Há
um par de meses, quando se preparava o ano lectivo, António Araújo, no seu
blogue Malomil dava-nos a conhecer a
sua indignação perante o custo de alguns manuais escolares envolvidos em
“blocos pedagógicos” que as editoras apresentam aos alunos e respectivas
famílias como material indispensável para o sucesso, quantas vezes com a
conivências, por omissão, de escolas e professores, acrescento eu. No caso era
um bloco pedagógico para o 11º ano de Biologia e Geologia, daqueles que inclui
cadernos de actividades e mais alguma coisa que sirva para somar parcelas na
factura. Com a extensão da escolaridade para 12 anos e a generalização do
Ensino Secundário, esta prática dos blocos pedagógicos – já muito comum nos 2º
e 3º ciclos do Ensino Básico – tem-se estendido ao Secundário, beneficiando as
editoras com as mudanças de metas de aprendizagens e de conteúdos programáticos
que, ano a ano, vão inutilizando os manuais comprados anteriormente.
Mas,
se o negócio dos manuais e demais “materiais auxiliares”, com destaque para os
livrinhos com as provas finais de ciclo e exames que estão online gratuitamente
no site do IAVE, tem andado de vento em popa em tempos de redução do número de
alunos, o que dizer dos encargos que implica a frequência, mesmo no Ensino
Básico, de disciplinas como Educação Visual?
Há
umas semanas, com uma folha A4 pautada com as linhas quase todas preenchidas
com todo o tipo de materiais imagináveis, lá fomos nós, petiza, mãe e pai,
fazer uma visita a uma grande cadeia de materiais escolares e de escritório,
acabando a expedição com uma conta acima dos 50 euros, apesar de em casa já
existirem alguns dos materiais solicitados e de em vários casos a opção ter
sido mesmo pela marca branca e, caso se parta ou extravie, que é o mais certo
ao longo do ano, logo se compra outro.
E
estamos a falar de Ensino Básico, de uma disciplina de frequência obrigatória,
numa escola pública, num sistema de ensino obrigatório, universal e
alegadamente gratuito. Tudo para além da aquisição do próprio manual ou bloco
pedagógico.
Entendamo-nos
sobre um ponto: eu até concordo que alguns materiais, para trabalhos específicos,
mais onerosos, possam ficar a cargo dos orçamentos familiares com essa
capacidade. Agora, pedir que se comprem borrachas e lápis específicos, folhas
de papel de três ou quatro variedades, incluindo as brancas mais comuns, faz-me
lembrar o pedido feito há alguns anos – talvez ainda seja – por algumas escolas
do 1º ciclo para que os alunos levassem rolos de papel higiénico de casa,
porque o fornecimento lhes chegava tarde e em quantidades insuficientes.
Estamos a falar do Ensino Básico, do ensino público obrigatório e a mim quer
parecer, como professor (em escola onde tal não acontece) e encarregado de
educação, que começamos a entrar num território muito complicado quando é
necessário solicitar aos alunos a aquisição de todo este material para uma área
curricular já de si tão maltratada quanto o é a das Artes. Eu sei que para
Educação Física é necessário comprar sapatilhas, fatos de treino e camisolas. E
sei que em algumas escolas, à maneira das privadas, se exige que sejam
camisolas compradas na própria escola, ajudando a “gerar receitas”.
Sei
de tudo isso, mas acho que no caso das Artes – e nem imagino como será no
Ensino Secundário – isto gera uma dupla situação de injustiça relativa, não
apenas em relação a alunos com menos recursos, como quanto à forma como estas
disciplinas são encaradas, quando são feitas tais exigências. Porque, mesmo que
queiramos o contrário, estes são factores repulsivos, que sacrificam uma área
de estudos que parece cada vez mais desprezada.
E
considero isto ainda mais grave porque, em matéria de desporto ou mesmo do
chamado “ensino artístico”, existe uma oferta de actividades dentro e fora das
escolas públicas (há, por exemplo subsídios e ensino articulado para alunos que
sigam estudos na área da Música) que não se encontra em relação às Artes
Visuais, em que os alunos que sintam especial apetência por esse tipo de
expressão ficam restringidos a uma aula semanal e a uma quase total ausência de
ofertas para aperfeiçoar as suas competências, sem ser à custa de um forte investimento
familiar e, mesmo assim, só em grandes centros urbanos.
Se
as Humanidades estão a ser trucidadas, em especial no Ensino Secundário, pela
ideologia redutora das STEM, as Artes Visuais (desenho, pintura, ilustração,
seja no sentido tradicional ou em variantes mais actuais, como os suportes
digitais ou a chamada arte urbana) são completamente ignoradas e sobrevivem num
espartilho curricular que só se compreende num contexto de miopia intelectual.
E
quando no meu país há escolas públicas que não têm condições – ou optam por
fazer essa poupança – para colocar umas folhas de papel, lápis, borrachas,
réguas e algum material básico de pintura nas mesas dos alunos há algo que está
profundamente errado nas prioridades estabelecidas para uma Educação a que se
exige que entre em competição com as melhores do mundo.
Paulo
Guinote
(publicado
no jornal Público, de 26/10/2015;
aqui publicado no Malomil com autorização de Paulo Guinote: obrigado, Paulo, um
abraço!)
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