domingo, 1 de novembro de 2015

O Monstro.

 
 

2011

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O Público, na sua edição de hoje, compara, página a página, linha a linha, palavra a palavra, duas edições de Diálogos 5, o manual de Português do 5º ano, de Fernanda Costa e Luísa Mendonça. Entre as edições de 2011 e 2015 as semelhanças atingem cerca de 80%. Os pais e encarregados de educação, portanto, compram 20% de criatividade original tendo de pagar 80% de páginas refogadas vindas do manual anterior. As mudanças das metas pedagógicas, as alterações de programas e a actualização do conhecimento não justificam o investimento. Pelo menos, não justificaram que a Porto Editora investisse num manual feito de raiz, inteiramente novo. Aproveitou 80% do que estava feito, acrescentou-lhe 20% de novidade e o que temos? 100% de um «manual novo». Que você e eu temos de pagar, a preços que, em média, são mais caros do que os de todos os outros livros à venda no mercado, incluindo romances famosos de autores consagrados. Não digam que os manuais são caros pois têm grandes custos de concepção ou produção: 80% do conteúdo é material reciclado, com custos mais do que amortizados. Em todo o caso, temos de comprar a nova edição, somos obrigados a isso. Podemos não fazê-lo, claro, mas queremos que os nossos filhos reprovem o ano por falta de material? Isto é um caso de estudo em que a liberdade mercantil e autoral se converteu numa mafiosa tirania. O livro «antigo», do irmão mais velho, não pode ser aproveitado – tem de ir para o lixo, com todos os custos monetários, sociais e ambientais daí decorrentes. E até, cruel paradoxo, com custos pedagógicos: queremos  que os nossos filhos cresçam e aprendam com o consumismo supérfluo e o desperdício? Vamos dar-lhes um triste exemplo de passividade cívica? A «crise» e a «austeridade», pelos vistos, afectaram toda a gente mas não chegaram aqui, um mercado de milhões. Esta tragicomédia de luxo, que  só sucede em Portugal, desenrola-se há décadas; ano após ano, apesar de sucessivos pareceres do Conselho Nacional de Educação a defender um sistema de empréstimo de manuais escolares. Com a cumplicidade passiva de sucessivos governos, criámos um monstro – como bem diz a directora do Público, Bárbara Reis. Só para o 2º ciclo há 178 manuais escolares: 14 são de Educação Física. Mas, apesar de tanta abundância, há um manual escolar que falta. O da defesa dos interesses das famílias. É esse o manual que não temos, a cartilha  que os sucessivos ministros da Educação – e, já agora, das Finanças… − desprezam, com uma sobranceria e uma indiferença que constitui um verdadeiro insulto. Um insulto a pais e futuros pais, até a não-pais, a todos os cidadãos. E não, não venham com a conversa de treta sobre a «qualidade do ensino» ou as «mudanças pedagógicas». Quem impõe e obriga a comprar um «novo manual» que é 80% igual ao anterior não tem moralidade para dizer o que quer que seja. Este é um problema que diz respeito a todos. Melhor dizendo, isto nem chega a ser um «problema», pois está há muito resolvido em todos os países da Europa onde impera o bom senso e a decência. Com excepção de um, Portugal. Um escândalo que tem de acabar. Senhores editores, senhores governantes: a indignação está lançada, não é de esquerda ou direita, é de todos nós, que somos muitos, e estamos muito zangados. Fartámo-nos de ser roubados. Fartámo-nos, que querem? Agora, não vamos parar.  
 
 
António Araújo
 
 
P.S. - precisa-se de voluntários para comparar o conteúdo de outros manuais escolares. Depois, divulguem o que encontrarem aos sete ventos, nas redes sociais, em blogues ou jornais, junto dos grupos parlamentares, aos gabinetes ministeriais. Vamos matar este monstro.

 

16 comentários:

  1. Continuo a dizer que os manuais deviam ser únicos, feitos por uma equipa independente de especialistas de cada disciplina, com duração prevista de X anos e impressos pela Imprensa Nacional Casa da Moeda. Cheira a mofo esta ideia? Claro que sim... A minha casa de férias tb cheira a mofo por estar muito tempo fechado e eu adoro-a.

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  2. A unica coisa que me dá prazer foi a Porto Editora ter perdido umas boas massas no Banque Privée do Espírito Santo.

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  3. A minha filha está no 7 ano. Em Ciências usa o manual adotado, emprestado, de há dois anos.
    O primeiro tema abordado na disciplina é: "Dinâmica externa da Terra". No livro da C. esta unidade inicia-se na pág.180, no dos colegas, na pág.8.
    Primeira questão da C. ao chegar a casa: "O professor disse-me que eu tenho que me organizar muito bem porque o meu livro não é igual ao dos meus colegas. Se não estiver com muita atenção, perco-me na matéria."
    Os livros são exatamente iguais mas organizados de forma diferente ( deve ter a ver com a introdução das metas curriculares ) e são só 22,50€.
    Até hoje ainda não se "perdeu"na matéria!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. A minha filha está no 7 ano. Em Ciências usa o manual adotado, emprestado, de há dois anos.
    O primeiro tema abordado na disciplina é: "Dinâmica externa da Terra". No livro da C. esta unidade inicia-se na pág.180, no dos colegas, na pág.8.
    Primeira questão da C. ao chegar a casa: "O professor disse-me que eu tenho que me organizar muito bem porque o meu livro não é igual ao dos meus colegas. Se não estiver com muita atenção, perco-me na matéria."
    Os livros são exatamente iguais mas organizados de forma diferente ( deve ter a ver com a introdução das metas curriculares ) e são só 22,50€.
    Até hoje ainda não se "perdeu"na matéria!

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  6. A minha filha está no 7 ano. Em Ciências usa o manual adotado, emprestado, de há dois anos.
    O primeiro tema abordado na disciplina é: "Dinâmica externa da Terra". No livro da C. esta unidade inicia-se na pág.180, no dos colegas, na pág.8.
    Primeira questão da C. ao chegar a casa: "O professor disse-me que eu tenho que me organizar muito bem porque o meu livro não é igual ao dos meus colegas. Se não estiver com muita atenção, perco-me na matéria."
    Os livros são exatamente iguais mas organizados de forma diferente ( deve ter a ver com a introdução das metas curriculares ) e são só 22,50€.
    Até hoje ainda não se "perdeu"na matéria!

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  7. A minha filha está no 7 ano. Em Ciências usa o manual adotado, emprestado, de há dois anos.
    O primeiro tema abordado na disciplina é: "Dinâmica externa da Terra". No livro da C. esta unidade inicia-se na pág.180, no dos colegas, na pág.8.
    Primeira questão da C. ao chegar a casa: "O professor disse-me que eu tenho que me organizar muito bem porque o meu livro não é igual ao dos meus colegas. Se não estiver com muita atenção, perco-me na matéria."
    Os livros são exatamente iguais mas organizados de forma diferente ( deve ter a ver com a introdução das metas curriculares ) e são só 22,50€.
    Até hoje ainda não se "perdeu"na matéria!

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  8. Até a margem de comercialização do livro escolar é diferente, já não trabalho no ramo, mas os livros tinham geralmente uma margem de 30% e os livros escolares 20% e para a maior parte dos revendedores condições de fornecimento a pronto pagamento, o que torna as trocas um pesadelo para pais e revendedores.

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  9. De forma complementar seria importante não confundir livros e cadernos! Porque é que a parte escrita não é feita em cadernos, em vez de directamente nos livros?
    Outro escândalo, que me dei conta pelo que vi afixado na escola das minhas filhas, é que para os alunos que têm apoio social, os Pais têm de pagar primeiro os livros e recebem o reembolso só este mês. Não faço ideia, com os ordenados miseráveis que há neste país, como é que as pessoas têm dinheiro para avançar o valor!

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  10. Muito obrigada ao Público e ao António Araújo por estarem a fazer verdadeiro serviço público.
    Enquanto as famílias tiverem abutres destes à sua volta não conseguem dar voltas aos orçamentos para terem mais filhos. Sempre que os sucessivos governos falam em "políticas de natalidade" lembro-me desta vergonha dos manuais escolares.

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  11. Muito obrigada ao Público e ao António Araújo por estarem a fazer verdadeiro serviço público.
    Enquanto as famílias tiverem abutres destes à sua volta não conseguem dar voltas aos orçamentos para terem mais filhos. Sempre que os sucessivos governos falam em "políticas de natalidade" lembro-me desta vergonha dos manuais escolares.

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  12. Para além deste manual, há muitos mais. Tenho 2 filhos separados por 2 anos escolares e não consigo aproveitar os manuais de um para outro.

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  13. Este monstro aqui tem uma explicação diferente... http://vespaaabrandar.blogspot.pt/2015/11/sobre-os-manuais-escolares.html

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  14. Caro António Araújo, do seu comentário e das várias sentenças aqui lavradas, sobram-me (pelo menos) duas dúvidas: se é o ministério que põe e dispõe dos programas, se é o ministério que obriga, por lei, à atualização dos manuais, porque é que "o monstro" são os editores? E, de caminho, se estes se vêm obrigados a mexer em livros que deveriam ter seis anos, o que implica voltar a pegar no projeto e trabalhá-lo, porque é que não se coloca na equação os custos que isso representa? Obrigado!

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  15. É esse olhar que defendo, João Frederico, um olhar que vai mais além do que nos vem da comunicação social, um olhar que questiona todos os lados da questão (que devia ser a comunicação social a fazê-lo, mas não o faz...).

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