Martin Parr
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Olha a felicidade
É um gosto apagado,
como uma felicidade antiga que nem a memória é capaz de devolver.
É como ver uma
fotografia de quando tínhamos quatro anos. Olhamos e dizemos que parecíamos
felizes – mas já não nos lembramos se éramos, se é que alguma vez soubemos.
Nesses anos era preciso
obrigar as pessoas a sorrir. Na era antes das selfies havia
menos sorrisos postiços e mais sinceridade, por muito mal paga que fosse.
Era-se recompensado por não ser mentiroso. Hoje é-se recompensado pela situação
contrária: por parecer que acreditamos na mentira que dizemos.
Na sexta-feira comemos,
à chuva de Abril, os primeiros morangos do ano. Nasceram por causa do sol de
Março, prematuramente confundidos, tão enganados como deliciosos.
Comi os meus à inglesa
com natas frescas da Longa Vida. É um triste monopólio. A monotonia não enjoa
mas irrita.
Eram morangos bio sem
pesticidas, adubos ou fungicidas. Não é uma modernice: só há umas poucas
décadas é que existem essas novidades, que são para esquecer, como um
interlúdio de loucura e de ganância.
Custa-me não me guiar
por ideologias – é o mais fácil que há. É melhor e mais difícil guiar-me pelo
sabor de cada coisa que se me apresenta. É bom? É mau? Que decida o céu da
minha boca, que decida a minha língua: são eles que sabem o que eu deveras
sinto.
É caso a caso que se
chega à sabedoria. A inteligência só nos ajuda a gastar mais tempo, a não
sermos estúpidos e a não nos deixarmos governar por preconceitos.
A felicidade é mais um
acaso do que uma recompensa. Que pena – ou ainda bem?
Miguel
Esteves Cardoso
(in
Público)
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