Um curto
trajeto de carro-carrinha com dois amigos a escoltar uma extravagante máquina
do século 21 chamada Mimi. Atravessam-se, por um instante, as Variações Goldberg tocadas por Glenn
Gould, as mesmas que andavam há semanas no topo do top da colorida
playlist-spotify de um deles.
Patati-patatá,
havia que amparar a extraordinária Mimi, a memória também já não é o que era –
o meu disco está cheio, disse-me um sobrinho com sinapses mais velozes – e eis
que não me ocorre o nome da outra, da interpretação alter-Gould que queria
partilhar. “A outra” é uma das mais de cinco centenas de interpretações desta
obra-prima de J. S. Bach, sem contar com as várias gravadas pelo próprio Glenn
Gould (a última em 1981). Tão
particular, tão à parte e, não sem razão, tão entronizada é a interpretação de
Gould, que parece tê-las fechado todas ali, na dele, como quem fecha o assunto.
E pur, e porém,
continuam a mover-se. Cada variação corresponde a um compasso da primeira, a
Aria, e Bach deu-lhe para fechar o ciclo das Goldberg com a Aria da Capo,
parecendo sugerir que nada está acabado nunca, que nada se acaba afinal.
É também
assim que as retoma Zhu Xiao-Mei, numa das mais aclamadas leituras dos últimos
30 anos. Num programa em que foi ouvida incógnita e elevada a referência
moderna, louvou-se-lhe a humanidade perante a partitura, a naturalidade com que
a conta, dança, declama -- toda a luz das Goldberg, os seus murmúrios e
reviravoltas, a sua poesia funambulesca.
E é, ainda,
assim que é ela própria entendida no documentário The Return is the Movement
of Tao (O Retorno é o Movimento do Tao), de Michel Mollard (2014), em torno
da visão da pianista chinesa sobre as Variações Goldberg. Ela que na sua vida
se amparou em Bach para derrotar Mao. O
documentário pode ser visionado em acesso aberto aqui, onde
também se encontra um concerto ao vivo de Xiao-Mei.
Boas festas, João e Maria
Manuela Ivone Cunha
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