quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Identidade e tentações das arábias.


 
 
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O clube mais rico do mundo, o Real Madrid, assinou em Setembro do ano passado um contrato milionário com o Banco Nacional de Abu Dhabi. O Presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, considerou esta parceria de três anos uma «aliança estratégica» para o clube espanhol. Assim, os cartões de crédito do principal banco dos Emiratos Árabes Unidos funcionam também como cartões de sócio do clube madrileno. Com o argumento de que assim será possível conquistar mais adeptos nesta região do mundo e tornar o clube ainda mais universal a Direcção deixou cair a Cruz Cristã do seu emblema.
Esta decisão tem dado azo a uma séria discussão sobre os limites do «dinheiro» e a identidade de um clube. Esta questão é obviamente um sinal dos tempos e da globalização do fenómeno futebol e do enorme dinheiro envolvido em todas as suas dimensões. Para os grandes clubes há decisões relacionadas com marketing e receitas de publicidade que levantam questões sérias sobre o ethos fundador. Lembro-me da discussão no Barcelona sobre se deveriam ou não ter patrocinadores na camisola dos jogadores. O Barça aguentou até 2006 tendo o Presidente da altura, Joan Laporta, afirmado de forma solene que «pela primeira vez nos 107 anos da nossa história a nossa equipa de futebol irá ter um emblema na camisola».
É por vezes difícil explicar a essência de um clube e a razão pela qual nos tornamos adeptos. O sucesso é, sem dúvida, um excelente motivo e há equipas vencedoras que pela qualidade de futebol «agarram» novos adeptos. O mesmo se pode dizer de um jogador que nos conquista pela sua entrega ou pela pura genialidade. Para outros são tradições familiares que passam de geração em geração. Eu lembro-me tão bem de ir «à bola» com o meu avô. E ainda temos razões de cariz mais histórico, social ou político. Há casos em que um clube representa uma região ou está mais associado ao poder. Também encontramos rivalidades entre clubes cujas origens eram mais «humildes» e mais «endinheirados» como o Milan vs. Inter. Para além de herdarmos a essência de um clube também assumimos as suas rivalidades. Não se pode ser sócio do Barcelona e do Real Madrid ou da Lazio e da Roma ou do Manchester United e do Liverpool.
Todos os grandes clubes têm um «mito fundador» e uma «personalidade» vincada que foram construindo ao longo do século XX. Por vezes, esta construção não foi fácil e teve momentos muito complicados como, por exemplo, os desastres aéreos que vitimaram a extraordinária equipa do Torino – Il Grande Torino – em 1949 e a do Manchester United em 1958.
 
 
No processo de construção de uma identidade futebolística é também importante o papel desempenhado pelos seus jogadores e dirigentes. Ninguém tem dúvidas que Di Stéfano foi crucial na afirmação do Real Madrid bem como o Presidente que dá o nome ao estádio, Santiago Bernabéu, que exerceu a sua liderança de 1943 a 1978. De igual modo foi fundamental o papel de Vicente Calderón no rival Atlético durante duas décadas.
 
 

 
 
Hoje em dia, a realidade dos grandes clubes é bastante diferente e resulta da enorme popularidade do futebol e da sua força económica e financeira. Nesse sentido a parceria do Real Madrid ilustra uma tendência que se nota há já alguns anos, ou seja, o crescente investimento de países ou indivíduos cujas fortunas estão associadas ao petróleo e ao gás natural. No caso de países estes investimentos são, para além da evidente componente financeira, excelentes instrumentos de soft power. Já escrevi sobre o Qatar e a organização do Campeonato Mundial em 2022 que é o melhor exemplo de uma estratégia bem delineada. Para o sucesso qatari foi crucial o patrocínio do Barcelona através da sua companhia aérea ou a compra do Paris Saint-Germain pelo seu fundo soberano. Mais ainda, o Qatar parece estar mesmo na moda como podemos ver pela escolha de Doha como o local de realização da Supertaça italiana no passado 22 de Dezembro entre a Juventus e o Nápoles. A região do Golfo Pérsico oferece-nos outros exemplos para além do Qatar e do Real Madrid. Se atravessarmos o Canal da Mancha temos o Manchester City e o Arsenal e os respectivos estádios Etihad e Emirados. Tendo em conta os títulos destes dois clubes diria que o investimento do Sheikh Mansour de Abu Dhabi no clube de Manchester tem sido uma melhor aposta.
 
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No entanto, o poder energético não se manifesta apenas em versão Golfo. Temos também que olhar para Leste e em particular para a Rússia e Azerbaijão. Em relação ao maior país do mundo o exemplo mais conhecido diria que é o de Roman Abramovich que comprou o Chelsea em 2003. E, sem dúvida, que o Chelsea de Abramovich é … outro clube. Há quem avance que Abramovich já investiu cerca de um bilião de libras. Tal como o PSG o Chelsea tem sido capaz de efectuar contratações milionárias. Do lado russo temos ainda que destacar a Gazprom que patrocina não só a equipa alemã Schalke 04 (um dos seus principais mercados) e os russos do Zenit de São Petersburgo, mas é também um dos patrocinadores oficiais da Liga dos Campeões da UEFA e, é claro, do Campeonato Mundial de 2018 da FIFA. E, por último, gostaria de destacar o patrocínio do Azerbaijão ao Atlético de Madrid, um investimento que tornou a «marca» azeri conhecida no mundo inteiro tendo em conta o excelente percurso da equipa de Simeone. Mais ainda se pensarmos que o primeiro ano e meio custou … «apenas» 12 milhões de euros.
 
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No Real Madrid a discussão continuará agora também sobre o nome a dar ao novo estádio. Tendo em conta o patrocínio da International Petroleum Investment Company (IPIC) da família real de Abu Dhabi, que comprou a CEPSA em 2011, principal financiadora do novo estádio, há várias hipóteses em cima da mesa. Florentino Pérez foi «apanhado» a dizer que «pomos IPIC Bernabéu ou o que eles quiserem… ou CEPSA Bernabéu». No entanto, um inquérito feito aos sócios revelou que cerca de 66% estão contra a alteração do nome do estádio.
Diria que a controvérsia vai continuar e é um sinal dos tempos. Há mesmo limites ao que um clube pode fazer aos seus símbolos? O que caracteriza a identidade de um clube? Os seus sucessos e/ou a sua história?
E há mesmo quem com ironia comece já a discutir o que fazer ao nome do melhor jogador do Real Madrid. Isto porque o seu primeiro nome é … Cristiano.
 
Raquel Vaz-Pinto
 
 
 
 

2 comentários:

  1. Não se deve dizer 'hoje em dia'. 'Hoje' basta.

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  2. Hoje em dia é preciso mesmo muita pachorra para estes ensaios sobre estes temas sem dúvida eternos...

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