difícil: os ramos de flores, a cor e a harmonia que exibem

7.    Neste ano difícil, depois de Todos os Santos e Fiéis Defuntos, virá com certeza uma provável supressão do Natal? Esse, alguns o disseram há muito, também já é quando o homem quiser, tornando-se a celebração do consumo e do narcisismo.



Lisboa, 25 de Outubro de 2020


Pedro Strecht, mail: plstrecht@gmail.com











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