segunda-feira, 4 de março de 2024

Resposta a Clara Pinto Correia.

 




Em resposta a um texto da minha autoria, intitulado “Clara Pinto Correia: adeus, princesa” (Diário de Notícias, de 25/2/2024), Clara Pinto Correia (CPC) publicou, no Página Um, um artigo em que põe em causa a minha honorabilidade profissional, questionando a qualidade e o rigor do trabalho que desenvolvi.

Não vou tecer quaisquer comentários sobre a apreciação que faz do meu texto, nem sobre os epítetos que me dirige (“homúnculo”, “nulidade”, “a criatura”, “aprendiz de feiticeiro”, “o despistado”, “jornalista limitado”, “apressado cronista de costumes”, “uma personalidade de todo em todo alérgica a dar um passo dentro de uma biblioteca”).

Cingir-me-ei, tão-só, aos erros e supostas falsidades que me imputa:

 

1 – Acusa-me Clara Pinto Correia de ter deturpado uma frase da sua autoria (“este aprendiz de feiticeiro manipulou e não foi pouco”). Segundo ela, a frase que escreveu foi “Numa lindas manhãs de sol, só nós dois, a passarada, e o anel de benzeno.”  E a que eu escrevi foi: “Só nós os dois e a passarada, em manhãs muito lindas, cintilantes de sol de Inverno.

Sucede, porém, que, neste texto da sua autoria, que citei, constante da Newsletter da Faculdade de Medicina, nº 82, de Outubro de 2018, o que está escrito é, ipisis verbis, “Só nós os dois e a passarada, em manhãs muito lindas, cintilantes de sol de Inverno.

Portanto:

a)    – a frase que Clara Pinto Correia diz que escreveu não consta do texto assinado e publicado por ela na Newsletter da Faculdade de Medicina;

b)    – a frase que eu citei é a que consta, sem tirar nem pôr, do texto que ela escreveu e deu à estampa.   

 

Que Clara Pinto Correia não se recorde de tudo o que escreveu, não é grave.

Grave é nem ter tido o cuidado de verificar a sua prosa, antes de acusar levianamente os outros de a terem deturpado.

 

– Acusa-me Clara Pinto Correia de ser “um jornalista que pelos vistos tem preguiça de investigar” e que o meu texto parece “escrito à pressa por um estagiário”, uma vez que cometi um lapso ao dizer que ela é a mais velha de quatro irmãs.

Simplesmente, não foi um estagiário que fez tal afirmação – pelos vistos, errada –, mas o decano dos jornalistas portugueses, Adelino Gomes, num artigo saído no Público, em 26/12/2000, onde se refere textualmente “professora universitária e escritora Clara Pinto Correia, a mais velha de quatro irmãs”.  

Pergunto-lhe apenas se considera Adelino Gomes “um jornalista que pelos vistos tem preguiça de investigar.” E agora?

 

3 – Clara Pinto Correia desmente ter escrito livros de ficção científica.

Acontece que essa afirmação não é minha, mas da Infopédia, a qual afirma que ela tem “a tendência para mesclar géneros romanescos (o policial, a ficção científica)”. Aliás, a mesma Infopédia informa que o livro que escreveu em parceria Mário de Carvalho tem “um pendor mais próximo da ficção científica”. De resto, e para fim de conversa, Clara Pinto Correia participou no livro Ficções Científicas e Fantásticas, um género que, diz agora, “eu francamente detesto.”

Que ela não se lembre do muito que escreveu, não é grave.

Que não tenha procurado informar-se, é lamentável.

 

4 – Clara Pinto Correia refere que eu digo que ela casou em Las Vegas com Pedro Palma. Não sou eu que o digo, é isso que se infere desta reportagem Correio da Manhã, Vidas, de 16/1/2010, disponível aqui, para a qual, aliás, ela contribuiu com declarações.  

 

***

 

No texto que escrevi sobre Clara Pinto Correia, omiti deliberadamente, como é óbvio, aspectos pessoais e íntimos (v.g., os anteriores casamentos, os filhos adoptivos), só falando daquilo que é do conhecimento público (v.g., os plágios, as fotografias dos orgasmos), matérias sobre as quais, aliás, a própria se pronunciou abundantemente em centenas de entrevistas e declarações à imprensa, que li na íntegra, de fio a pavio, como, já agora, visionei dezenas de horas dos vários programas em que participou.

Procurei, como sempre faço na série “Prova de Vida”, escrever um texto equilibrado e justo para o visado, no qual, note-se, classifico o seu livro Adeus, Princesa como “uma obra-prima”, digo que o seu pai era “uma das maiores sumidades mundiais no ramo da gastroenterologia”, afirmo que é “comovente” o relato que Clara faz dos passeios com o seu pai, refiro que ela foi “a primeira jornalista portuguesa” a escrever sobre o lince da Malcata, e que nas suas três carreiras – cientista, jornalista, escritora – se destacou “quer pela exuberância do brilho, quer pelo impressionante ritmo da sua produção.”

Mais ainda: refiro que, “como cientista, publicou nas mais prestigiadas revistas do mundo” e, como escritora, “publicou cinco dezenas de livros, ou mais, cobrindo todos os géneros.” Refiro também que se doutorou “com louvor unânime” e que nos EUA teve o “período mais fecundo da sua carreira.” Depois, saliento que fez, “e bem” (sic), o que lhe deu na real gana, mas que acabou sendo “uma vítima não-inocente” do paroquialismo do meio cultural português, que procedeu à sua “defenestração implacável”, em parte por “inveja”, em parte por “atávica misoginia.”

Num balanço final, acrescento que nunca se procedeu a uma avaliação isenta da sua obra, que permitisse “distinguir aquilo que tem efectivo valor e interesse (quase todos os seus trabalhos de divulgação de ciência, muitos dos quais pioneiros) daquilo que se mostra mais duvidoso (praticamente toda a obra literária).”

Clara Pinto Correia por certo estava à espera de um ditirambo acrítico – e acéfalo –, mas, temos pena, um perfil biográfico não pode ser um derramar de elogios atrás de elogios sobre o biografado. De resto, foi o facto de ter sido alvo, em muito nova, de um processo de “genialização instantânea” que, como digo no meu texto, acabou por marcar o seu destino e criar o ego desmesurado que, pelos vistos, ainda mantém.  

O texto que escrevi, garanto-lhe, não contém plágios, mas terá lapsos e erros. Em todo o caso, nenhum dos que Clara Pinto Correia me aponta, sendo citadas todas as fontes de informação, como convém, e que ela bem poderia ter consultado antes de ter posto em causa o meu brio profissional e o rigor do meu trabalho, coisa que não fiz em relação ao trabalho dela, bem pelo contrário. Julguei ter escrito um texto suave e ponderado, compassivo e terno, mas Clara assim não o percebeu, o que é um problema dela – ou, melhor, o que é o problema dela.

 

  António Araújo 

1 comentário:

  1. Tem toda a razão, António.

    Já li textos desta série capazes de deixar os "citados" bem mais envergonhados. Embora (tal como neste caso), sejam eles os responsáveis por os actos e factos relatados, que são de conhecimento de quase toda a gente.

    Só não tinham sido "colados" e apresentados género "antologia" e com alguma graça.

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