O
título da obra Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in
Guinea-Bissau, por Joshua B. Forrest, Ohio University Press, 2003, parece
desconcertante e, contudo, trata-se de uma arguta e audaciosa investigação de
que, incompreensivelmente, não se vê qualquer alusão nos autores de referência
neste domínio particular da investigação. É um dos mais importantes trabalhos
de tese sobre a Guiné-Bissau que eu conheço, e por essa razão pretendo falar
dele com uma certa minúcia.
Falar
em Estado frágil está muito longe de ser uma novidade quando se fala da
Guiné-Bissau. Há consenso que um estado desta natureza tem uma incapacidade
estrutural para impor decisões políticas levando a generalidade dos grupos a
sentirem-se enquadrados numa perspetiva nacional. Não é frágil o Estado onde se
pagam impostos, se possui um sistema educativo, um serviço público de saúde,
mecanismos de salvaguarda da segurança pública, intervenções em calamidades, e
o muito mais que se sabe. O que não se sucede na Guiné-Bissau. O que Joshua
Forrest apresenta como premissa maior é de que este Estado frágil tem as suas
raízes no modo de desenvolvimento das sociedades rurais tanto nos períodos
pré-coloniais como coloniais. E para dar consistência à sua tese o autor
disserta sobre a história da Guiné-Bissau em quatro momentos específicos: o
espaço político pré-colonial e o encontro afro-europeu; a organização do território
durante a presença colonial e a resposta das sociedades civis, na vertente
étnica; como as sociedades rurais responderam ao período da ocupação e
pacificação; por último, a luta armada e o Estado pós-colonial.
No
essencial, Joshua Forrest pretende dar uma sequência às identidades
étnico-políticas, mostrando que quando os europeus desembarcaram na chamada
Costa da Guiné, Senegâmbia, Terra dos Negros, ou outra expressão equivalente,
já existia uma rede comercial e um vasto sistema de alianças à procura de equilíbrio.
As identidades étnico-políticas deram provas, sem prejuízo da sua autonomia, de
se mostrarem capazes de estabelecer alianças de longo prazo. A relação do
colonizador com os reis locais revelou-se bizarra: na generalidade dos casos, o
colono, para fazer o seu comércio em paz, tinha que pagar uma daxa, um tributo,
não pagando sujeitava-se às mais tortuosas retaliações. Durante séculos, o
colono não se propôs ocupar o território e quando o ensaiou encontrou uma
reação áspera, daí os múltiplos incidentes e combates. A prova de que Forrest
estudou e refletiu profundamente sobre os elementos da sua tese aparecem com
clareza quando ele fala nas alianças multiétnicas, à volta do grande cerco de
Bissau (1890-1909). Na verdade, ainda na segunda década do século XX, o Estado
colonial controlava uma porção ínfima do território. Há pormenores desta
análise do maior interesse, como é o caso do armamento usado por ambas as
partes até ao momento em que a evolução do armamento deixou as sociedades
guineenses sem capacidade de resposta. O armamento e o número de efetivo a
combater. Quando em 1907, o régulo do Cuor, em estreita conivência com outros
régulos de regiões limítrofes, impede a navegação do Geba, pela primeira vez
Lisboa reagiu autorizando um considerável exército para castigar o rebelde,
foram enviados contingentes de Portugal e de Moçambique, embarcações bem
equipadas, o exército com o melhor armamento disponível. Mais tarde, durante as
campanhas do capitão Teixeira Pinto, usou-se o terror e a dissuasão combatendo
sem tréguas.
Pacificação
nunca significou na Guiné domínio absoluto, até porque foi entendido, perante o
mosaico étnico e a diversidade de sociedades horizontais e verticais, que o
Estado colonial beneficiaria de receber a fidelidade das etnias islamizadas,
fenómeno que estará presente na luta armada de 1962 a 1974. Reparo que Joshua
Forrest é o primeiro investigador que recua a data da luta armada para 1962, há
hoje provas inequívocas de que nesse ano o PAIGC desmantelava infraestruturas,
fazia emboscadas, lançava intimidações, socorria-se do terror e assassinava
comerciantes brancos e cabo-verdianos. O autor recorda o mercenário senegalês
Abdul Indjai, de quem Teixeira Pinto fez um herói, no fundo fez do mercenário o
proprietário de uma porção do país, embora se tenha virado o feitiço contra o
feiticeiro, Abdul Indjai veio a revelar-se um aterrorizador de populações entre
o Oio e o Geba, caiu em desgraça, foi preso, retirado da Guiné e exilado em
Cabo Verde.
Estamos
perante uma investigação em que se pretende dar como facto consumado a
autonomia e a capacidade de resistência a nível local. O Estado colonial nomeia
régulos que não merecerão a confiança das populações locais. Balantas, Manjacos
e Felupes manter-se-ão à margem da administração colonial, a despeito do
trabalho forçado e do imposto de palhota. A vida social, política e económica
destas etnias manter-se-á inteiramente livre, são sociedades que disporão de
uma intensa rede comercial informal, os comerciantes deslocar-se-ão calmamente
pelas fronteiras porosas do Senegal e da Guiné Francesa. Quando o governador
Carvalho Viegas escrever nos anos de 1930 o seu importante relato sobre a Guiné
não iludirá de que a administração da colónia é mais teórica do que o real, com
funcionalismo altamente corrupto e culturalmente desqualificado. Será Sarmento
Rodrigues o governador destinado a ver mais longe e a pretender alterar a
situação de ocupação fictícia: Bissau ganha dignidade, lançam-se
infraestruturas, procura-se conhecer a cultura guineense, atraem-se os mais
capazes, o governador pretende ver em marcha uma colónia modelo. Serão
convocados planeadores urbanos, arquitetos entusiastas, até artistas em
lançamento. No momento em que escrevia estas considerações sobre a importante
investigação de Forrest, decorria no Centro de Arte Moderna da Fundação
Gulbenkian uma retrospetiva a José Escada. Ele vai aparecer a trabalhar nos
painéis da nova Associação Industrial e Comercial de Bissau, no local mais
central da cidade. Sarmento Rodrigues cuidou de uma administração mais motivada
e capacitada.
Estátua do capitão Teixeira
Pinto
Abdul Indjai, o serere que
se pôs ao serviço de Teixeira Pinto e foi premiado como régulo do Oio
Ao
iniciar-se a luta armada, a Guiné possui uma administração colonial, um serviço
de saúde elogiado pela OMS, Spínola conferirá durante o seu mandato uma enorme
respeitabilidade à audição multiétnica através dos Congressos do Povo, eventos
que tiveram a particularidade de juntar representantes das sociedades rurais. É
nesse contexto que o investigador norte-americano se debruça sobre o soçobro do
Estado pós-colonial. Amílcar Cabral falara repetidamente na “armadilha de
Bissau”, advertira enigmaticamente quanto ao “suicídio da burguesia”, deixara
escrito que o Estado devia descentralizar-se, um país com aquela dimensão,
saído de uma dilacerante luta armada, com tais e tantas confrontações étnicas,
o Estado pós-independência devia estar junto das populações. Ninguém o ouviu.
Com as consequências à vista.
O
Estado na República da Guiné-Bissau permaneceu sempre frágil, distante e
indesejável para muitos dos autóctones. Os comités de tabanca rapidamente
caíram em desuso e praticamente não funcionaram nas regiões onde a presença
portuguesa era mais forte. Luís Cabral e Nino Vieira prometiam modernização:
surgiram os grandes desastres da pseudo-industrialização, os doadores foram-se
cansando de ver tanto projeto posto em abandono, descurado por meras guerras
intestinas. Em poucos anos, as sociedades guineenses aperceberam-se que vinham
autocarros oferecidos, automóveis suecos para os governantes, que até o
dinheiro da cooperação sueca para pagar aos professores era desviada, os
correios deixaram de funcionar, as estradas só eram reparadas com a cooperação
chinesa, o sonho dos Armazéns do Povo tornou-se num pesadelo de corrupção e
incompetência. Os régulos voltaram a ser a autoridade legítima, floresceram as
escolas corânicas.
Enfim,
estamos perante um trabalho tão controverso que há inúmeras questões para
tentar responder, desde as alianças multiétnicas que precederam a chegada dos
portugueses, em que termos mais precisos se pode argumentar que as sociedades
rurais guineenses recusaram o Estado, etc. Forrest também implica o novo olhar
sobre a luta armada e as propostas de Amílcar Cabral. Creio serem estes os
aliciantes fundamentais para percebermos que esta obra é indispensável para
entender melhor a Guiné-Bissau de há muitos séculos até hoje.
Recapitulando,
a tese fundamental de Joshua B. Forrest é de que o território onde hoje situa a
República da Guiné-Bissau sempre faz parte de Estados fracos, é uma situação
que remonta ao período pré-colonial, tendo daí resultado um modo de
desenvolvimento das sociedades rurais que foram descobrindo as suas redes
comerciais, estabelecendo redes de alianças entre etnias e mesmo em períodos de
grande intimidação, em termos coloniais e pós-coloniais, assim mantêm a sua
identidade e autonomia. Esta tese é forçosamente controversa. Basta pensar nas
propostas de Amílcar Cabral no tocante à nação guineense e à unidade Guiné-Cabo
Verde. O líder do PAIGC declarou e escreveu que a cultura desenvolvida pela
luta armada estava a dar uma fisionomia ao novo Estado, as etnias iriam todas
confluir numa nação que se pautaria por uma democracia revolucionária. O
Congresso de Cassacá, em fevereiro de 1964, teria marcado a condenação das
práticas mágicas negro-africanas e a punição severa de chefes da guerrilha
torcionários e crentes nessas práticas mágicas. O PAIGC era apresentado como
uma unidade entre cabo-verdianos, luso-africanos e africanos. Sabe-se que o
golpe de Estado de 14 de novembro de 1980 liquidou esse sonho. Ficou o verso do
hino nacional, escrito por Amílcar Cabral “nação forjada na luta” para
significar a importância maior de que a nação deve preceder o nascimento do
Estado, este teria de ser moldado pelo partido em convergência com o mundo
rural guineense.
A caminho do Congresso de
Cassacá, 1964, Amílcar Cabral na primeira fila
Logo
no prefácio, Joshua Forrest sublinha a natureza do colonialismo português na
Guiné: durante séculos, os portugueses selecionavam bases de comércio, de
preferência na orla marítima, estabeleciam relações com os chefes locais para
acordar os negócios da escravatura, pagavam taxas por tal fixação, tinham que
cumular os chefes locais com presentes; o fim do tráfico negreiro implicou
outro tipo de intervenção, a exploração agrícola, mas mantiveram-se os
múltiplos conflitos com os chefes locais; a pacificação proporcionada pelas
campanhas de Teixeira Pinto abriram espaço para acordos de paz com a lógica
“dividir para reinar”; a Guiné não conheceu industrialização, os negócios, a
partir da II Guerra Mundial, significavam arroz, amendoim, madeiras exóticas,
curtumes e pouco mais. Criou-se uma administração colonial que recorria ao
trabalho forçado e procurava cobrar impostos. Mas as infraestruturas só se
realizavam com dinheiro metropolitano. Território incómodo pelo clima adverso,
com uma presença de população branca mínima, em que o essencial da
administração era ocupado por cabo-verdianos; a potência colonial publicitava
na metrópole o fascinante do mosaico étnico, os guineenses atraíam o público
que frequentava as exposições coloniais e mesmo a Exposição do Mundo Português.
A potência colonial tinha uma presença precária e fugia aos conflitos com as
sociedades rurais, Bissau era o centro nervoso dos negócios, dos símbolos da
civilização, das instituições de educação e saúde e mesmo da cultura.
Filial do BNU em Bissau
Na
primeira parte do seu trabalho, o autor elenca as sociedades pré-coloniais,
designadamente os Balantas, Papéis, Manjacos, Felupes e Bijagós. Quando os
portugueses arribaram à Costa da Guiné o império do Gabu decompunha-se e os
Mandingas, então etnia profundamente guerreira, chegada ao território no século
XIII, tinha um papel primordial. O autor destaca um território povoado por
animistas (Felupe, Beafada, Brame-Papel, Balanta, Cobiana, Banhum, Baiote,
Nalu, Mancanha e Bijagó). Os Mandingas terão ocupado parte do Gabu e
estabeleceram uma federação de Estados satélites. Datam desta fase relações
entre etnias e a prática de trocas comerciais entre as etnias de interior com
as da costa. Tem o maior interesse a análise que o autor faz à evolução de todas
estas etnias entrelaçando-as inclusivamente com a economia do Gabu.
Mais
adiante, Forrest dá-nos um panorama das relações luso-africanas entre os
séculos XV e XIX. Destaca a natureza contratual em que os mercadores e a
administração colonial ficavam dependentes dos chefes locais. O quadro de
exceção era dado pelos lançados, que contestavam os negócios da coroa e
se lançavam por contra própria em negócios com os africanos. É-nos dado um
quadro do funcionamento da Guiné das praças e presídios e da crescente
importância do crioulo, a língua veicular, salientado o papel dos grumetes, a
aceitação e rejeição dos missionários. O papel precário da administração e do
poder político colonial é-nos revelado por Ziguinchor e Bolama. Perto de 1730,
as populações do rio Casamansa pretenderam repudiar não só os comerciantes
portugueses como todos os outros, foi necessária uma conjugação de forças que
levaram a uma maior influência dos franceses. Os ingleses pretenderam Bolama,
fizeram negócios com os chefes locais, maltrataram os representantes
portugueses, a situação atenuou-se porque Honório Pereira Barreto interveio e
reestabeleceu uma nova aliança com as chefias locais, e mais tarde a questão de
Bolama foi dirimida pelo presidente Ulisses Grant, dos EUA, que deu razão aos
argumentos portugueses. Mas Forrest escalpeliza a situação das outras praças e
deixa claro que havia uma resistência ativa à volta das praças e dos presídios.
O
período de 1840 a 1910 é ditado pela chegada de um novo poder local, os Fulas,
que vão ocupar uma área vastíssima do antigo Kaabú, desfeitearam os Mandingas,
submetendo-os, e obrigaram as sociedades rurais a novas migrações, por exemplo
os Beafadas ocuparam Tombali e Quínara, o que implicou que outras etnias se
aproximassem e fixassem no mar ou junto do mar. No final do século XIX, a
potência colonial estabelecerá acordos com os Fulas, estes tinham feito
alianças com os Beafadas e os Mandingas, o que contribuiu a prazo para o
desenvolvimento do islamismo no território guineense.
Esta
é a primeira parte do trabalho de Joshua Forrest, onde se relevam as
identidades étnico-políticas e a sua origem, a fragilidade das relações
luso-guineenses até ao final do século XIX e o modo como os reinos africanos
reagiram quando foram confrontados com a crescente presença colonial
portuguesa. Para o autor, este é o principal ingrediente que leva a que a
Guiné-Bissau possua um cimento nacional assente nas sociedades rurais a
despeito de um poder central ausente. O próprio PAIGC que montara uma estrutura
orgânica para se fazer representar no interior do território como um
partido-Estado, primou pela sua ausência, cedo se desmotivou e de um modo geral
o mundo rural recebeu-o com indiferença, mesmo com o papel aterrorizante da
segurança do Estado.
Vamos
agora ver a resistência das etnias à progressiva presença portuguesa depois da
Conferência de Berlim, o que aconteceu na campanha de pacificação de Teixeira
Pinto e o equívoco que se instituiu na administração colonial de que controlava
o território, isto quando era patente que as sociedades rurais mantiveram a sua
organização à margem da presença portuguesa.
Estamos
agora na segunda parte do ensaio, no auge da ocupação, um período que se situa
entre 1890 e 1909, ou seja, o período anterior às campanhas do capitão Teixeira
Pinto. Forrest recorda o envolvimento da administração nos problemas de Fuladu,
a região do Gabu, onde vão estabelecer alianças com os Fulas, pondo e depondo
chefes. Encetam-se campanhas militares para dominar povos de etnia Balanta,
Papel, Manjaca e Oinca (o povo que habita a região do Oio) e os animistas
Beafadas. A resistência será enorme: em Farim, Geba, Ziguinchor e Cacheu, até
mesmo às portas de Bissau. O apaziguamento só foi possível graças a um sistema
de alianças entre etnias. A potência colonial procedeu a um tipo de
“africanização da guerra”, recorrendo aos Fulas como auxiliares e na casa dos
milhares. Essa africanização estender-se-á a Mandingas e Beafadas, bem como a
Grumetes.
Rua da Alfândega, Bissau,
imagem de 1890
Ocupar
e pacificar é praticamente uma causa perdida, não há meios. Para pagar aos
auxiliares, a administração autoriza que estes saqueiem e pilhem as povoações
onde entram. Neste período, pasme-se, ainda existe um relativo equilíbrio
quanto a armamento, falamos de rifles e munições, adquiridas no comércio
informal. Para o autor, o momento de viragem ocorrerá nos anos 1907-1908, há
manifesta intenção política de que se ocupe o interior da Guiné. É o governador
Oliveira Muzanty quem desencadeará as hostilidades, viverá o grande cerco de
Bissau e será o vencedor da campanha do Geba, contra Infali Soncó. Forrest
refere a identidade Oinca, ela é um bom exemplo da mistura étnica numa região
em que mais recentemente tinham chegado os Balantas, os Mandingas islamizados,
os Mandingas Soninké (animistas), vindos do Forreá e Gabu fugidos às guerras
entre os Fulas e Beafadas. É um caso de relações interétnicas pacíficas e
juntar-se-ão a esta complexidade os Balantas-Banaga.
A
administração portuguesa não sabia compreender a noção de cooperação entre as
etnias, entendeu-se que o melhor era aproveitar a proposta de um acordo de paz e
deixar o Oio por conta própria. Porque o historial da tentativa de ocupação era
penoso para Portugal. Em 1897, o tenente Graça Falcão comandou uma coluna
militar contra os Mandingas Soninké, perante um assalto verdadeiramente
devastador, os auxiliares Mandingas viraram-se contra Graça Falcão e
foguearam-nos, Falcão retirou para Farim. Subsequentemente, Falcão recrutou
mais auxiliares e soldados, pretendia combater os régulos Mamadu Paté Coiada e
o Beafada Infali Soncó (este tinha sido reconhecido pelos portugueses em 1895
como chefe). Vive-se então um grande período de turbulência e o resultado foi
um impasse. Breve, a presença portuguesa na região centro-norte da Guiné
encontrava-se comprometida. Em 1902, durante o governo de Júdice Biker ocorre o
já referido acordo de paz com os Oincas, a parte portuguesa não ficou bem no
retrato, os Oincas prometeram pagar tributação, nunca cumpriram.
É
então que tudo muda em 1907, com a revolta de Infali Soncó, impedindo a
navegação do Geba, estabelecendo uma aliança com um número apreciável de
régulos. Infali ofende um oficial da Armada, José Proença Fortes, Muzanty vem a
Lisboa pedir meios, perder o Geba e o acesso ao Gabu era regressar à estaca
zero. Vai então ocorrer uma expedição envolvendo canhoneiras munidas de metralhadoras,
vieram tropas de metrópole e de Moçambique. Em 1908, Infali será derrotado e
foge; os outros régulos propõem acordos de paz. No Norte da província, a
situação não era muito feliz, os Djolas infligiram pesadas baixas aos
portugueses, foi necessário partir de Lisboa uma coluna militar, com artilharia
e até médico. Forrest observa que estas vitórias coloniais eram todas elas
efémeras, mal partia o efetivo militar iniciava-se a contestação.
O
grande cerco de Bissau foi uma rebelião séria, havia antecedentes, de tal modo
que os portugueses se viram na contingência de trazer para Bissau auxiliares
Beafadas e Fulas e tropas de Cabo Verde e Angola. À volta de Bissau, os régulos
de Antula, Bandim e Intim, de Safim e Nhacra, tinham feito uma aliança para
contrariar a presença portuguesa. Em maio de 1894, o governador Sousa Lage
atacou Bandim e Intim, a cerca de dois quilómetros de Bissau. Em julho desse
ano, foi a vez dos Papéis de Biombo, com apoio dos Balanta, atacarem Bissau,
afundando três barcos. Garantir a segurança dos europeus dentro da fortaleza de
Bissau era pouco crível. O dado curioso é que enquanto Oliveira Muzanty prepara
uma severa reação no Geba, Bissau está em estado de sítio, as comunicações com
Conacri tinham cessado. Os comerciantes estrangeiros, crucialmente interessados
num estado de paz, estabeleceram conversações com os régulos, incitando-os a
pagar multas pela rebelião, os Papéis recusaram. A reação portuguesa foi um
bombardeamento das povoações Papéis à volta de Bissau. Forrest descreve com
todo o detalhe estas danças e contradanças, pode avaliar-se como todo o governo
de Oliveira Muzanty foi passado a combater e a resistir. Regressará a Portugal
em janeiro de 1909 deixando a Guiné em estado de pura rebelião.
Joshua
Forrest avalia a situação do seguinte modo. Trata-se de um período (1890 a
1909) de permanente contestação da autoridade colonial. Esta conta com a
fidelidade dos Fulas e Beafadas. O Oio, com as suas enormes florestas, é uma
região que vive uma quase independência. Só se pode entender o vigor desta
resistência pelos acordos entre as diferentes etnias. Tudo se vai alterar com a
chegada do capitão Teixeira Pinto, para o autor vamos entrar num período de
terror e de pilhagem dos mercenários, com Abdul Indjai à frente.
Indo um pouco atrás, a I
República foi confrontada com as repetidas sublevações das diferentes etnias
guineenses, basta recordar o grau de intensidade a que estas se manifestaram
entre 1890 e 1909. É neste momento que se decide, custe o que custar, a que o
governo de Bolama estenda a sua autoridade fora das praças e presídios e que
toda a região se torne segura, obediente e que os nativos paguem impostos. Foi
encontrado um oficial experimentado, o capitão João Teixeira Pinto que, antes
de mais, quis conhecer o mato rebelde. Encontrou em Vasco Calvet de Magalhães
um aliado extraordinário, arranjou-lhe auxiliares fulas e apresentou-o ao
mercenário senegalês Abdul Indjai, em Bafatá. Teixeira Pinto apercebeu-se que
Indjai estava à frente de um grupo bem preparado de mercenários, quase todos
eles equipados com espingardas de cinco tiros.
A campanha inicia-se no
Oio, os povos locais mantinham-se intransigentes, recusando a tributação e não
aceitando as ordens de Bissorã. Teixeira Pinto põe-se à frente dos seus
auxiliares e confronta-se com os Balantas, de finais de março a princípios de
Abril. Os Oincas atacam Bissorã e é nesse momento que entra em ação o corpo de
mercenários de Abdul Indjai. São destruições sem conta, por onde passam
incendeiam, pilham e trazem escravos. Em junho, o Norte do Oio rende-se. No fim
do ano de 1913 foi morto um oficial português na região de Cacheu. Segue-se uma
expedição violentíssima contra os Manjacos de Pelundo, Basserel e Churo, não
faltarão destruições e massacres. Um pouco como um castelo de cartas, a
resistência é sufocada ou apaziguada. E Teixeira Pinto, sentindo que o Oio,
Cacheu e Mansoa já não oferecem luta, precipita-se sobre a península de Bissau,
bombardeia Nhacra, entra em Antula, Intim e Bandim. Os principais fulcros da
sublevação foram estancados, as operações na região do Cacheu, S. Domingos,
Farim, Oio, Mansoa, Geba e Porto Gole trouxeram o compromisso de que as
populações iriam pagar a tributação. O grande rei Manjaco de Basserel viu o seu
território reduzido e os Papéis da região de Bissau viram igualmente a sua
estrutura quebrada.
Mas graves problemas vão
subsistir: em Canhambaque haverá rendição em 1918, mas será fogo de pouca dura;
e a autonomia de Indjai, que passa a ser o senhor do Oio e do Cuor, salda-se
num período de terror, que obrigará Bolama a decretar uma expedição sangrenta e
que culminará com o exílio de Indjai em Cabo Verde. Ficarão bolsas de
resistência que irão sendo temporariamente silenciadas. Graças à tributação,
mesmo com altos e baixos, a administração entra no interior do território.
Joshua Forrest insiste que as comunidades rurais aceitaram superficialmente
acatar o poder colonial, não dispõem de capacidade perante o armamento do
Exército e da armada portuguesa. Mantém-se uma resistência ao pagamento da
tributação e as lutas em Canhambaque prolongar-se-ão em 1925 até terem o seu
termo no período de 1935 a 1936. Haverá sublevação em Nhacra, em 1924, e o
autor repertoria hostilidades em Bolama, Farim, Gabu e permanentes estados de
revolta dos Balantas, como aconteceu em maio de 1944, em Catió.
Governador Velez Caroço, Guiné
Na década de 1930, houve
que sufocar as resistências dos Felupes em Suzana-Jufunco. O capitão Velez
Caroço entrou em Suzana em 1 de novembro de 1933, destruiu tudo e dois dias depois
Jufunco. O tratamento dos resistentes é implacável. O autor observa que são
décadas de uma palpável não-aceitação da soberania portuguesa. Mesmo os Fulas e
os Beafadas nem sempre foram completamente fiéis à potência colonial, exigiam
melhores pagamentos pela sua prestação ao lado das dezenas ou centenas de
soldados regulares.
Também considerando o
que se passou nas sociedades rurais durante estas décadas do século XX, o autor
mostra casos de rejeição de chefes impostos pelas autoridades portuguesas, uma
vincada manutenção das práticas animistas, caso dos Manjacos, e a manutenção de
políticas de relação entre etnias para a vida em assentamentos. Ganhou
normalidade a criação de povoações com diferentes etnias, mesmo mantendo as
tabancas separadas: esta situação ganhou total visibilidade até ao início da
luta armada, Manjacos, Beafadas, Fulas, Mandingas, Balantas, entre outros,
aceitaram viver uns ao pé dos outros, cultivando a terra em áreas separadas. O
autor mostra o caráter multiétnico da região do Cacheu e cita António Carreira
que ali foi administrador, ele registou o bom relacionamento entre Papéis,
Balantas, Cassangas, Banhuns e Brames, mas também os Manjacos aderiram a viver
em comum com as outras etnias, não haverá mesmo conflito com os islamizados, as
práticas animistas de uns e dos islamizados, por outro lado, serão acatadas.
Mas tornou-se indiscutível que eram os grupos animistas que ofereciam mais
resistência na Guiné, os Fulas e os Beafadas eram mais cooperantes com as
autoridades coloniais e num campo de certa indecisão estavam os Mandingas.
Analisando a essência do
Estado colonial, Joshua Forrest recorda que o grande atrito passava pelos
impostos e pela inexistência de grandes grupos económicos, eram as comunidades
rurais as detentoras da terra, eram elas que escolhiam os termos da exportação,
nomeadamente o amendoim. O comércio transfronteiriço passava à margem do
controlo alfandegário, os guineenses atravessavam a fronteira senegalesa,
comerciavam com djilas ou faziam trabalho temporário tanto no Senegal como na
Guiné Francesa.
O sistema administrativo
era deficiente e corrupto, refere o autor. Na década de 1930, havia na Guiné um
total de 359 funcionários, mas os próprios relatórios dos governadores referiam
uma quase paralisia por falta de dinheiro, daí a pouca produtividade e a
bancarrota moral do funcionalismo. O autor é minucioso na apresentação de dados
sobre a recolha da tributação e o trabalho forçado. E diz que o Estado colonial
era de uma enorme fraqueza, uma tal fragilidade que impedia uma presença
constante nas sociedades rurais, deixando-as autónomas.
Estamos em vias de
concluir e vale a pena recordar o itinerário da investigação, uma das mais
poderosas e fundamentais de que dispõe a historiografia guineense, tanto do
período colonial como do período da independência. O ponto de partida do
investigador norte-americano é de que a fragilidade do Estado é um dado
permanente daquele território, foram e são as sociedades rurais o esteio
económico, social e cultural, sociedades com uma enorme capacidade volitiva
para estabelecer acordos de interesse, por motivos de segurança ou de
resistência, a despeito da sua autonomia, conseguindo preservar identidade no
colonialismo e já na Guiné independente. A partir desta premissa maior, Joshua
Forrest vai detetando sinais de que a sociedade civil rural multiétnica
guineense assume compromissos de modo a que o poder maior, o do Estado,
interfira o menos possível na sua autonomia, nas suas crenças, nos seus modos
de comerciar, nas suas hierarquias. Os acontecimentos relacionados com a luta
armada são eloquentes, diz o investigador, de que as sociedades rurais, umas
cedo apoiaram o projeto do PAIGC, outras movimentaram-se em torno do projeto
colonial e outras procuraram manter neutralidade. Mas tudo numa base
interétnica, facilitado por um poder colonial frágil e pela pouca importância
dada, nesta fase, à presença cabo-verdiana. O autor faz uma leitura de que os
outros movimentos de libertação não tiveram qualquer popularidade porque
ignoraram os compromissos interétnicos e não valorizaram os conceitos de
autonomia das sociedades rurais.
Escola do PAIGC
Também para se entender
a mobilização camponesa por parte do PAIGC é preciso ter em conta a memória
sobre a brutalidade do processo de pacificação. Acresce que nas bases
controladas pelo PAIGC, independentemente da intranquilidade das operações e
dos bombardeamentos, as populações dispunham de acesso a produtos nos Armazéns
do Povo, o que fazia sentir que era possível viver sem as compras feitas pelos
representantes comerciais (faço aqui um comentário de desagrado ao modo como o
autor fala das práticas de terror praticadas pelos portugueses durante a luta
armada, omitindo despudoradamente as práticas cometidas pelo PAIGC desde o
assassínio, a destruição de povoações, o rapto, a colocação de minas nas
estradas e as flagelações e emboscadas que, pela sua natureza, não escolhiam
brancos ou negros). O PAIGC teve maiores facilidades de recrutamento em regiões
de resistência anticolonial, caso dos Balantas, Oincas, Beafadas e Papéis. O
investigador também pondera o papel ambivalente dos régulos, e no caso de imposição
das autoridades portuguesas deste ou daquele régulo a população local
limitou-se a tolerar a escolha dos portugueses, em muitos casos encontrou
outras alternativas. Incluindo entre os chefes Fulas e Mandingas,
predominantemente ao lado das autoridades portuguesas mantiveram-se
compromissos com outras etnias que aceitaram viver nessas tabancas maioritárias
de islamizados. A fraqueza do poder dos régulos trouxe imensas fraturas que não
ficaram esclarecidas depois da independência, inicialmente o PAIGC retirou
poder aos régulos mas as populações locais logo reconfiguraram as suas
hierarquias autónomas.
O legado pós-colonial
aparece hoje bem estudado. Amílcar Cabral sonhara com um partido-Estado, a sua
presença seria absoluta e contaria com uma ampla participação popular dada
pelos comités de tabanca, em meio rural, e por comités de bairro, em áreas
urbanas. Conquistada a independência, o PAIGC mostrou-se progressivamente menos
influente, não possuía administração nem quadros políticos que merecessem a confiança
absoluta das sociedades rurais. No fim dos anos 1970, a presença política nas
sociedades rurais era uma sombra, ficara a memória de execuções públicas
daqueles que tinham estado do lado do poder colonial, tudo se processara sem
qualquer metodologia de reconciliação, a nova autoridade passou a ser temida
sem ser respeitada. Joshua Forrest escalpeliza este sistema de participação e
mostra como a identidade étnica se manteve preservada, apareceram novos
régulos, reconfiguraram-se hierarquias, apareceram escolas islâmicas privadas,
até a nova geração Balanta criou um movimento de combate aos valores sociais
tradicionais, o Ki Yang-Yang, em Catió.
Tudo teve consequências
entre um poder político autofágico, um partido-Estado que muito cedo abriu
fissuras e se entregou a intrigas e corrupção, enfim, um governo fraco e
inacessível às sociedades rurais que tiveram que encontrar caminhos próprios
para a economia agrícola enquanto a clique do partido tinha acesso a
financiamentos para criar pontas, as comunidades rurais passaram a vender os
seus produtos a comerciantes privados, não tinham confiança nas lojas do
Estado, nem nos seus representantes, o comércio informal foi tomando conta de
tudo até que nos anos 1980 se começou a passar da estatização para a privatização.
Nasceram novos problemas para os quais o Estado não encontrava resposta:
criara-se uma administração elefante, ingovernável, sem apetrechos e sem
dinheiro para a pagar; sonhara-se com uma industrialização acelerada, tudo
acabou em cacos; não se encontrou solução para o problema dos combatentes da
liberdade da pátria, houve promessas de cooperativas, mas tudo não passou de
promessas e estes combatentes tornaram-se aos poucos numa reserva de
descontentamento; e as Forças Armadas foram ganhando relevo e desafetando-se do
poder político, contrariando todo o modelo de regulação política instituído por
Amílcar Cabral. Gera-se um estado de instabilidade interminável que vai
conduzir a um devastador conflito político-militar que segundo Joshua Forrest
ditará uma nova vitória para a sociedade rural civil. Será nestas comunidades
que os rebeldes capitaneados por Ansumane Mané encontrarão o maior apoio, os
velhos combatentes pôr-se-ão ao caminho para escorraçar as tropas estrangeiras.
Imagem do complexo agroindustrial do Cumeré, inacabado, imagem do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, com a devida vénia
Em jeito de conclusão na
análise do poder das populações rurais, o autor recorda que todo o século XX se
pautou pela luta anticolonial, pela incapacidade do Estado em poder ter chegado
a tais comunidades até que no final do século essas mesmas comunidades rurais
repeliram tropas internacionais que se tinham prontificado a ajudar o ditador
Nino Vieira. Temos, pois, um Estado frágil e uma formidável sociedade civil
rural.
Régulo Bacari Soncó, do Cuor, foi sargento das milícias durante a guerra, as autoridades do PAIGC não obstaram a sua eleição |
No termo da sua
investigação, o autor faz uma impressiva apreciação e resumo das suas teses,
apresenta-se em oposição aos trabalhos de Peter Karibe Mendy e René Pélissier
quanto à natureza da luta étnica face ao poder colonial, ele considera sempre
que a luta foi interétnica, sem prejuízo da identidade de cada etnia. A
violência do Estado agravou a sua fragilidade, tanto na fase colonial como
pós-colonial. E o que se passa nestas sociedades rurais está à vista de todos:
refizeram-se regulados, melhorou a convivência interétnica, a ideia de chão
marca a identidade de cada um dos cidadãos, as tradições não estão abaladas. O
que se passa na Guiné-Bissau, observa o autor, é igualmente percetível nas
linhagens domésticas de todos os Estados frágeis da África subsariana.
Trabalho controverso e obrigatório em toda e qualquer futura investigação.
Mário Beja Santos
Este comentário foi removido pelo autor.
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