impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 57 - DAVE
BRUBECK / PAUL DESMOND
Na colheita vintage de 1959, o melhor
ano editorial da história do jazz, “Time Out” foi uma dos néctares nele
saboreados. Mas para cima de meio século depois há que estimar como
surpreendente esta aclamação, porque a obra é deveras excêntrica em relação ao
que já então predominava no jazz e mais ainda com a sua posterior.
Dave Brubeck constituíra o seu quarteto
em finais de 1951 e o seu primeiro e mais notável feito foi quase imperceptível
à época: actuando nos auditórios universitários na denominada Bay Area, no raio
de S. Francisco, atraiu todo um novo público para o jazz, cuja popularidade
transitava então do povo urbano negro, que havia dançado ao som do swing, para
a classe média branca, seduzida pela aura mundana e boémia do jazz.
Terá sido esta massa de estudantes e
jovens professores que alcandorou Brubeck a um impensável quarto lugar entre os
pianistas, na Poll da Downbeat de 1952. No final desse ano uma digressão do
quarteto de Brubeck por Boston e Nova Iorque deu a conhecer um pouco mais as
singularidades deste som diferente e folgado a que chamavam cool.
A figura que Brubeck e o seu saxofonista
alto Paul Desmond faziam em palco era, também, ela incomum. Além de suarem
pouco e de se entreterem com incessantes contrapontos em vez de duelos
harmónicos, de aspecto apresentavam-se iguais a dois contabilistas, de óculos
grossos, camisa branca a que só faltavam as esferográficas no bolso, e uma pose
assaz circunspecta. Tocavam sobretudo standards, o que tornava a sua música
sobremaneira palatável.
Transferido para a Columbia Records em
1954, Dave Brubeck passou a ter expressão nacional a troco de um momento que foi
tanto de prémio como de embaraço. Bem trabalhada pelos publicistas da editora,
a revista Time deu-lhe um dos seus preciosos destaques de capa, privilégio que à
procedência do jazz só antes fora concedida a Louis Armstrong. Acresce que a
prosa justificativa macaqueava desastradamente o linguajar beatnick, reputando
Brubeck como “a wigging cat with far out wail.” Não faltaram sobrancelhas a
franzirem-se e canetas de críticos hesitantes entre etiqueta-lo de filisteu ou
de superficial. Grande pejo sentiu o pianista quando Duke Ellington lhe deu os
parabéns e, encalistrado, só balbuciou, “devia ter sido o senhor…”
Time
Out
1959 (2016)
Columbia / Legacy – K 65122
Dave
Brubeck (piano), Paul Desmond (saxofone alto), Eugene Wright (contrabaixo), Joe
Morello (bateria).
No jazz não é raro que por detrás de um
grande homem esteja outro grande homem. Assim era que emparceirando com
Brubeck, Paul Desmond (nascido Breitenfeld, nome nada artístico), figura
irónica, com um humor a roçar o cinismo, se acomodasse à posição de segundo
para não ter que amargurar os deveres empresariais da liderança. Entendiam-se
como que por telepatia e completavam-se com uma amizade musical límpida.
Desmond tinha artes de extrair do saxofone alto um timbre velado e uma fluência
ondulante, bastante contrária à herança de Charlie Parker, que toda a gente
tomava não só por referência, mas também como incontornável. Sobre isto, que patenteava
com temperança, tinha o dom da composição. Foi de sua lavra o tema “Time Out”,
de tal modo incisivo na carreira de ambos, que a ele se viram amarrados para
sempre e sobre ele fizeram jura que nenhum o tocaria sem o outro, assim
preservando a sua relação dos possíveis agravos que a fortuna tem o hábito de
incubar.
Ao escutar o alinhamento do disco “Time
Out” o editor foi todo reticências. Os experimentalismos davam estatuto ao jazz
mas afastavam-no das massas populares, então nas primícias da sua atracção pelo
o rock’n’roll. A obra era atravessada por compassos bizarros, de índole
levantina, em nada devedores da tradição do jazz; “Blue Rondo à la Turk”, o velocíssimo tema de abertura, desenvolvia-se
num 9/8, antes de inflectir por outras métricas igualmente invulgares, e “Time
Out” pautava-se em 5/4. O êxito foi, portanto, inesperado para todos os seus
intervenientes. Hoje o segredo deste sucesso é de polichinello: sob a sua
construção caprichosa, o tema discorre de forma coloquial e simplificada,
produzindo o mesmo efeito de satisfação nos apreciadores que a poesia romântica
em oposição à barroca – it’s melodics, stupid!
José Navarro de Andrade
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