quarta-feira, 3 de abril de 2019

Anatomia da errância.


 
Fotografia de Martin Parr
 
 
         Há dias, nas páginas do Correio da Manhã, Francisco José Viegas definiu esta obra como «romance». Talvez o seja, num certo sentido, pois o que Olga Tokarczuk nos vai contando das suas deambulações situa-se muito, muitíssimo, entre o real e o imaginário. Muitas das histórias e das pessoas que encontra mais parecem ser criações da sua imaginação do que relatos de uma experiência errante. Não, este não é um vulgar livros de viagens, apesar do título. A obra nem sequer está ordenada por capítulos e não obedece a uma estrutura linear. Temos apontamentos, fragmentos, uns sobre aeroportos, outros sobre comboios para pessoas que têm medo de aviões, outro sobre utensílios de viagem, pensos higiénicos incluídos. Nem conseguimos sequer perceber, excepto em casos pontuais, por que terras andou a autora, que países visitou, de que lugares está a falar. Não, não é um vulgar livro de viagens. Mas, para uma «anatomia da errância», para usar as palavras de Bruce Chatwin, é um livro inultrapassável, por vezes perturbador, até pela atmosfera claustrofóbica e sufocante em que  os faz mergulhar, o que não deixa de ser paradoxal – genialmente paradoxal – num livro que fala de fugas e de evasões. Alguns não gostarão deste livro. Mas não deixam de lê-lo. O olhar de Olga Tokarczuk é raro, singularíssimo, uma viagem sem retorno ao absurdo da condição humana.
 

 






 

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