quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Sabugal.

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Sabugal, 14 de Novembro de 1950.
Fotografias de José Cortez Liberato.







SABUGAL: DO CONTRABANDO À EMIGRAÇÃO E À DESERTIFICAÇÃO



No tempo destas fotografias, há sessenta ou setenta anos, o concelho do Sabugal era habitado  por pessoas endurecidas nas maleitas de uma vida madrasta. Gente caldeada nos rigores de “nove meses de inverno e três de inferno”, gente de grossos calos feitos na rabiça do arado, no cabo da enxada ou da gadanha, gente que, em noites de breu, atravessava a raia com um carrego de café às costas. Aqui caio, ali me levan­to, encharcados até aos ossos, os contrabandistas volta­vam magros e esfarrapados, com trinta pesetas na algibeira.
As terras frias e pedregosas da região sabugalense não são férteis e o parco sustento tinha que lhes ser arrancado à custa de suor e frieiras. O rendimento agrícola era baixíssimo, uma vez que a produtividade era muito inferior à de outras regiões. Por isso, as gentes da beira-raia, sem outra alternativa, faziam do contrabando de carrego às costas a sua outra profissão. E o mesmo se ia passando mais ou menos ao longo de toda a fronteira luso-espanhola. Tempos bem difíceis, aqueles dos anos cinquenta! A França ainda tarda­ria a chegar. De dia mourejava-se na terra, de sol a sol, à noite ia-se ao Deus-dará, por montes e vales da raia salmantina e estremenha, na mira de um lucro escasso e incerto.
Poucos eram os que conseguiam fugir à enxada e ao carrego. As portas para a fuga eram o seminário, um lugar de marçano em Lisboa ou a farda de guarda-fiscal, polícia ou guarda-repu­blicano. Mas o grande, o enorme sorvedouro das populações de Riba Côa viria a ser a emigração. A partir de 1960, começaria a grande abalada: foi o tem­po da França a salto, do dinheiro pedido emprestado para pagar ao passador, da grande solidão longe da família, comendo o pão que o diabo amassava para poupar francos, que davam bons contos. Valeu a pena? Claro que valeu: os emigrantes remeteram poupanças, compraram terras e automóveis, puseram os filhos a estudar, trouxeram boas pensões. Ficou definitivamente para trás o tempo dos astutos e estóicos contraban­distas quadrazenhos, com a sua lin­guagem hermética, calças de bomba­zina e alpergatas, gorra vasca na cabeça e manta a tiracolo. Convertido em progresso, o dinheiro dos emigrantes represen­tou melhores casas, água canalizada, electricidade, televisão, roupas mais confortáveis, melhor ali­mentação. O progresso foi chegando àquele “calcanhar do mundo” e a face das terras sabugalenses mu­dou completamente.
E também as tradições mudaram. A chegada da televisão alterou profundamente o convívio. Dantes, era o serão, a ronda, o baile de harmónio, a raioila, a barra, o entru­do, a capeia. Hoje, os jogos tradicionais quase desapareceram; a ronda deixou de alegrar as ruas das aldeias raianas, entre copos e cantares ao desafio, os bailes, só com “conjuntos” e cançonetistas da moda; ainda se vai fazendo o madeiro mas o entrudo já não é o que era. Que resta? A capeia!
Em Portugal permanecem muitas práticas de tauromaquia popular, mas é na região fronteiriça do Sabugal que se realiza um espectáculo taurino único: a capeia arraiana com forcão, um grande aparelho de madeira de carvalho que lhe dá verdadeira originalidade.
Hoje, como em quase todo o interior norte do País, apenas no “querido mês de Agosto” as aldeias se animam: as ruas enchem-se de carros, os cafés tornam-se barulhentos, as igrejas engalanam-se para a festa e a procissão, nos ares estralejam dúzias de foguetes, uma banda filarmónica desfila pelas ruas com os mordomos à frente e as capeias atraem milhares de forasteiros. Mas, no resto do ano, regressa o silêncio: a maior parte das casas ficam vazias e há já muito tempo que começaram a fechar-se escolas e a abrir-se lares de idosos. Quase deixaram de nascer crianças. O concelho do Sabugal tinha 43 513 habitantes em 1950, passou para 18 927 em 1981 e apenas se contavam 12 544 em 2011. Claro que o progresso, como atrás se referiu, foi chegando: segundo o censo de 1960 existiam 10 635 alojamentos, dos quais apenas 278 tinham retrete e/ou casa de banho e só 520 tinham electricidade; em 2011 existiam 15 374 alojamentos, praticamente todos com instalações sanitárias e electricidade.
E nesses alojamentos, mais e melhores do que os de 1960, quantas famílias lá vivem? Apenas 5 348. Quase dez mil estão fechados.



Adérito Tavares


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