quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A traição.

 

Lida Abdul, «Global Pornography», 2002







A traição 
As muçulmanas europeias não existem 
 
Entre a queda do muro e a queda das torres, um mantra dominou o ar do tempo nos EUA: a globalização transformaria o mundo inteiro num gigantesco Ocidente. Liderada por liberais como Nye, Friedman ou Fukuyama, esta atmosfera de fim de história garantia que o poder americano não precisaria do poder militar (hard power) para transformar o mundo. Ao contrário do império britânico cantado por Kipling, a globalização americana não necessitaria de mosquetes nem de salas de aula para instruir os indígenas à força. O soft power, diziam, seria suficiente. Por outras palavras, este idealismo liberal assumia que os nossos valores converteriam os povos orientais através de uma osmose civilizacional: se entrasse em contacto directo com os valores ocidentais, o “outro” perceberia de imediato a superioridade da civilização ocidental e entraria num processo de aculturação pelo seu próprio pé; a nossa cultura, desde o conhecimento científico das faculdades até à liberdade sexual e laboral das mulheres, venceria de forma natural as resistências das velhas culturas do Médio e Extremo Oriente.
Apesar das diferenças óbvias, os liberais americanos da globalização não eram muito diferentes dos velhos liberais ingleses do Império. Tal como Bentham e os Mill, os americanos do final do século XX assumiam que o “outro” era uma mera tábua rasa à espera da centelha ocidental, assumiam que não existia uma agência moral autónoma no “muçulmano”, no “chinês”, no “indiano”, assumiam que os povos orientais continuariam no seu cochilo histórico até ao momento em que recebessem uma transfusão de sangue eurocêntrico. Sim, ao contrário de James Stuart Mill, Fukuyama não exigia a aculturação forçada, não exigia que o “outro” fosse filtrado e instruído à força pelo tríptico de Kipling, lei, escola, mosquete. Mas, num certo sentido, o seu eurocentrismo era ainda mais aceso, pois assumia que a força nem sequer seria necessária. Os povos adormecidos entrariam aos pulinhos nas catedrais do soft power
 
 
Sayyd Qutb
 
 
 
Esta cultura liberal nunca percebeu que o problema era precisamente a força deste soft power. A proximidade entre culturas gerada pela globalização económica e tecnológica (televisão satélite, internet, viagens baratas) não criou apenas concórdia, também criou hostilidade. Basta olhar para o pai do islamismo moderno, Sayyd Qutb (1906-1966). Qutb não criticou os EUA sem desconhecimento de causa, não concebeu as cidades ocidentais enquanto Babilónias pestíferas a partir de uma gruta no Nilo. Qutb odiava as cidades ocidentais, porque conheceu Nova Iorque numa viagem de estudo no final dos anos quarenta. Onde um cidadão ocidental via uma cidade cosmopolita, ele viu a desordem da “oficina barulhenta”; onde um ocidental via mulheres livres, Qutb viu o demónio. A inquietação feminina é fundamental. Qutb sentiu asco pelas mulheres emancipadas no trabalho e soberanas na cama. Para este intelectual egípcio, uma mulher insinuante num bar era a representação curvilínea de Belzebu; uma mulher a trabalhar fora de casa era a prova máxima da decadência ocidental. Ou seja, Qutb odiava o tal soft power, odiava aquilo que nós amamos. É por isso que não faz sentido conceber o islamismo como uma reacção ao hard power composto por F-16 a largar bombas em Mossul ou Cabul. Muito antes dessa agitação geoestratégica, o islamita odeia os seios de Pamela Anderson que lhe entram em casa através da parabólica, tal como odeia programas de televisão sobre ciência, democracia ou igualdade entre sexos, três conceitos considerados impuros e reveladores da arrogância do Ocidente, esse Ícaro que desafia Alá com asas feitas de soberba pagã. E devemos sempre sublinhar que esta reacção anti-ocidental é liderada pela elite que foi exposta ao Ocidente. Em “No País das Mulheres Invisíveis” (Quidnovi), a médica e colunista Qanta Ahmed mostra como o fanatismo anti-ocidental é mais aceso na elite saudita educada no Ocidente do que nas tribos de beduínos. Filhos da elite privilegiada da Arábia Saudita, treinados nas universidades americanas e inglesas, habituados a escapadinhas sexuais na Europa, os colegas sauditas de Qanta celebraram o 11 de Setembro ali mesmo no Hospital da Guarda Nacional do Rei Farad. Até encomendaram bolos especiais, talvez com duas torres feitas de açúcar. Sabiam fazer operações de peito aberto com tecnologia de ponta, mas não compreendiam a diferença moral entre alvo militar e alvo civil, entre danos colaterais e atentado terrorista. 
Mas para nós, europeus, o problema não estava nas pessoas que comemoraram o 11 de Setembro em Riade ou Gaza. O problema estava e continua a estar nas pessoas que celebraram o 11 de Setembro em bairros de Paris, Londres, Amesterdão, Berlim, Hamburgo. Até porque o 11 de Setembro foi conduzido pela célula de Hamburgo. E, já que estamos em Hamburgo, recorde-se que um jornal de Hamburgo, o “Hamburger Morgenspost”, foi atacado com cocktails molotov dias depois do ataque ao “Charlie Hebdo”. Estamos a falar de um dos poucos jornais que reproduziu na íntegra os cartoons de “Charlie Hebdo” logo após o ataque. O problema esteve sempre aqui, algures numa marquise de Hamburgo ou Roterdão e não numa gruta no Afeganistão. 
 
O “outro” não tem cabeça
Se a América vivia fascinada com a ideia da globalização como império invisível, a Europa labutava no mito da globalização assassina. Segundo Negri, Amin, Ramonet, Boaventura, a “globalização predatória” era a arma que o Ocidente usava para sugar a riqueza do Resto do Mundo; nós, os pestíferos ocidentais, estávamos a enriquecer à custa dos não-ocidentais. Quem desafiasse este mantra era de imediato escorraçado e acorrentado à galé que albergava as vozes ilegítimas, eurocêntricas, neoliberais. Sucede que o mantra estava errado. Tal como diziam os ilegítimos remadores da galé, a globalização teve um efeito democratizador: o Resto do Mundo entrou numa trajectória de enriquecimento, centenas de milhões de chineses, indianos, indonésios, brasileiros e até africanos saíram da pobreza; o Ocidente perdeu poder relativo e a mesa dos crescidos da ordem internacional já não é um exclusivo de cadeiras ocidentais.
Além de estar errado, o mantra da “globalização predatória” criou um problema ainda maior: viciou o ar do tempo nas lentes económicas; tudo passou a ter explicação económica; tudo passou a ser explicado pela opressão económica do Ocidente. Os valores religiosos ou culturais do “outro” deixaram de contar; o “negro”, o “muçulmano” ou o “oriental” deixaram de ser agentes morais com consciência própria e passaram a ser meros títeres dos ventos estruturais lançados pelo Ocidente. Em consequência, as sociedades europeias perderam a capacidade de criticar os povos orientais. A própria linguagem que permitiria semelhante crítica moral não estava disponível. Nem sequer tínhamos os instrumentos semânticos (ex.: “barbárie”, “terrorista”, “inimigo”, “imoral”) para esboçar um juízo de valor em relação a fenómenos ocorridos em países muçulmanos ou africanos.
As grandes vítimas desta forma de pensar eram as mulheres nascidas na categoria do “outro”. A violência que sofriam às mãos de homens não-caucasianos era um fenómeno secundário e só podia ser abordado através do ângulo da exploração económica da globalização e, claro, pelo prisma das guerras que os americanos lançavam com o objectivo de manter os pilares desta opressão. Quando lia coisas como “Desonrada” (Livros do Brasil) de Mukhtar Mai, este ar do tempo desculpabilizava o marialvismo islamita e justificava tudo com a globalização. Sim, a repressão sentida por raparigas como Mai em aldeias perdidas no Paquistão tinha de ser enquadrada na ofensiva das multinacionais americanas, essas entidades que empobreciam os homens paquistaneses, levando-os assim a cometer actos de violência misógina. Por artes mágicas, era a Nike que despoletava a seguinte sucessão de acontecimentos: se um rapaz paquistanês namoriscasse sem autorização uma rapariga de um clã superior, o tribunal da aldeia decretava que uma irmã desse rapaz devia ser violada pelos homens do clã ofendido. Da mesma forma, só a economia do petróleo podia explicar o que sucedeu a Touria Tiouli, autora de “Despedaçada” (Campo das Letras). Esta fraco-marroquina foi violada por três homens no Dubai, mas, em vez de perseguir os criminosos, a polícia prendeu Tiouli, acusando-a de “relações sexuais fora do casamento”. Este é um evidente absurdo moral, mas nós, europeus, não tínhamos sequer a linguagem necessária para fazer esse juízo kantiano (Kant passou a ser racista); no máximo, podíamos fazer uma pequena nota de rodapé sobre a misoginia islamita no final da peroração habitual sobre os malefícios da globalização.
É por isso que artistas muçulmanas como a afegã Lida Abdul causavam e ainda causam um certo desconforto. Como a própria Abdul reconhece, o público ocidental nem sempre acolhe o seu trabalho, porque as fotografias e vídeos que expõe não entram na categoria do exótico ou porque não reflectem as agruras económicas vividas pelos povos muçulmanos. Nas suas obras, Abdul procura aquilo que todo o artista deve procurar: atingir um eco universal a partir de um contexto concreto, procurar uma parábola intemporal a partir de uma realidade histórica. Mas parece que o meio artístico ocidental nem sempre aprecia esta ambição transcendente do “outro”. É como se Lida Abdul não tivesse direito ou inteligência para atingir o nível conceptual que existe em Paris ou Nova Iorque. É como se ela só tivesse autorização para recriar as péssimas condições de vida dos afegãos e as pernas estropiadas por bombas americanas. É como se Abdul só pudesse ser um espelho passivo do complexo do homem branco. 
O resultado final desta falácia intelectual foi a incompreensão total do 11 de Setembro. Como o “outro” não podia pensar pela sua própria cabeça, como não se admitia a existência uma agência moral, religiosa e autónoma nos povos orientais, o maior ataque terrorista da história do Ocidente foi encarado como uma justa resposta dos exércitos maltrapilhos de Fanon e Negri contra o Império capitalista. O facto de Bin Laden e Mohammed Atta pertencerem a uma elite rica e educada não parecia perturbar ninguém. A esquerda da globalização predatória era tão paternalista como os liberais do fim de história.
 
 
Lida Abdul, «White House», 2005
 
A esquerda reacionária
A par da tese da globalização predatória, outra estirpe de esquerda fez o seu caminho nestes anos. Estamos a falar da esquerda multiculturalista. Apoiada no relativismo epistemológico e cultural de Said e Foucault, esta escola de pensamento empenhou-se na destruição activa do Direito Natural. Pela via religiosa ou secular, a velha tradição do Direito Natural garantia que todos os indivíduos nascem com direitos inalienáveis, direitos eternos e válidos em qualquer país ou cultura; antes de ser um cidadão, antes de ser membro de uma religião, um indivíduo tem direitos universais que não dependem da validação de políticos, imãs ou bispos. Assumindo que esta tradição era mais um pérfido tentáculo das estruturas de poder eurocêntricas, a esquerda multiculturalista começou a impor a ideia de que não existe uma moral acima do relativismo das culturas, pois cada cultura desenvolve a sua própria moral. Nesta grelha de pensamento, o homem ocidental não pode criticar as outras culturas porque não existe qualquer critério de avaliação universal, objectivo e verificável; não existe qualquer norma ética ou racional capaz de transcender a imanência da tradição vivida numa dada comunidade. Cada cultura, nação ou religião é uma verdade autónoma e orgânica que se auto-valida em circuito fechado, uma ilha de “nós” num oceano de “eles”. O que é espantoso nesta metamorfose da esquerda é que os progressistas não perceberam (ou não quiseram perceber) que estavam a entrar nos terrenos da velha direita nacionalista e mesmo pré-fascista.
Em “Direito Natural e História” (Edições 70), Leo Strauss afirmou que, apesar da derrota alemã na II Guerra Mundial, as ideias alemãs permaneceram no centro do debate europeu. O filósofo de Chicago tinha razão: o ataque relativista ao Direito Natural e a noção de que não existe uma transcendência moral ou racional acima da cultura histórica eram os dois pilares da direita romântica alemã que reagiu ao universalismo da Revolução Americana, da Revolução Francesa e do liberalismo inglês representado pela linhagem progressista de Mill e pela linhagem conservadora de Burke. Ora, na segunda metade do século XX, os filhos multiculturalistas de Said e Foucault reproduziram à esquerda este esquema romântico de Herder, Fichte, Tönnies, Spengler, Jünger, etc. Tal como estes velhos reaças, a esquerda multiculturalista reergueu a glória vitalista da gemeinschaft (comunidade) contra a Gesellschaft (sociedade). Sim, a esquerda multiculturalista construiu-se com base no erro clássico do reaccionário: reduziu o indivíduo a uma única identidade (religião/comunidade), desprezando todas as outras identidades (ideologia, patriotismo, profissão, clube de futebol, bairrismo, hóbis). Para os multiculturalistas, o muçulmano é só isso: o muçulmano. É como se a cultura fosse uma variável tão imóvel e sufocante como a biologia. É como se a “comunidade muçulmana” fosse um destino genético. 
As grandes vítimas deste irracionalismo de esquerda foram as mulheres muçulmanas. Esta pulsão reaccionária conhecida pelo eufemismo de “multiculturalismo” impediu uma crítica séria a atrocidades como aquela que se abateu sobre Asia Bibi, uma católica paquistanesa que foi condenada à morte porque ousou beber água de uma vasilha destinada a muçulmanos. Esta história contada em “Blasfémia” (Alêtheia) é chocante, mas ainda é mais chocante pensar a situação através do prisma multiculturalista: Asia Bibi estava a apanhar bagas, ficou com sede, bebeu da vasilha comum, foi rotulada de “porca católica” e, de seguida, foi condenada à morte pelo ancião da aldeia, mas nós, ocidentais, temos de respeitar o episódio porque há aqui um “contexto” cultural validado pelas suas próprias premissas; porventura, até devemos ficar comovidos com a misericórdia final do ancião: “se não queres morrer, deves converter-te ao islão”. Mas, verdade seja dita, o lado mais negro desta fraude intelectual não estava na relação entre os progressistas europeus e as mulheres a viver nos arrabaldes do Paquistão ou nas torres do Dubai. O problema estava na relação entre esta agenda multiculturalista e as muçulmanas europeias. Durante décadas, a esquerda europeia viu com bons olhos a implementação informal mas efectiva de um sistema legal paralelo baseado na sharia; durante décadas, os multiculturalistas exigiram que os Estados (sobretudo Inglaterra, Holanda, Alemanha) financiassem o imobilismo cultural das “comunidades muçulmanas” através, por exemplo, de escolas de fé. E este cenário até acabou por provocar uma situação caricata: o Estado que lançou guerras no Médio Oriente em nome da Liberdade à maneira de John Stuart Mill era o mesmo Estado que financiava escolas de fé corânicas que pregavam o obscurantismo qutbista no centro de Londres. Estamos a falar da Inglaterra de Tony Blair, o homem que foi liberal e multiculturalista ao mesmo tempo, o homem que falava de uma Liberdade em abstracto para o Grande Médio Oriente enquanto permitia a clausura das mulheres muçulmanas que viviam a poucos quilómetros do n.º10 de Downing Street. Viviam e vivem. Passados catorze anos sobre o 11 de Setembro preparado em Hamburgo, pouco ou nada mudou.
 
 
Lida Abdul, «What We Saw Upon Awakening», 2006
 
 
Nazneen
No romance “Brick Lane”, Monica Ali construiu o arquétipo literário destas muçulmanas europeias através da personagem Nazneen. Oriunda do Bangladesh, Nazneen é forçada a casar-se com um homem que já vivia em Londres. Parece que os homens do Bangladesh a viver em Londres são assim: gostam de importar esposas das aldeias da pátria antiga, pois assim garantem uma mulher-anjo, ingénua, moldável, espancável, com um pureza que as bengali contaminadas pela vida inglesa já não têm. Para citar Chanu, o marido, Nazneen é uma “rapariga da aldeia, totalmente intacta”. Nazneen casa, tem filhos, nunca sai do seu apartamento perdido numa torre já de si perdida, não fala inglês e continua a ver-se a si mesma como mercadoria. Foi educada para não desejar coisas e até para sentir culpa quando pensa pela própria cabeça. “Se Deus quisesse que nós fizéssemos perguntas, tinha feito de nós homens”, ensinou-lhe a mãe. Dentro dos conformes, Nazneen assume o papel de incubadora e de calista: depura os calos dos pés de Chanu todas as noites; corta pequenas fatias daquele pele amarelecida como se estivesse a cortar cebola com uma lâmina; de quando em vez, há sexo funcionário e reprodutor depois da pedicure. Na cena-chave desta clausura, Nazneen visita o centro de Londres trinta anos depois de chegar à cidade. Sim, trinta anos depois. É como se aqueles míseros quarteirões tivessem a dimensão de “Sete mares e treze rios” (o título da edição da Dom Quixote). Quando as filhas (Bibi e Shahana) começam a dar sinais de rebeldia, Chanu exige o regresso da família ao Bangladesh. É a forma que ele encontra para travar a aculturação das raparigas, sobretudo Shahana, a rebelde que insiste em viver como uma inglesa, que recusa o sari e que ameaça fugir. Depois de peripécias várias, Nazneen escolhe o lado das filhas. As três ficam em Londres, Chanu regressa. A heroína de Monica Ali liberta-se da prisão mental quando assume que “ficar ou ir depende de nós as três”.
O processo de libertação de Nazneen está relacionado com algo que ela considera misterioso ao início: a privacidade. Esta jovem bengali fica boquiaberta com a liberdade privada das suas vizinhas brancas. O véu delas é diferente, é um véu moral e até jurídico que lhes permite criar um espaço só delas onde podem fazer o que bem entendem, desde tatuar o braço até fazer amor com diversos namorados. Nazneen não compreende este véu privado, porque o seu apartamento é um prolongamento da comunidade; as anciãs da torre entram sem pedir licença, dão-lhe ordens até na educação das filhas e fazem campanha activa contra a tal privacidade. A Sra Islam, moralista-mor da torre e agiota nos tempos livres, é a rainha deste cilindro comunitário que esmaga qualquer nesga de privacidade. Ora, cá fora, na vida real do Médio Oriente e nas “comunidades muçulmanas” da Europa, a via sacra das mulheres começa aqui. “No País das Mulheres Invisíveis”, Qanta Ahmed vislumbra este problema na mulher mais bonita das Arábias: Ghadah. Depois de um início de vida conjugal no Canadá, Ghadah e o marido voltaram à Arábia e o choque foi inevitável:
 
“Não temos tempo para viver só em família. Nenhum! Às vezes até me dá vontade de gritar. Quero dizer, adoro os meus pais e os meus parentes, mas é evidente que um casamento, uma família, precisa de ter tempo só para si, um espaço só para si. E aqui sinto que não temos nenhum, que pertencemos aos outros”.
 
Em “Fim de Tarde em Mossul” (Ed. Presença), a jornalista Lynne O’Donnell fala-nos de duas inglesas que fizeram o percurso inverso ao de Nazneen e de Ghadah: foram viver para o Iraque porque casaram com dois iraquianos. A principal queixa destas duas mulheres, Pauline e Margaret, volta a ser a falta de privacidade. “As pessoas da família aqui pensam que a minha casa é a casa deles”, diz Pauline. Aparecem a qualquer hora do dia e da noite sem avisar, exigindo conversa, café, comida. Qual é o resultado desta profanação da privacidade? Se não existe na rua e se em casa não tem um espaço só para si, a mulher acaba por ser propriedade colectiva da família, faz parte do cenário, é o palco onde os outros representam a peça do dia-a-dia. Nem sequer é figurante, é o palco. Sem surpresa, esta concepção de Mulher acaba por gerar um facto insofismável: quando as Ghadah se revoltam, quando saem de casa, quando desafiam os pais e maridos, muitas famílias reagem através de assassínios descritos através do eufemismo “crimes de honra”; o mundo islâmico representa a esmagadora maioria dos crimes desta natureza à escala global; a “comunidade muçulmana” é responsável por 96% destes crimes na Europa.
 
 
Lida Abdul
 
 
 
Não é “violência doméstica”
Nas cidades europeias, o final feliz de Nazneen e Shahana nem sempre encontra reprodução na realidade, até porque nem todos os maridos e pais muçulmanos são tão bonacheirões como Chanu. As vidas das Naznnen reais são mesmo perigosas. Em 2006, Banaz Mahmod foi assassinada pelo pai, Mahmod Mahmod, pelo tio, Ari Mahmod, e pelo primo, Dana Amin; mataram-na com um cordão de sapato e deixaram o seu corpo num jardim de Birmingham. O que fez ela para merecer isto? Separou-se do marido e começou uma vida nova com outro homem. Na Alemanha, o flagelo é idêntico. Hatun Suruçu foi baleada pelos próprios irmãos numa paragem de autocarro em Berlim em 2005. O que fez ela para merecer isto? “A puta queria viver como uma alemã”, diziam. Aos 23 anos, Hatun divorciou-se do primo que lhe tinha sido imposto pelos pais aos 16 anos no casamento forçado da praxe; também deixou de usar lenço, recusou a vida de dona de casa (inscreveu-se numa escola profissional) e começou a namorar um alemão. Num claro eco de Sayyd Qutb, a família decretou que Hatun havia cometido o pecado dos pecados: deixou-se conspurcar pela vida impura do Ocidente. Matá-la era uma questão de honra.
Hatun não é um caso isolado. Na última década e meia, a Alemanha conheceu centenas de casos idênticos. Por norma, os familiares escolhem o irmão mais novo para o papel de assassino da irmã devassa, porque sabem que a justiça alemã não pode ser dura com menores de idade. Estes meninos acabam por crescer como “heróis de honra” da família e dos bairros que vivem num universo paralelo. Há relatos de crianças que chegam à escola sem compreenderem uma sílaba de alemão; há relatos de bairros controlados por um sistema legal paralelo e informal assente na sharia e tutelado por “mediadores islâmicos”. Estes mediadores, anciãos de aldeia a viver em marquises, realizam casamentos à margem da lei e, aos olhos da comunidade, aqueles casais ficam mesmo casados. Algumas associações de protecção de mulheres muçulmanas afirmam que estes casamentos paralelos já representam 20% da população muçulmana de Berlim; as associações também declaram que os tais “mediadores islâmicos” (outro belo eufemismo) nunca tomam o partido das raparigas que recusam casar com os primos impostos pelas famílias. Não surpreende. Estamos a falar de comunidades onde as meninas são forçadas a casar a partir dos doze anos e onde os meninos aprendem a apelidar de “puta alemã” qualquer rapariga que recuse usar o véu.
Esta barbárie foi construída com o beneplácito dos responsáveis pela integração e dos média que recusaram sempre fazer críticas à “comunidade turca” mesmo quando se tratava de expor a mais abjecta misoginia. Felizmente, este racismo invertido do multiculturalismo só podia desesperar as turcas-alemães que lutam pela sua liberdade. Serap Çileli é um desses casos. Durante os anos 90, Çileli tentou publicar artigos e livros sobre a condição feminina dos bairros turcos, até porque ela própria fora forçada a casar aos 15 anos, mas o meio literário e jornalístico recusou sempre os seus textos. “As pessoas”, diz Serap, “tinham medo de serem apelidadas de nazis caso levantassem questões sobre os muçulmanos. Tudo o que eu escrevia era rejeitado, até pelos jornais; diziam-me que estava a escrever sobre uma minoria e eles tinham medo de serem apelidados de racistas”. A perversão moral deste raciocínio fala por si. Serap é turca, experimentou as agruras do casamento forçado, estava a criticar o marialvismo islamita a partir de um ponto de vista muçulmano, estava a defender a emancipação das mulheres, mas mesmo assim o meio intelectual alemão só encontrava uma palavra para descrever os seus ensaios e livros: “racismo”. Outra autora turco-alemã, Seyran Ates, é ainda mais dura na crítica à mentalidade multiculturalista. Para esta autora e advogada especializada nos “crimes de honra”, a posição da esquerda feminista é insustentável. Por um lado, critica a Igreja católica e o machismo do homem branco, mas, por outro lado, fecha os olhos à repulsiva condição das mulheres muçulmanas. Ates levanta o véu e permite-nos ver a traição do feminismo ocidental em relação às mulheres muçulmanas.
Esta traição tem uma escala babilónica, porque a maioria das vozes feministas também está presa nos dois complexos ideológicos do costume: ou são multiculturalistas convictas, ou são defensoras do “politicamente correcto”, a versão descafeinada do multiculturalismo. Se são multiculturalistas a sério, as feministas argumentam que o véu e demais misoginias islamitas são uma representação legítima de uma cultura que temos de respeitar; isto quer dizer que, na prática, só defendem os direitos das mulheres brancas que são vítimas da alegada opressão cristã, capitalista e do homem caucasiano (o homem não-caucasiano, como se sabe, é o bom selvagem). Quando não caem neste fanatismo ideológico, as feministas deixavam-se ficar na estação agridoce do politicamente correcto, acabando por dizer que não existem diferenças entre a violência machista da maioria branca e a violência machista da minoria islâmica, isto é, tentam colocar os “crimes de honra” dentro da grande categoria da “violência doméstica”. Numa infeliz aliança com as organizações islamistas, demasiados grupos feministas colocam a tareia da Rihanna ou a morte da Dona Joaquina em Carrazeda de Anciães ao lado do assassinato de Hatun Suruçu ou Banaz Mahmod. É uma equivalência infeliz porque existe uma diferença de natureza entre a chamada “violência doméstica” e os “crimes de honra”. É claro que os homens da maioria branca matam mulheres. Muitas tascas portuguesas, por exemplo, ainda se regem pelo “ela estava a pedi-las” quando há provas ou rumores de adultério. Mas estes assassínios são actos isolados de um único indivíduo, o marido, que obviamente não encontra cúmplices materiais no sogro ou cunhados. Além disso, estes assassínios não são manifestos culturais ou religiosas contra a “cultura ocidental”. A conversa muda de figura nos “crimes de honra”. Estamos a falar de actos colectivos e familiares. O pai junta-se a irmãos, filhos e tios para matar a própria filha e a restante família apoia o assassino e não a vítima. Em 2008, em Hamburgo, Ahmad esfaqueou a irmã Morsal vinte e três vezes. A justiça condenou-o a prisão perpétua e a decisão causou indignação na família que estava ao lado do irmão assassino e não ao lado da irmã assassinada. Sim, existe uma diferença entre “violência doméstica” e os “crimes de honra” muçulmanos. Mas feministas ocidentais e islamistas continuam a argumentar que a mera constatação desta diferença é um acto “racista”.
Seyran Ates e Serap Çileli não são as únicas autoras que se sentem abandonadas. Hirsi Ali é outro caso famoso de abandono. De resto, a sua autobiografia (“Uma Mulher Rebelde”, Ed. Presença) é uma história de desilusão com a esquerda. Natural da Somália, Hirsi Ali chegou à Holanda no início dos anos 90 depois de sofrer os danos da sua cultura natal (excisão genital, casamento forçado). Cedo ingressou naquele que lhe parecia o partido natural para a sua posição crítica em relação à misoginia islamita – o Partido Trabalhista. Estava enganada. No dia 12 de Setembro de 2001, Hirsi Ali encontrou o líder dos trabalhistas, Ruud Koola, que de imediato quis mostrar a sua compreensão: “não achas estranho que toda a gente pense que a culpa é do Islão!?”. Hirsi Ali teve ali a sua epifania e começou de imediato a tentar acordar os colegas de partido. Começou a avisá-los em relação aos perigos do multiculturalismo, uma política pública que legitimava e financiava comunidades inteiras que não respeitavam os direitos mais básicos das mulheres e dos homossexuais. Quando ouviam este discurso, os colegas trabalhistas de Ali franziam os olhos e diziam que não, aquilo era um discurso “direitista”; estavam paralisados pela necessidade de se mostrarem sensíveis às culturas das minorias, fosse qual fosse a essência dessas culturas, fosse qual fosse a condição feminina vigente nessas minorias. Quem está mal, muda-se. Hirsi Ali acabou por ingressar no Partido Liberal e, após o assassínio do amigo Theo Van Gogh, emigrou para os EUA. Já não se sentia segura ou respeitada na Holanda. Os seus vizinhos exigiram em tribunal que ela saísse da própria casa.
Hirsi Ali, Seyran Ates e Serap Çileli e as milhares de vítimas dos “crimes de honra” foram, são e serão traídas por uma esquerda bloqueada na questão islâmica. Este espectáculo de incoerência dura há décadas e deverá continuar por mais algum tempo: os alegados progressistas defendem o modo de vida mais reaccionário e misógino do mundo. Naquele que continua ser o livro definitivo sobre o assunto (“Identidade e Violência”, Tinta-da-China), Amartya Sen expôs ao ridículo esta esquerda reaccionária com um exemplo muito simples: imagine-se que uma rapariga muçulmana de Londres, uma Shahana real, quer namorar com um rapaz inglês; este desejo é travado pela família, pelos alegados líderes religiosos da “comunidade muçulmana” e pelos ideológicos multiculturalistas da esquerda britânica. Como salienta um espantado Sen,
 
“é precisamente a proibição dos pais que parece receber a defesa mais clara e visível dos alegados multiculturalistas, com base na importância de honrar as culturas tradicionais, como se a liberdade da jovem não tivesse relevância.”
 
Além de trair as muçulmanas, esta esquerda também atraiçoa os intelectuais muçulmanos que procuram reformar e racionalizar o Islão. Esta indústria intelectual que grita “islamofobia” a cada momento acaba por reconhecer os radicais islamistas como os líderes legítimos do Islão, deixando de parte os reformadores como Sayd Bahodine Majrouh, o Voltaire afegão que recolheu os poemas de um género popular cantado em segredo pelas mulheres afegãs – os landay. Em “A Voz Secreta das Mulheres Afegãs” (Cavalo de Ferro), podemos ler estes poemas que gozam com a repressão masculina. Não, não são poemas da mulher-anjo desejada pelos islamitas, não são sussurros místicos e inocentes. São ânsias carnais. Estas mulheres querem sexo, cantam sobre sexo porque – muito simplesmente – não o têm. Os homens passam o dia a discutir assuntos tribais e religiosos; à noite, dormem. É um coro de donas de casa desesperadas: “Não haverá um louco nesta aldeia? / As minhas calças cor de fogo ardem-me nas coxas”. Estas pequenas quadras têm um poder de fogo superior a toda a armada americana, porque submetem ao ridículo o código de honra islamita a partir da cama dos mullah: “Que o mullah grite a sua chamada à oração matinal / Enquanto o meu amante quiser, não me levantarei”. Como se sabe, estas mulheres são assassinadas se forem apanhadas com o tal amante. E, como seria de esperar, Majrouh foi assassinado por islamitas no mesmo ano da fatwa lançada sobre Salman Rushdie (1988), outro intelectual traído. Tal como o próprio recorda na sua autobiografia (“Joseph Anton”, Dom Quixote), Rushdie sentiu-se abandonado pelos seus pares, pelo meio intelectual, e figuras como Cat Stevens e John Le Carré colocaram-se objectivamente ao lado dos Ayatollah.
Entre 1988 e 2015, a posição de John Le Carré tornou-se cada vez mais poderosa. Este predomínio ficou evidente na polémica dos cartoons e ainda se vê na forma como mulheres da linha de Hirsi Ali e Qanta Ahmed são rotuladas de traidores da sua própria cultura. Não deixa de ser curioso: as intelectuais muçulmanas que rompem com o Islão (Ali) ou com o islamismo radical (Ahmed) são destratadas como “direitistas” ou “vendidos ao Ocidente”, tal como os dissidentes dos países comunistas há trinta ou quarenta anos. Nos anos 60, 70 e 80, os dissidentes na linha de Havel, Sakharov ou Soljenitsine eram criticados ou ignorados pelos marxistas ocidentais que viviam no conforto do mundo NATO; de forma quase cómica, aqueles que conheciam de facto o comunismo recebiam lições de moral dos intelectuais marxistas que nunca viveram de facto em países comunistas; hoje em dia, as mulheres que viveram e vivem de facto as agruras do islamismo são silenciadas, secundarizadas ou mesmo rotuladas de “vendidas” pelos intelectuais pós-marxistas que têm as seus cátedras financiadas pela indústria da “islamofobia”.
 
 
 
Lida Abdul
 
Compromisso
Como é que podemos chegar a um acordo? Como é que podemos encontrar um chão comum entre a velha arrogância liberal que via no “outro” uma tábua rasa e o actual multiculturalismo que vê no “outro” um espelho passivo da culpa ocidental? Talvez valha a pena recordar Edmund Burke, um liberal à moda antiga, um liberal-conservador que era – ao mesmo tempo – um adversário da arrogância iluminista à James Mill e um inimigo do romantismo relativista de Herder. Burke defendia a governação e os valores britânicos, mas recomendava cautela à arrogância imperial, visto que existiam elementos válidos nos valores indianos. Temos de recuperar esta velha prudência burkeana. Em “Two Faces of Liberalism”, John Gray tenta esse exercício e recorda-nos que diferentes concepções de Bem podem coexistir na mesma sociedade. Não, não devemos considerar que uma cultura é o Inimigo só porque defende uma concepção de Bem diferente da nossa. Contudo, este pluralismo deve ter limites. Sem limites, o pluralismo cosmopolita transforma-se em relativismo. Mas como é que traçamos esse risco? Ou melhor: onde é que traçamos o risco entre pluralismo e relativismo? Só é possível resolver a equação através de exemplos práticos. Neste sentido, devemos olhar para o par que toda a gente tem na cabeça: o muçulmano e a sua mulher a viver na Europa.
Não apreciamos e até podemos considerá-las repugnantes, mas podemos tolerar a existência de comunidades patriarcais que colocam a mulher num lugar subalterno. Não apreciamos, até podemos considerar repugnantes alguns aspectos, mas os nossos espaços legais podem aceitar essa diversidade. É assim com as “comunidades ciganas” há anos. Pode ser assim com a “comunidade muçulmana”. Ou seja, podemos aceitar a condição doméstica das Nazneen. Não concordamos com essa realidade, mas podemos aceitá-la se existir consentimento da parte da mulher. Devemos ter a humildade para conceber que pode estar ali outra concepção de Bem. Não podemos estar sempre a traçar riscos na areia, até porque a tolerância é isto: aceitar realidades de que não gostamos. Tolerar não é amar acriticamente o “outro” em toda a sua diversidade; tolerar é respeitar o “outro” apesar de odiarmos partes da sua natureza. Há, porém, limites à tolerância e ao esforço contextualizador. Se tudo fosse relativo, o canibalismo seria uma questão culinária; se tudo fosse cultural, o apedrejamento de mulheres seria uma questão de pontaria; se tudo fosse relativo ao contexto, o único ponto a debater na excisão genital seria o grau de desinfecção da lâmina. Portanto, se podemos aceitar a subalternidade das Nazneen, não podemos aceitar os casamentos forçados das Shashana aos doze anos. Se podemos aceitar o véu, não podemos aceitar a excisão genital de meninas como Bibi. Se podemos aceitar que a mulher ande dois passos atrás do marido, não podemos aceitar desculpas culturalistas para actos tão graves como uma violação. Mas, infelizmente, isto já é uma realidade. Na Austrália, um afegão chamado Esmatullah Sharifi violou duas raparigas. O tribunal de primeira instância condeno-o à pena máxima, mas o tribunal de segunda instância aceitou a argumentação relativista do advogado de defesa. O juiz reduziu a pena porque Sharifi é oriundo de uma cultura sem “uma noção clara do conceito de consentimento da mulher no momento do acto sexual”. É a glória do multiculturalismo: um crime contra uma mulher passa a ser um fenómeno cultural se for perpetrado por um homem sem pele branca.
O panorama é este e não há sinais de mudança mesmo depois do 7 de Janeiro de 2015. A BBC, por exemplo, recusa apelidar de “terroristas” os assassinos que mataram doze pessoas no “Charlie Hebdo”. O termo correcto, diz a estação inglesa, é “militantes”. Em Paris, no final de Janeiro, uma peça da artista francesa Zoulikha Bouabdellah foi retirada de uma galeria de arte para não ferir susceptibilidades. Um grupo local de muçulmanos avisou que a presença daquele peça poderia desencadear “violência incontrolável”. O que mostra a peça? Saltos altos pousados num tapete de oração.
A traição continua.
 
Henrique Raposo
 
(ensaio originalmente publicado na revista Ler, no início deste ano, aqui reproduzido com autorização de Henrique Raposo – obrigado e um abraço, Henrique!)

12 comentários:

  1. Raposo acerta em quase tudo. Mas não deixo de fazer uns reparos. Quando Raposo diz que «É por isso que não faz sentido conceber o islamismo como uma reacção ao hard power composto por F-16 a largar bombas em Mossul ou Cabul.» não podemos cair no simplismo inverso aos que dizem que a culpa é só das bombas. Se é verdade «o islâmica [muitos, mas não todos, diria eu] odeia os seios de Pamela Anderson que lhe entram em casa através da parabólica, tal como odeia programas de televisão sobre ciência, democracia ou igualdade entre sexos», também entre nós ocidentais (pelo menos nos EUA) vivem muitos católicos e judeus ultra-ortodoxos que desprezam as mulheres e a ciência da mesma forma. Nos EUA há quem, em escolas públicas, depois de explicar o aparecimento da vida na terra pela "versão da ciência" diga: «e agora, depois de ter cumprido as obrigações do estado federal, vou-vos contar a verdade sobre como Deus criou a vida e a terra". Isto é um facto.

    «E devemos sempre sublinhar que esta reacção anti-ocidental é liderada pela elite que foi exposta ao Ocidente.» Certo, mas isso não significa que a exposição de islâmicos ao Ocidente crie esta reacção. Ou será que o arquitecto árabe Mohamed Amine Ibholmobarak (e todos os outros árabes caídos em Paris) possuía alguma inoculação especial? Os líderes reaccionários são commumente parte de elites e que foram expostos a seja o que for contra aquilo a que reagem.

    Se é um absurdo moral que as autoridades do Dubai tenham ido atrás das violadas e não dos violadores, que dizer da "real politik" e das continuadas relações de amizade do ocidente (EUA em particular) com os sauditas, cujo reino sustenta uma das versões mais radicais do islão (ainda agora o rei saudita decretou os ateus como terroristas), onde estavam os tais médicos que celebraram o 11 de Setembro? Sim, há muitos aspectos de interpretações do Islão incompatíveis com os valores europeus e esses aspectos devem ser terminantemente recusados na Europa. Mas como temos vistos, muito desses comportamentos surgem em indivíduos cujas famílias melhor ou pior se tinham integrado nas suas comunidades e que repudiam as suas acções. Das duas uma, ou recusamos totalmente o islão na Europa, o que muitos querem mas, tirando as franjas, não assumem, ou temos de impedir a radicalização. Nisto concordo com o Raposo, o "multiculturalismo bacoco" é perigoso, temos de defender os nossos valores, sem ter vergonha de considerá-los melhores que os dos outros (aqueles que o são). Mas a islamofobia impulsiva e gutural também não resultará em paz.

    Não sei qual é a solução para a evitar a tal radicalização, mas é certo que também temos de obrigar os membros das comunidades islâmicas locais a responsabilizarem-se por ela e por lutar contra ela.

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    1. E nesta fase da história recente das relações ocidente/islamismo há tempo para implementar essas politicas e evitar a, quanto a mim, inevitavel radicalização muçulmana na Europa?

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  2. Absolutamente assustador.
    O panorama generalizada da imprensa portuguesa sobre esta última tragédia está carregado de "mas".
    O último exemplo, porventura um dos mais sólidos está (talvez) aqui

    http://fado-alexandrino.blogspot.pt/2015/11/fixe-esta-cara.html


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  3. Credo, que texto tão indigente, a todos os niveis. Como é que o Antonio Araujo pode encontrar algum interesse, pequeno que seja, neste rol de chavões saidos directamente da arca congeladora do café da esquina e requentados à pressão por quem, manifestamente, não faz a mais palida ideia do que esta a falar (o homem até decobriu um "livro definitivo sobre o assunto", calculem, que triste figura).

    Até assusta... Indigno deste blogue...

    Boas

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    1. Explique a indigência. Não basta qualificar há que fundamentar, pois só assim terá ou não mérito o qualificador.

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  4. Não sei se indigente será a melhor palavra.
    Parece-me mais uma tentativa emproada de se tornar absolutamente impermeável.

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  5. Bem me parecia que tal chorrilho de disparates vinham do Raposinho.

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  6. O artigo de Henrique é de mérito cultural e político. Como tudo, é passível de discordância, mas exige-se mais do que a indigência intelectual e ética manifestada pelos"críticos", que, há falta de melhor recurso, se bastam pelos seus habituais insultos. É a especialidade certa esquerda!

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    1. Se Henrique Raposo escrever um texto sem título a dizer "Sim" vai logo aparecer uma "esquerda" a criticar e a chamar-lhe os piores nomes.
      Se ele na semana seguinte fizer a parte II do mesmo texto agora apenas com a apalavra "Não" a mesma "esquerda" criticará na mesma.
      Houve um senhor chamado Pavlov que explicou isso muito bem (com mais palavras).

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    2. Ola,

      Por mim, não sei, nem me interessa saber, quem é o Raposo. Falo apenas do texto, que é de uma indigência total. Há quem leia o Leo Strauss para compreender do que fala quando se refere ao direito natural. Sou o primeiro a recomendá-lo, tal como para muitos outros autores, sejam eles conotados com a esquerda ou com a direita, desde que tenham alguma espessura. Agora há quem leia pela rama, para poder encher a boca com citações e confortar uma visão do mundo simplória, que faz parecer a do Tintim no Congo um monumento de subtileza e de abertura de espírito. O texto que aqui está entra claramente nesta categoria. O tal de Raposo deve ser primo do António Araújo, ou coisa que o valha, para que este não repare na evidente pobreza provinciana desta coisa, que é um insulto a tantos textos inteligentes por aqui publicados…

      Boas

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