domingo, 5 de janeiro de 2014

O Mundo do Calçado.

 
 
 
 

 
 
 
No passado mês de Outubro, os Bad Religion lançaram mais um álbum, Christmas Songs, com canções de Natal tradicionais e composições doutros colegas seus do punk rock californiano, como os Felix Mendelssohn ou os Irving Berlin.
 
 
 
 
         Já aqui há atrasado, mesmo nos alvores da sua existência (Plistocénico Inferior), os The Pretenders  tinham avançado com um disco, Stop Your Sobbing (há também uma música com o mesmo nome, dos The Kinks, de 1964, aqui).  A Chrissie Hynde é, decididamente, uma rapariga poderosíssima: no Live Aid, vejam aqui como arranca mais ou menos com Stop Your Sobbing e depois esmaga total em Back On The Chain Gang. Mas, em palco e ao vivo, com Back On The Chain Gang, o arraso é aqui, salvo melhor opinião. Tenho pena, mas tanta pena, que uma moça com um poder destes se tenha desgraçado um bocadito em 94, com I'll Stand By You (o clip, então, é pavoroso).
 
 
 
         O que há de comum entre ambos os trabalhos, o dos The Pretenders e o dos Bad Religion? Além de ambos serem discos e terem música lá dentro, têm ambos cá fora, na capa, a mesma fotografia. Encantadora, comovente, o que quiserem. Tirada em 1946, mostra um órfão austríaco de seis anos de idade, que vivia num orfanato e a quem a Cruz Vermelha deu um par de sapatos novos. Vejam os que traz calçados nos pés, todos esculhambados, e os que tem na mão, novinhos em folha. Vejam a alegria em estado puro. E o modo como o miúdo fecha os olhos de gratidão e leva muito ao peito os seus sapatos novos. Da fotografia não sei muito, nem me parece que se consiga saber muito. Foi tirada por Gerald Waller e surgiu nas páginas da Life.
 
 
Gerald Waller
1946
 
 
        Não interessa saber muito mais para termos presente isto: uma imagem de tempos árduos e de muita escassez serve agora para ilustrar capas de discos em tempos  que, apesar das crises, são de muita abundância e enorme consumo. Resta a dúvida, dilacerante: será que se comprarmos o disco dos The Pretenders ou ouvirmos no YouTube as músicas natalícias dos Bad Religion conseguiremos alcançar a mesma alegria pura do rapaz austríaco com sapatos novos? Duvido. Por isso, fica a a pergunta. Será que um êxtase de felicidade, como aquele que vemos estampado na cara do miúdo, só se alcança com poucas coisas, concentrando-nos no essencial? Para o rapaz austríaco, aqueles sapatos eram o essencial. Não tenho a certeza que uma criança dos nossos dias considere um disco algo essencial. E, se considerar, algo vai mal.
 
 
 
 
 
 

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