domingo, 17 de março de 2013

Papa visita Papa.




Marc Chagall, Crucificação Branca, 1938




Inédito e  somente possível em tempos  modernos.  Antes,  se  Papa eleito  declarasse ter falado a antecessor e  reportasse  coisas ouvidas do além, João Paulo II ter visto João Paulo I, seria declarado  santo em vida pelo dom da vidência.

Agora  em figuração inédita,  o  Papa emérito está disponível para deitar falação e contar estórias  recônditas  do  seu frustrado pontificado   ao sucessor,  herdeiro de montanha de problemas e  de  gargalos na  gestão da Cúria e da doutrina.  Francisco visitará Bento e  ouvirá, ou falará,  ou perguntará, ou rezarão juntos,  depois de trocarem segredos impenetráveis.

Imaginemos que o novo pontífice,  de inovador em simplicidade  no relato da imprensa,  fosse mais longe  e  suprimisse  o vistoso ritual de séculos, arquivando em museus mitras, tiaras e báculos, casulas douradas, estolas cravejadas de pedras preciosas, solidéus  carmesins,  e  de enfado se contente  em  ditar como obrigatório apenas o branco das túnicas originais.  Quem protestará, o povo que ama o luxo  ou os pobres que merecem uma refeição diária?  Vamos a  hipóteses.

Parece  que  negras vestes ou   pardas de  monges ou  presbíteros do século, nem   supletivas   vestes de leigo, também não  iriam  contentar  os titulares do baixo clero, que anseiam por uma meia roxa ou barrete vermelho ou um simples berloque ou cordão a animar chapeirão  ou barrete negro,  sôfregos por  dragonas da fé  a ornamentarem  a ascensão na hierarquia e  na escala de poder de perdoar os homens.   Assim, é de esperar-se que o incenso  continue a ninar as narinas dos fiéis e que os badalos continuem movendo as ovelhas para as ocas basílicas e catedrais.

E o cerne da fé e  seus variados conteúdos e interpretações acompanhariam a modernidade e a evolução do conhecimento humano ?   A ONG falida  e suas irmãs  paralelas  resistiriam tanto e até quando, depois de  se  terem  convertido   em   agências  arrecadadoras  e  investidoras  de dízimos  e doações – facções  evangélicas , mulçumanas, hindus, budistas, tantas mais. A  substância dogmática, desgastada na vida dos  fiéis pelas preferências mágicas  – bolsas  de aposta  sobre o efeito dos  ritos externos de aspersão  e mergulhos em águas sacramentais –     sobreviveria  à preferência pelos sinais externos e públicos da  prosperidade  econômica ou financeira,  marcação  ígnea  no  piedoso gado    da retribuição  divina ao  zelo da fé e da dedicação  ao culto ?

Afinal,  a religião continua como  último recurso. Antes de fechar os olhos,  cada consciência psicológica  como vela  tremula  na iminência de apagar.  Difícil não sentir o frio   da  dúvida quanto  ao  próprio destino . A Religião,  quando não seja o ópio do povo, tem servido de  extrema-unção  a  um mundo   aprisionado à rede virtual, sem tempo para pensar ante elevações  da  alma  menos concretas. E para não sair da atualidade, nada mais coisa do que um corpo sem sopro em  mausoléu.  E por quanto  tempo?

 


                   15 de março de 2013

         Claudio Sotero Caio

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